Genivaldo Frois Scaramuzza*
Para quem mora na região amazônica a realidade cotidiana impõe o desafio de olhar o tempo e perceber que já não está igual há alguns anos atrás. Quando abrimos a janela, o tempo turvo e espesso transmite a impressão de que estamos sob uma forte neblina, mas não é verdade, o que vemos são fumaças, ela invade a cidade e as nossas casas, sufocam nossa respiração.
Para além dos aspectos físicos que sentimos na pele, nossa alma também está sufocada, pois as sensações em nosso corpo são resultado de profundas transformações a que a Amazônia vem sendo submetida nas últimas décadas. A perda da vegetação nativa amazônica que está sendo contestada por atividades políticas e por pessoas que desconhecem a região, aqui, da janela de nossas casas, dispensamos radares e dados estatísticos que buscam comprovar a mudança estrutural a que a Amazônia está submetida, nós as vemos a olho nu.
A proposta deste ensaio é produzir uma breve reflexão sobre a Amazônia amparando-se no conceito de Heartland como análise teórica. Neste sentido, pretende responder a duas questões fundamentais, em especial, a forma de como Bertha Becker – (Geógrafa Brasileira) se apropriou do conceito de Heartland para compreender a espacialização amazônica e, por conseguinte, as estratégias para proteger a Heartland amazônica, um lugar de encanto e espanto.
A formação territorial da Amazônia não pode ser desvinculada de suas questões históricas e das múltiplas estratégias centradas na geopolítica que buscou não apenas definir o espaço, mas também, produzir compreensões para a apropriação do vasto território, tanto no que se refere à impulsão da presença e ocupação humana, como na gestão dos recursos disponíveis (BECKER, 2001). Um conceito chave para a compreensão do espaço amazônico, refere-se a ideia de Heartland, extraído do pensamento do geógrafo inglês John H. Mackinder. Esse termo refere-se à delimitação estratégica do território, tanto em posição geográfica, como em suas condições potencialmente econômicas (BECKER, 2001). Carmona (2012), ao analisar as proposições de Mackinder, assinala que a Heartland oferece uma base física para a racionalidade estratégica, pois segundo o autor, essa forma de pensar tem relação com “a importância de recursos naturais abundantes para obter ampla capacidade de retaguarda estratégica” (CARMONA, 2012, p. 55).
Em termos estratégicos, podemos dizer que o espaço amazônico, passou por diversos momentos. O primeiro relaciona-se ao contexto de disputas para dominar a Amazônia o que impôs a constituição do espaço sul-americano como “a mais antiga periferia do sistema-mundo capitalista” (BECKER, 2004, p. 72). Outro momento refere-se à insuficiência de investimentos e ausência da presença do Estado até os anos de 1960 do século XX, em que “o projeto nacional de rápida modernização da sociedade e do território levou ao auge a economia de fronteira e a geopolítica estatal” (BECKER, 2001, p. 197).
Utilizando como lente teórica os pressupostos inerentes a ideia de Heartland, Becker (2001) entende que um encanto amazônico refere a sua expressiva porção territorial. A autora mostra que a Amazônia se caracteriza por sua extensão geográfica e amplo bioma, ao tempo que se apresenta como espaço a ser protegido. Adensa essa percepção o fato de que a Amazônia possui um amplo capital natural e consequente posição estratégica em relação às formações econômicas mundiais (BECKER, 2001). Amazônia caracteriza-se pela presença sociocultural local que historicamente, protegeram esse espaço a partir de saberes sobre manejos ecológicos e demográficos etnicamente fundamentados, como por exemplo, os povos indígenas. Caracteriza-se, também, por uma recente rede de urbanização com estruturas de conexões em termos de comunicação e possibilidades de tecnologias de transportes que conectam “pontos horizontais e verticais” (SANTOS, 2004), o que permite dar forma a uma Heartland Sul Americana.
Um conjunto de estratégias vem sendo tomadas ao longo das últimas quatro décadas para proteger a Heartland Amazônica, esses elementos constituem diversas iniciativas de âmbito local com parcerias internacionais, tais como o Programa Piloto Para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7) (BECKER, 2001). Entre as iniciativas, estão à ampliação e demarcação de Terras Indígenas, elaboração e implementação de Unidades de Conservação e Reservas extrativistas, que em seu conjunto, tem ajudado a preservar parte do bioma regional.
Entre as ações, situa-se também, o desenvolvimento de Políticas Públicas que norteiam os projetos na região, impulsionando, por exemplo, estudos de zoneamentos ecológico-econômicos no âmbito dos Estados Federativos da Amazônia. Becker (2001) sustenta que algumas iniciativas independentes das estabelecidas pelo Programa Piloto Para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7) estão sendo viabilizadas, tais como: Programa de Ecoturismo para a Amazônia (PROECOTUR); Programa de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (PROBEM) que catalisam o desenvolvimento de pesquisas e conhecimentos científicos em biotecnologia industrial (BECKER, 2001) e ajudam na conservação da região.
Levantamento produzido junto ao sistema de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra a situação do bioma Amazônico, os quais são possíveis observar, diferenças dimensionais significativas das áreas desmatadas quando comparadas a emergência das Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Segundo Becker (2001), a delimitação dessas unidades em formas de Reservas e Terras Indígenas, permite produzir desenvolvimento sustentável. Esses elementos são importantes na medida em que estrategicamente corroboram para proteger o núcleo ou Heartland Sul Americano.
O que espanta em relação à Amazônia, são as constatações atuais, tanto de ordem de quem vive neste espaço, como daqueles dados produzidos por equipamentos de monitoramento. Em 2019 a Amazônia vem tomando lugar em pautas políticas nacionais e internacionais. Esse cenário é potencializado com dados estatísticos ao mostrar que “A taxa consolidada gerada pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), apontou o resultado de 6.947 km2 de corte raso no período de agosto de 2016 a julho de 2017” (INPE, 2018). Recentes dados mostram que as arvores amazônicas não pararam de cair, pois só em 2019, a perda foi de 5.879 km2 da floresta, é possível ver a olho nu.
A crescente elevação de desmatamentos, bem como, a incidência de práticas econômicas inviáveis do ponto de vista da sustentabilidade, como, por exemplo, a garimpagem ilegal entre outros, tem formulado uma reação internacional, a exemplo estão o corte de recursos noruegueses e alemães ao Funda Amazônia na casa dos 200 milhões de dólares conforme amplamente noticiado. Do lado oposto do espectro político-ambientalista e suas incertezas quanto a natureza das teorias econômicas a serem utilizadas, populações locais, como as indígenas, receiam que seus territórios sejam palco de invasões e consequente destruição do capital natural amazônico, talvez, a última fronteira a resistir.
Podemos dizer que o conceito de Heratland, originalmente produzido para pensar as relações sociais, físicas, econômicas, ambientais e políticas da eurásia (CARMONA, 2012), por Mackinder foram apropriadas de forma interessante por Berta Becker a fim de constituir uma lente teórica capaz de explicar a região amazônica como sendo um Heartland Sul Americano. Dentre as aproximações, situam-se aquelas que descrevem a Amazônia como espaço estratégico na geografia regional e mundial. Alia-se a isto, a potencialidade em termos ambientais, as possibilidades de conexões e construção de redes de comunicação em relação de verticalidade com os demais espaços, tanto inter-regional como internacional.
No entanto, a atualidade da discussão, permite perceber que se faz necessário ampliar as percepções políticas e administrativas do espaço amazônico, tanto em termos de reserva estratégica, mas também, da possibilidade de produzir práticas de desenvolvimento econômico e social com a ampliação de investimentos em pesquisa biotecnológica de produtos destinados a indústria local e mundial.
Referência
BECKER, Bertha K. Construindo a Política Brasileira de Meio Ambiente para a Amazônia: Atores, Estratégias e Práticas. In: KOHLHEPP, G. (Org.) Brasil: modernização e globalização, Bibliotheca Ibero-Americana: Madrid, 2001.
BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Revista Estudos Avançados. V. 53, n.17, p. 71-86, 2005.
CARMONA, Ronaldo Gomes. Geopolítica Clássica e Geopolítica Brasileira Contemporânea: Mahan, Mackinder e a “grande estratégia” do Brasil para o século XXI. 2012. Tese (Doutorado em Geografia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e estatística. Mapas temático: Amazônia Legal, 2018. [online] Disponível em: <https://mapas.ibge.gov.br/tematicos/amazonia-legal.html> Acessado em: 13 de Nov. 2018.
INPE registra 6.947 km2 de desmatamento na Amazônia em 2017. Inpe. São José dos Campos – SP – Brasil, Nov. 2018. Disponível em: http://www.obt.inpe.br/OBT/noticias/inpe-registra-6-947-km2-de-desmatamento-na-amazonia-em-2017. Acesso em: 13 de Nov. 2018.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: Edusp, 2004.
* Professora da Universidade Federal de Rondônia. Doutor em Educação pela UCDB.
* Supervisora Escolar. Mestra em Educação pela UCDB.