água Educação ensino fundamental Meio Ambiente

Modelos mentais desenvolvidos para compreender a influência das atividades antrópicas numa bacia hidrográfica

Deyse Almeida dos Reis[*]

Resumo

A organização do conhecimento na mente humana tende a seguir uma estrutura hierárquica denominada modelos metais. Abordagens sobre o tema estão sendo utilizadas em várias áreas de conhecimento e instituições educacionais para promover ambientes de aprendizagem significativa. Embasados nos princípios citados neste estudo são demonstrados e discutidos os modelos mentais desenvolvidos por discentes do ensino fundamental em relação à temática ambiental.

Palavras-chave: Bacias hidrográficas; Desastre ambiental; Ensino fundamental; Modelos mentais.

Abstract

The organization of knowledge in the human mind tends to follow a hierarchical structure called metal models. Approaches on the subject are being used in various areas of knowledge and educational institutions to promote meaningful learning environments. Based on the principles cited in this study are demonstrated and discussed the mental models developed by primary school students in relation to the environmental theme.

Keywords: River basins; Environmental disaster; Elementary School; Mental models.

 

  1. Introdução

         O conceito de modelo mental vem sendo usado em várias áreas do conhecimento. Para Rouse e Morris (1986) modelos mentais são “os mecanismos em que os seres humanos são capazes de gerar descrições do sistema objeto, forma de funcionamento e as explicações do sistema observado”. Neste sentido Moreira (1996) complementa e ressalta que os modelos mentais podem ser constituídos de proposições, os chamados de proposicionais. Como também serem constituídos de imagens, esses definidos como imagísticos. Em alguns casos podem ser híbridos que podem ser formados de proposições e imagens.

         Esses modelos mentais são utilizados para a construção da aprendizagem significativa, ou seja, é um processo que antecede o registro de novas informações. Muitas vezes, esse modelo mental não possui uma lógica. Uma vez que cada indivíduo cria e utiliza um modelo para raciocinar. Eles podem ser múltiplos e em blocos que se reconhecem para a produção do aprendizado. Tais blocos podem ser (re)combinados com outros blocos preexistentes, possibilitando a geração de conexões mentais que permitem explorar conceitos científicos e dar significados aos mesmos (JOHNSON- LAIRD, 1983). Isto ocorre a partir de associações realizadas com a realidade em que este indivíduo está inserido, como por exemplo, em salas de aula.

         No ambiente escolar encontram-se diversos modelos metais. É necessário que o docente conheça seus alunos e como desenvolvem esses modelos. Ao conhecê-los permitirá ao professor intervenções diversas em sala de aula. Desta forma, o planejamento didático pode ser realizado de forma que atende as reais necessidades dos alunos e o professor poderá interferir nas possíveis falhas de raciocínio.

         Outro ponto importante é o conhecimento sobre os níveis de evolução dos modelos mentais (LEFRANÇOIS, 2008). Ao verificar esses níveis permitirá os docentes realizar um esquema dos tópicos de um determinado assunto, que possa facilitar a construção do conhecimento. Além disto, é possível corrigir eventuais distorções nas avaliações. Como nem sempre as dificuldades refletem-se do mesmo modo em alunos pode-se evitar menor pontuação em certa atividade cuja exigência cognitiva é maior. Portanto, o conhecimento de modelos metais é relevante no ambiente escolar para que a aprendizagem seja construída.

         Diante de tais assertivas, o presente estudo verificou os modelos mentais desenvolvidos numa turma do sexto ano do ensino fundamental no município de Ouro Preto (Minas Gerais) sobre a temática da influência antrópica nas bacias hidrográficas.

1.2 Contextualização do tema

         O conceito de bacia hidrográfica está associado a uma área definida topograficamente, drenada por um curso d’água ou um sistema conectado de cursos d’água, onde toda a vazão efluente é descarregada por meio de uma única seção de saída, denominada exutória, foz ou desembocadura (BARBOSA, 2015).

         A bacia hidrográfica é necessariamente contornada por um divisor, assim caracterizado por ser a linha de separação que divide as precipitações que caem em bacias vizinhas e que encaminha o escoamento superficial resultante para um ou outro sistema fluvial. O divisor geralmente é uma linha rígida traçada em torno da bacia e que atravessa o curso d’água somente no ponto de saída. Essa linha divisora é tracejada através dos pontos de cota máxima entre bacias, o que não impede que haja picos isolados de cotas superiores no interior da bacia (VILLELA e MATTOS, 1975).

         Atualmente existem diferentes definições de bacia hidrográfica, porém percebe- se uma grande semelhança entre autores no que diz respeito ao recorte espacial da área de drenagem. As definições que envolvem as subdivisões da bacia hidrográfica (sub- bacia e microbacia) geralmente levam em consideração diferentes fatores que vão do físico, político ao ecológico (TEODORO et al., 2007).

         O termo sub-bacia pode ser definido como sendo a área de drenagem de um tributário do curso d’água principal. BARBOSA (2015) define como sub-bacias, as bacias que possuem áreas de drenagem maiores que 100 km² e menores que 700 km²; Villela e Matos (1975) informa que todas as bacias hidrográficas podem ser desmembradas em inúmeras sub-bacias, dependendo apenas do ponto de saída considerado ao longo do seu canal coletor. Já Teodoro et al. (2007) definem uma microbacia como sendo uma sub-bacia hidrográfica de área reduzida, em que a área de drenagem máxima varia 0,1 km² a 200 km².

         O estudo das bacias hidrográficas e de suas sub-bacias é de extrema importância para a gestão dos elementos naturais e sociais de uma região, pois através de suas características é possível acompanhar as mudanças realizadas pelos homens e as reações da natureza referentes a essas mudanças. Por esse motivo a bacia hidrográfica tem sido utilizada como unidade de planejamento e gerenciamento, quantificando os diversos usos e interesses pela água e garantindo sua qualidade e quantidade (BARBOSA, 2015). No Brasil, a Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, incorpora diversos princípios e normas para a gestão de recursos hídricos, onde as bacias hidrográficas ficam definidas como unidade de estudo e gestão (BRASIL, 1997). Dessa forma, o conceito de bacia hidrográfica é de grande importância para as tomadas de decisões relacionadas ao gerenciamento de recursos hídricos.

         Em Ouro Preto há duas importantes bacias hidrográficas. A bacia hidrográfica do Rio Doce. Essa que em 2015, sofreu com o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração, a barragem de Fundão, localizada no distrito de Bento Rodrigues, município de Mariana/MG (região próxima a Ouro Preto). Dos 50 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério contidos na barragem, aproximadamente 34 milhões foi liberados diretamente na parte a jusante da barragem, destruiu parte dos subdistritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, ocasionou a morte 19 pessoas e gerou graves danos ambientais e socioeconômicos ao longo da bacia hidrográfica do Rio Doce (DOS REIS et al., 2019). Outra bacia hidrográfica é do Rio das Velhas que desagua no Rio São Francisco. Os afluentes da bacia, próximas a sua nascentes, recebem lançamento de esgoto doméstico sem tratamento prévio.

         Como se podem observar os mananciais do município de Ouro Preto sofrem uma pressão ambiental devido às atividades antrópicas sem uma gestão adequada. Portanto, a discussão do tema é relevante nas aulas da turma do sexto ano no ensino fundamental. Cumpre salientar que o conteúdo faz parte da ementa a ser abordada ao longo do ano.

2 Materiais e métodos

         A pesquisa foi realizada numa escola do município de Ouro Preto para alunos do sexto ano do ensino fundamental. Numa turma com 23 discentes e em duas aulas de Ciências (cada aula com 50 minutos de duração). O tema abordado foi sobre bacias hidrográficas. Para a exploração do tema foi seguido o seguinte escopo:

  • Apresentação de uma carta topográfica;
  • Questionamentos do que são rios até construir um conceito para bacia hidrográfica;
  • Questionamentos sobre os rios da região e a qual bacia hidrográfica eles pertencem;
  • Questionamentos da qualidade água desses rios se estão poluídos ou não;
  • Atividades de arte.

         Para análise dos modelos metais foram utilizados os protocolos de investigação como entrevistas e seu confronto com construções pictóricas, conforme citados por Melo e Neto (2013) e Fidelis et al. (2016). Após as aulas expositivas foi proposta aos discentes uma questão discursiva sobre influência antrópica nos mananciais.

3 Resultados e Discussão

         A princípio a turma se envolveu com o tema, pois é um assunto que se discute muito em Ouro Preto devido a vários problemas que o município tem em relação à gestão das águas. Ao desenvolver as atividades percebeu-se que alguns alunos se mostraram interessados em descobrir onde se localizam as nascentes dos rios do município e como as águas podem ser poluídas pelas atividades antrópicas. Após a aula expositiva foram propostas duas atividades curriculares.

         Uma atividade foi em relação à questão discursiva. As respostas foram categorizadas de acordo com de Bardin (1997) e dos Modelos Mentais (Quadro 1) para facilitar a análise da construção do conhecimento. De uma forma geral as respostas foram realizadas de acordo com o esperado para a faixa cognitiva analisada. Percebe-se uma heterogeneidade de ideias e evidências de aprendizagem (ou parte dela) perante as quais o planejamento docente deve atuar. Cada categoria representa um modelo distinto, desenvolvido pelos discentes a partir da compreensão individual, de acordo com discussões realizadas em sala.

Quadro 1: Relação das atividades antrópicas numa bacia hidrográfica

Categorias Características de raciocínio
Bacia hidrográfica com atividades potenciais de poluição Uma bacia hidrográfica é composta pelo rio principal, afluentes e atividades humanas (20).
 

Bacias hidrográficas sem as atividades antrópicas

 

Bacia hidrográfica somente com o rio principal, afluentes e sem atividades humanas (2).

 

Rio principal

 

Visão limitada de uma bacia hidrográfica somente

com rio principal, sem afluentes e atividades humanas (1).

Fonte: a própria autora.

         Observa-se que 86,9% dos discentes (n = 23) compreendem que o conceito de bacia hidrográfica e que as atividades antrópicas podem influenciar na qualidade das águas. Em 8,7% (n = 23) das respostas foi demonstrada uma dificuldade em compreender que as atividades humanas podem influenciar no meio ambiente. Enquanto um aluno, em sua resposta, não conseguiu assimilar que uma bacia hidrográfica possui diversos componentes, inclusive que as atividades antrópicas fazem parte do meio.

         A segunda atividade foi à confecção de uma arte relacionando o tema abordado em sala de aula (Figuras 1A- C). Ao analisar os desenhos verificou-se relação com as respostas da questão discursiva (Quadro 1). Em sua maioria, 86,9% (n = 23) dos discentes relacionaram a influência das atividades humanas numa bacia hidrográfica. Como exemplo, cita-se a Figura 1A onde ocorreu a representação de uma bacia hidrográfica e as possíveis atividades antrópicas que sem uma gestão adequada podem comprometer a qualidade das águas. Ainda o aluno representou um manancial localizado no município. Cumpre salientar que na aula expositiva muitos alunos se mostraram indignados que as condições da qualidade da água de Ouro Preto. Ainda na Figura 1A foram apresentados detalhes das possíveis fontes de contaminação que ocorrem ao redor dos rios da região. Isto pode deduzir que o discente compreendeu do tema central da aula.

 

Figura 1: Arte realizada pelos alunos após a aula expositiva

Fonte: a própria autora.

         Enquanto na Figura 1B foi demonstrada a bacia hidrográfica sem influências das atividades humanas. Este fato nos faz refletir a falta de compreensão de um sistema como um todo. Apenas um aluno não demonstrou a bacia hidrográfica com seus componentes (Figura 1C), mas apresentou uma influência antrópica no manancial. Isto demonstra um visão ainda limitada do assunto da aula. Ressalta-se que as artes apresentadas são representações imagísticas, ou analógicas. Para Eysenck e Keane (1994, p.184) as representações analógicas indicam a percepção do mundo exterior e as informações demonstradas nos desenhos são da fonte original.

         Observou-se em sala de aula que cada discente tem desenvolve um modelo mental. Cumpre salientar que um modelo não é melhor que outro. Todos são importantes para a construção do conhecimento. Cada indivíduo tem sua forma de criá-lo de acordo com seu raciocínio individual e tentam expressar da melhor forma o conteúdo assimilado no decorrer das aulas. Ressalta-se que alguns discentes têm mais facilidades que outros para assimilar determinados conteúdos. 

 

Conclusão

         Ao analisar os tipos de modelos mentais usados pelos discentes do ensino fundamental sobre a temática abordada, ficou constatado que a maioria dos alunos assimilou o tema discutido, ou seja, evidência que ocorreu uma aprendizagem significativa. Pela participação em sala de aula verificou que muitos preocupam com o bem estar da sociedade no que se refere à qualidade das águas. Outra constatação foi a similaridade nas duas atividades avaliativas propostas. Em ambas foi percebido o mesmo percentual nas categorias de modelos apresentados.

Referências

         BARBOSA, Antenor Rodrigues. 2015. Apostila de Hidrologia Aplicada – Introdução. UFOP. Disponível em:

<http://www.em.ufop.br/deciv/departamento/~antenorrodrigues/11_introducao.pdf >. Acesso em: 10 ago. 2018.

         BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Editora 70, 1977.

         BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Brasília, 1997.

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         EYSENCK, Michael W; KEANE, Mark T. Psicologia cognitiva: um manual introdutório. Porto Alegre: Artmed, 1994.

         FIDELIS, João Pedro da S. et al. Investigação sobre modelos mentais de alunos do Ensino Médio sobre o efeito estufa: uso de simulações computacionais como auxílio no desenvolvimento. In: Encontro Nacional de Ensino de Química, Florianópolis. Anais. Florianópolis: Universidade de São Catarina, 2016.

         JOHNSON-LAIRD, P. Mental models. Cambridge: Harvard University Press, 1983.

         LEFRANÇOIS, Guy R. Teorias da Aprendizagem. Tradução: Vera Magyar. 5ª edição. São Paulo: Cengage Learning, 2008.

         MELO, Marlene Rios; NETO, EG de L. Dificuldades de ensino e aprendizagem dos modelos atômicos em química. Química Nova na Escola, v. 35, n. 2, p. 112-122, 2013.

         MOREIRA, Marco Antônio. Modelos mentais. Investigações em ensino de ciências. Porto Alegre. vol. 1, n. 3 (dez. 1996), p. 193-232, 1996.

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         ROUSE, William B.; MORRIS, Nancy M. On looking into the black box: Prospects and limits in the search for mental models. Psychological bulletin, v. 100, n. 3, p. 349, 1986.

         TEODORO, Valter Luiz Iost et al. O conceito de bacia hidrográfica e a importância da caracterização morfométrica para o entendimento da dinâmica ambiental  local.  Revista Brasileira Multidisciplinar-Brazilian Multidisciplinary Journal, v. 11, n. 1, p. 137-156, 2007.

         VILLELA, Swami Marcondes; MATTOS, Arthur. Hidrologia Aplicada. Editora Mc Graw Hill, São Paulo, 245p., 1975.

[*]Gestora da Qualidade e Bióloga. Doutora em Engenharia Ambiental. E-mail: deysereis.reis@gmail.com

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