O “Capitalismo Sugar Daddy”
Por Por Keith A. Spencer, tradução e adaptação AaZ
Durante os primeiros anos da empresa de transporte de passageiros Lyft, principal concorrente da Uber no mercado norte-americano, os veículos eram identificados por bigodes cor-de-rosa gigantes que enfeitavam os para-choques. A empresa incentivava os passageiros a se sentarem no banco do passageiro e instruía os motoristas a cumprimentá-los com uma colisão de punho (uma versão modernizada do aperto de mão). Esses detalhes podem parecer fofos e amigáveis à primeira vista, mas escondem uma intenção um tanto sinistra: fazem com que a Lyft pareça menos “um trabalho” e mais um passatempo, e fazem com que seus funcionários pareçam menos trabalhadores e mais empreendedores, tentando impedir que percebam que o que estão fazendo é, no fim das contas, trabalho. Tal rotina significaria que estes empregados estariam menos dispostos a falar sobre exploração e não fariam reivindicações.
Esse fenômeno, uma cultura capitalista chamada de “desformalização” – termo alcunhado pelo professor Peter Fleming, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, para se referir a esse tipo de serviço, tem o efeito colateral de estimular a exploração dos trabalhadores e tornar os locais de trabalho menos formais.
Em seu livro publicado recentemente, “Capitalismo Sugar Daddy”, Fleming liga os pontos da desformalização à crescente cultura de “sugar daddies” e “sugar babies”, em que a definição consiste em mulheres e homens mais velhos que procuram relacionamentos, muitas vezes sexuais, com pessoas muito mais jovens e as pagam em dinheiro e itens de luxo em troca de companhia. Essa relação não é considerada e nem regulamentada como um trabalho sexual, em locais onde o trabalho sexual é legalizado. Além do mais, desfaz a linha entre o trabalho sexual e o patrocínio, entre Sugar Daddy e Sugar Baby.
O livro cria um conceito de “capitalismo sugar” e traça contrapontos entre as relações sugar e seus causas sociais. “Uma das coisas que tentei fazer com este livro é colocá-lo em uma economia política e mostrar o que essas relações muito íntimas são realmente reflexivas, ou espelham, certas tendências econômicas. No Reino Unido, por exemplo, a cultura sugar decolou porque o “capitalismo sugar” entra nos espaços não regulamentados, à medida que a condição de conforto começa a retroceder”, disse.
De acordo com o autor do livro, na Austrália existe um pouco mais de regulamentação em relação à mão de obra, mas o problema é que o fenômeno sugar é realmente uma espécie de “uberização” (semelhante ao Uber), na medida em que evita a regulamentação.
“Então, vamos comparar o Uber e os taxistas. Antes, você tinha uma indústria regulamentada de táxi em que você tinha motoristas com certas habilidades, que eram licenciados e assim por diante – os motoristas eram treinados. Aí vem Uber e diz: “Então, nós vamos usar apenas cidadãos comuns todos os dias para dirigir. Eles não precisam ser treinados. Eles não precisam de uma licença ou qualquer coisa assim, porque eles são realmente apenas pessoas como você e eu. E podemos fazer o que quisermos com seus carros, desde que esteja dentro da lei. É semelhante ao que está acontecendo com as relações sugar. Recentemente foi apontado que esse tipo de relacionamento se assemelha ao trabalho sexual”, relata o professor.
Segundo Fleming, a comparação é semelhante: você tem homens mais ricos e mais velhos, que têm o desejo de estar com uma mulher mais jovem – sempre uma mulher mais jovem – e uma boa porcentagem delas está na universidade ou faculdade, e precisam de ajuda financeira. Elas querem ter jantares caros e às vezes viajar, e assim por diante. E então há uma troca, um acordo econômico.
No Brasil, a dinâmica de uma relação baseada na troca de benefícios econômicos tem sido mercantilizada por plataformas como Seekeing Arrangement, do Canadá, a primeira e maior do mundo, e a rede social brasileira Universo Sugar, que já alcançou um público potencial no país, somando mais de 600 mil participantes.
Mas ainda existe um tabu desde que esse fenômeno surgiu, muitas pessoas dizem que é uma transação comercial e o sexo está envolvido e, portanto, se parece muito com o trabalho sexual. Porém, não pode ser caracterizado como trabalho sexual, por ser altamente regulamentado (por motivos óbvios). Esse tipo de relacionamento não se difere de outros que ocorrem em aplicativos, como o Tinder ou o Happen. As pessoas estão lá fazendo o uso de um aplicativo pela sua livre vontade. Então, é realmente parte da economia informal que se assemelha ao Uber. Esse é, essencialmente, o argumento dos paralelos traçados no livro “Capitalismo Sugar Daddy”.
A desformalização, afinal, é semelhante à informalidade. É onde você tem regras menos padronizadas e formalizadas em relação à conduta no local de trabalho à conduta na economia, resultando a volta das relações informais. Ela é derivada de uma ideologia própria do neoliberalismo e da ideia de que os cidadãos devem ser capazes de fazer o que quiserem no campo econômico, desde que estejam dentro da lei. “Deveria haver pouca supervisão reguladora por parte de quaisquer instituições associadas ao estado ou qualquer outra coisa, isso impediria que os indivíduos fizessem acordos de forma anônima”, finaliza Fleming.