Educação Educação Educação Inclusiva

Cores, letras e números no universo da deficiência mental

 

CORES, LETRAS E NÚMEROS NO UNIVERSO DA DEFICIÊNCIA MENTAL

Marcele Martinez Caceres*

 

Resumo

Marcele Martinez Caceres – Mestre em Educação, pela Universidade Federal de Santa Maria, em 2016. Educadora Especial, formada em 2014, pela Universidade Federal de Santa Maria. (UFSM). Professora de Educação Infantil e séries iniciais pelo Curso Normal da Escola Estadual de Educação Básica Professor Justino Costa Quintana, da cidade de Bagé – RS. Participa do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos (GIPES/CNPq) e do Grupo de Pesquisa Diferença, Educação e Cultura (DEC/CNPq). Atualmente, trabalha como Educadora Especial no município de Hulha Negra, RS.

O presente estudo consiste em apresentar um relato de experiência vivenciado durante o Curso de Educação Especial – Licenciatura Plena da Universidade Federal de Santa Maria, realizado no segundo semestre de 2013 numa Escola Municipal da cidade de Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul. Foquei meu trabalho nas questões matemáticas,  trabalhando também as cores e as letras do nome do aluno.

Palavras-chave: Estágio, Cores, Letras, Números, Deficiência Mental.

Resumen: El presente estudio consiste en presentar un relato de experiencia vivido durante el Curso de Educación Especial – Licenciatura Plena de la Universidad Federal de Santa María, realizado en el segundo semestre de 2013 en una Escuela Municipal de la ciudad de Santa María, Estado de Rio Grande do Sul. Mi trabajo en las cuestiones matemáticas, trabajando también los colores y las letras del nombre del alumno.

Palabras clave: Etapa. Colores. Letras. Números. Deficiencia mental.

  1. Introdução

O presente trabalho trata de um relato de experiência vivenciado durante o Estágio Supervisionado/Deficiência Mental, do Curso de Educação Especial – Licenciatura Plena, realizado em uma Escola Municipal da cidade de Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul, com um aluno que possuía deficiência mental e era atendido na sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE) duas vezes na semana.

De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, documento norteador da nossa prática enquanto educadoras especiais, o público alvo da Educação Especial são crianças com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. A partir disso, é importante destacar que considera-se pessoa com deficiência “aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade.” (Política Nacional de Educação Especial, 2008, p. 09).

O Atendimento Educacional Especializado visa propor atividades diferenciadas que trabalhem aquelas habilidades nas quais os alunos apresentam alguma dificuldade. Esse trabalho deve reunir atividades lúdicas e que se diferenciem daquelas propostas em sala de aula.  É importante salientar que o Atendimento Educacional Especializado não é substitutivo à escolarização; ele é complementar e/ou suplementar.

Diante disso, visando uma proposta lúdica, utilizando recursos variados, apoio-me na teoria vygotskiana, pois para Vygotski[1] os jogos e as brincadeiras têm uma enorme influência no desenvolvimento das crianças. Também me debruço sobre essa teoria porque nela existem as Funções Psicológicas Superiores (FPS), que “(…) relacionam-se com ações intencionais – planejamento, memória voluntária, imaginação (…)” (BERNI, p. 39), habilidades essas que trabalhei com meu aluno durante o estágio.

A proposta de intervenção visou congregar os conteúdos trabalhados na sala de aula com as habilidades necessárias para o desenvolvimento cognitivo, psicomotor e sócio-afetivo do aluno. Objetivei, com esta proposta, ao longo do estágio, desenvolver as habilidades de atenção, memória, raciocínio e criatividade, através de atividades lúdicas, desenvolvidas por meio de jogos, bem como algumas mais teóricas, como a escrita de números e letras.

Justifico esse objetivo baseada na teoria vygotskiana, a qual nos diz que devemos desenvolver nas crianças as FPS. Essas funções são desenvolvidas através do processo que Vygotski chama de mediação, que nada mais é que a relação do homem com o mundo e com os outros homens. Através dessa troca, é função primordial do professor o desenvolvimento dessas FPS por meio da mediação.

As FPS desenvolvem-se em espaços de aprendizagem por meio da apropriação de signos culturais. Dessa forma, é de extrema importância a relação criança-criança e criança-adulto, “(…) resultando na internalização de conhecimentos, ferramentas e signos por parte do ser humano” (Costas, 2012, p. 21)

  1. Fundamentação Teórica

 Breve Histórico da Deficiência e das práticas de inclusão

A história da deficiência é marcada por momentos de muito sofrimento, abandono e rejeição dos deficientes. Na Antiguidade, as pessoas com deficiência eram abandonadas, eliminadas ou sacrificadas, pois a perfeição do corpo era venerada e pessoas com deficiência fugiam desse padrão.

Na Idade Média, onde as pessoas eram vistam como a imagem e semelhança de Deus, àqueles que nasciam diferentes eram associadas ao demônio e, consequentemente, vítimas de descaso e marginalização.

Já na Modernidade iniciaram os estudos sobre a deficiência. A concepção de deficiência passou a decorrer de um modelo clínico, portanto, havia a tentativa de curar os deficientes. Nesse período tivemos algumas experiências, como por exemplo, a mais conhecida no campo da Educação Especial, realizada pelo Dr. Jean Itard[2]. Ele recebeu a tarefa de educar um menino selvagem. Mesmo recebendo o diagnóstico de Philippe Pinel[3] de que o menino teria sido abandonado por ser idiota e não haveria como educá-lo, Itard se opõe ao diagnóstico e inicia um trabalho com Victor – nome esse escolhido para o menino.

Abordando, especificamente, a deficiência mental, atualmente ela abrange o maior número de alunos da Educação Especial. É considerada uma deficiência de difícil identificação, já que não se mostra de forma “visível”.

As deficiências são classificadas de acordo com alguns manuais de classificação. Esse processo de identificação e diagnóstico vem sendo, ao longo dos anos, determinado por saberes clínicos. Os principais manuais são o Manual Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM IV e o Manual de Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamentos – CID10. Os médicos se baseiam nesses manuais para dar o diagnóstico aos pacientes. Essa avaliação baseia-se em testes de quociente de inteligência (QI), escalas de comportamento e idade.

Nesses manuais, a deficiência mental é vista como retardo mental, que é caracterizado como “(…) um funcionamento intelectual significamente abaixo da média e comprometimento no comportamento adaptativo, tendo seu início antes dos 18 anos” (Bridi, 2001, p. 79).

Em relação à inclusão destes alunos, apenas a partir da Política é que eles começaram a ser incluídos em salas de aula regulares, pois algumas escolas começam a se adaptar, tanto estrutural quanto metodologicamente, para receber alunos com deficiência.

As aproximações da teoria vygotskyana e a Educação Especial

Vygotsky traz grandes contribuições para pensarmos a Educação Especial, embora não faça distinções entre o desenvolvimento de crianças com e sem deficiência. Seu ponto de partida é a existência dos seres humanos. Seres esses que se distinguem dos animais, que comem, que bebem, que satisfazem suas necessidades básicas, etc., portanto, o homem é um ser pensante.

O homem produz e pensa: produz materialmente e produz representações, ideias, sobre sua produção material. Essas representações, essas ideias, formam a consciência, que é determinada pelas mesmas condições materiais de produção. (Carneiro, 2008, p. 29).

Essa produção humana pressupõe o uso de instrumentos. Esses instrumentos são de ordem física – aquelas ferramentas que podem modificar o meio físico – ou de ordem psíquica – os signos, que são capazes de modificar a relação com os outros e consigo mesmo.

Em relação aos signos, Carneiro esclarece que:

(…) são mediadores das atividades humanas; como tal, são constitutivos do homem. A linguagem (…), um desenho ou uma obra de arte, dentro outros, são exemplos de signos. É a sua presença que caracteriza a atividade humana como instrumental, ou seja, a atividade humana é sempre mediada por signos culturais. (…) (Carneiro, 2008, p. 30).

Segundo Carneiro (2008), a linguagem oral é um signo e funciona como mediadora para a comunicação entre as pessoas, bem como produtora de sentido, que possibilita a interpretação do mundo ao qual estamos inseridos. “Por tudo isso, Vygotsky afirma que os processos de funcionamento mental do homem são fornecidos pela cultura, pela mediação semiótica” (Carneiro, 2008, p. 31)

A linguagem oral foi uma questão que procurei explorar muito durante meu estágio. Tive vários momentos de conversação com meu aluno. Ele tem dificuldades na fala e, no momento, não faz tratamento com fonoaudióloga, então eu, enquanto educadora especial, tentava estimular ainda mais a fala dele.

Vygotsky (apud Costas (2012) destaca que a aprendizagem não depende, única e exclusivamente da maturação, mas sim das conexões que a criança estabelece com os outros, principalmente, com os adultos, pois são nessas relações que há o compartilhamento social. Portanto, não é a maturação que gera as FPS porque a formação destas está ligada muito mais à convivência e, não somente aos signos e símbolos culturais. Os signos são instrumentos interativos que dependem da assistência de mediadores para serem apropriados.

  1. Metodologia

Procurei trabalhar, ao longo do estágio, sempre tendo a ludicidade como o principal objetivo. Elaborei jogos e brincadeiras, de forma a estimular o aluno a participar das atividades.

Procurei enfatizar assuntos como as cores, os números, escrita dos numerais e a relação número-quantidade. Conteúdos esses em que o aluno apresentava maior dificuldade. Atividades que desenvolvem a motricidade, como recorte, colagem e técnicas de desenho sempre estavam presentes nos meus planejamentos.

Acompanhei o aluno em sala de aula também, observando-o e auxiliando-o nas atividades que a professora regente realizava. A parceria entre professora da sala de aula e professora da sala de recursos é algo muito valioso, principalmente, para os alunos.

 

  1. Considerações Finais

Ao final deste estágio, posso concluir que tive uma grande aprendizagem no que diz respeito à deficiência mental e a teoria vygotskyana. Trabalhar com um aluno deficiente mental é colocar em prática muitas teorias aprendidas durante os quatro anos de graduação.

Acredito que, ao final deste estágio, consigo perceber, embora pequenas, algumas evoluções no aluno com que trabalhei durante alguns meses. É simplesmente maravilhoso quando conseguimos ver algum progresso, principalmente quando tratamos de alunos DM. O aluno melhorou muito na identificação das cores, seus desenhos também estão com os traços bem mais definidos. Em relação às letras de seu nome, já consegue fazer algumas relações, como por exemplo, que a letra que inicia seu nome é a mesma que inicia o nome da educadora especial. Isso, para mim, é um grande avanço.

A visão que tínhamos de deficiência mental no início do estágio era uma que, ao longo das orientações – momentos de fundamental importância – fomos debatendo e aprendendo muito com nossa orientadora que esclareceu e quebrou mitos a respeito de o que é um aluno com DM.

Penso que por ser o último estágio, acrescentou muito na minha bagagem enquanto acadêmica.

*Mestre em Educação e Educadora Especial pela Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente, trabalha como professora de Educação Especial no município de Hulha Negra, RS. E-mail: marcele.eduespecial@gmail.com

 

  1. Referências

Jean Itard. Acessado em 16/11/2013. Disponível em http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/JeanItar.html

Philippe Pinel. Acessado em: 16/11/2013. Disponível em http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/PhlipxPi.html

FREITAS, Soraia Napoleão. Representações e Paradigmas em Educação Especial. Curso de Especialização a Distância em Educação Especial: déficit cognitivo e educação de surdos: módulo I. Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Educação, Curso de Especialização à distância em Educação Especial, 2008.

Secretaria de Educação Especial. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2007.

BRIDI, Fabiane Romano de Souza. Processo diagnóstico e de identificação dos alunos da educação especial: implicações no contexto escolar. In: THOMA, Adriana; HILLESHEIM, Betina (Org). Políticas de Inclusão: gerenciando riscos e governando as diferenças. 1.ed. EDUNISC, Santa Cruz do Sul, 2011.

CARNEIRO, Maria Sylvia Cardoso. Adultos com síndrome de down: a deficiência mental como produção social. Campinas, SP, Papirus, 2008.

 

 

[1] Lev Semmionovich Vygotsky nasceu em 1996 na Rússia. Estabeleceu uma psicologia com teorias dialéticas, graças a seus estudos sobre a consciência social e o papel das ferramentas.

[2] Jean Marc-Gaspard Itard (1774-1838) – médico e psiquiatra francês. É considerado o “Pai da Educação Especial” graças a sua experiência com Victor de Aveyron. A história da educabilidade do menino encontra-se nos relatórios publicados por ele.

[3] Philippe Pinel (1745 – 1826) – médico francês. Foi pioneiro no tratamento contra a loucura utilizando métodos mais humanos. Tem contribuição na Educação Especial também por fazer um estudo sobre a mente, fazendo uma classificação para as doenças mentais.

Deixe um comentário