Acedriana Vicente Vogel*
Há uma espécie de lagarta, a do pinheiro, vulgarmente apelidada de lagarta processionária – com o nome científico de Thaumetopoea pityocampa – que é um inseto bastante curioso em seu deslocamento. Em fila, praticamente grudadas umas às outras, andam em procissão, em busca de alimentos. Experiências já mostraram que quando formam um círculo, movimentam-se no sentido horário, ininterruptamente e, por mais que seja colocado alimento no centro deste círculo, sequer percebem a sua existência, por maior que seja a fome.
O determinismo genético desse animal serve como metáfora para refletir algumas ações que acontecem no contexto escolar. Não são poucos os profissionais que erguem bandeiras de luta cujo principal jargão é “eu sempre fiz assim e deu certo…” e perdem um número sem fim de oportunidades de reavaliar a sua prática, melhorando-a constantemente. Há aqueles que se colocam em procissão, repetindo ladainhas e, por não saber (ou não querer) fazer diferente, encampam discursos de terceiros como seus, sem o menor questionamento. Acaba se tornando um saber, repetido à exaustão, que passa a ser seu. Que chance terá a criação, a invenção – que tanto almejamos – de florescer numa prática estabelecida pela repetição?
São muitas as possibilidades em nossa volta para ampliar e melhorar o fazer pedagógico e, às vezes, por conta do “ativismo processionário” – fazer por fazer ou “porque sempre fez assim” – ficamos míopes em nossas observações e registros, conferindo à nossa experiência profissional apenas anos de repetição. Toda ação pedagógica é uma ação de comunicação e relacionamento, transbordante de indícios que permitem investigar nossas intervenções e, diuturnamente, reorganizá-las.
Outros profissionais, das mais diversas áreas, não se estabelecem como bons profissionais por terem anos de prática repetida, aprendida mecanicamente a partir do “ouvir falar”. Certamente, diremos que um profissional é bom quando seu saber é construído por meio da pesquisa, do estudo e, sobretudo, da articulação entre os diversos conhecimentos. Assim, para sairmos desse “pensamento processionário” que enrijece e cristaliza a nossa atuação, necessitamos mais do que vontade. Precisamos nos perguntar “de que forma as pessoas aprendem? O que a educação escolar pretende? Quais as interfaces da atuação docente?”. Esses e outros questionamentos são pautas para a discussão entre os profissionais que pretendem atuar na educação escolar e “desconstruir” o ciclo vicioso que, muitas vezes, insiste em nos mobilizar.
A pesquisa constante da ação pedagógica traz consigo possibilidades de mudanças na forma de ver o nosso trabalho, capazes de gerar movimentos em outras perspectivas, exercitando a criação e a inventividade. Isso é que nos distingue dos demais profissionais aprisionados em sua prática. Para fazer ciência e arte na educação escolar, é necessário vazar o pensamento, perspectivar, problematizar as verdades que nos são apresentadas como lei. Mais do que compromisso – é nosso dever resgatar essa nobre profissão, sem a qual nenhuma sociedade é capaz de dignificar seus cidadãos e desenvolver-se de forma sustentável. E ainda mais: se somos capazes de ser melhor e, por consequência, agir melhor, por que optar por ser uma “lagarta processionária”, contrariando a própria natureza humana?
* Acedriana Vicente Vogel é diretora pedagógica da Editora Positivo