A Reforma do Ensino Médio e seus impactos na formação da classe trabalhadora*
Luana Maciel do Nascimento**
RESUMO
O presente trabalho buscar discutir a proposta de Reforma do Ensino Médio e seus desdobramentos. Inicialmente faço uma discussão geral sobre a trajetória e o atual contexto do Ensino Médio no país e fundamentação de ações arbitrárias por meio do PNE 2014-2024. Percebe-se que, apesar da educação ser um campo de disputas entre forças hegemônicas e contra hegemônicas, o diálogo é a base fundamental para a construção de sujeitos sociais críticos, participativos e humanos.
Palavras-chave: Reforma do Ensino Médio, Classe Trabalhadora, Currículo, Diálogo.
RESUMEN
El presente trabajo busca discutir la propuesta de Reforma de la Enseñanza Media y sus desdoblamientos. Inicialmente hago una discusión general sobre la trayectoria y el actual contexto de la Enseñanza Media en el país y fundamentación de acciones arbitrarias por medio del PNE 2014-2024. Se percibe que, a pesar de la educación ser un campo de disputas entre fuerzas hegemónicas y contrahegemónicas, el diálogo es la base fundamental para la construcción de sujetos sociales críticos, participativos y humanos.
Palabras-clave: Reforma de la Enseñanza Media; Clase Trabajadora; Currículo; Diálogo.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos temos vivenciado diferentes mudanças no campo educacional, principalmente por conta das concepções ideológicas das pessoas que vem ocupando espaços importantes na estrutura do governo brasileiro, como no Conselho Nacional de Educação (CNE), Ministério da Educação (MEC) e presidência da república, dentre outros. Dentro disso, o Ensino Médio, como componente obrigatório da Educação Básica, que atende jovens de 15 a 17 anos, tem sofrido impactos significativos em sua estruturação curricular e concepção de formação.
Estando presente no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) nas metas que se referem aos objetivos de universalização (meta 3), ampliação da oferta de educação em tempo integral (meta 6), elevação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) (meta 7) e expansão da oferta do ensino técnico (meta 11), algumas medidas consideradas antidemocráticas buscam respaldo no próprio PNE que, diga-se de passagem, foi elaborado em outro contexto político e tomando concepções de formação humana divergentes das que têm sido assumidas atualmente.
Apesar da resistência popular não terem sido capazes de barrar as propostas de reformas para o Ensino Médio, desde a Constituição Federal de 1986 (CF 1896) vem se solidificando o discurso de que a gestão da escola pública deve ser democrática e participativa. No entanto, questionamos a concepção de participação e democracia assumida pelos órgãos oficiais e, consequentemente no interior da escola, assim como a percepção das(os) estudantes de nível médio a respeito do espaço que possuem para atuarem ativamente no ambiente escolar.
No campo curricular, está sendo implementada a Reforma do Ensino Médio, por meio da Lei nº 13.415/2017, tendo sido inicialmente efetivada por meio de Medida Provisória (MP 746/2016), em consonância com a tentativa de ampliação da carga horária. Sabemos que essa reforma traz consigo uma concepção dualista de educação, o que deve afastar cada vez mais as pessoas pobres do ensino superior e aprofundar a desigualdade social existente em nosso país. Sendo assim, faz-se necessária a discussão sobre os impactos dessa reforma, principalmente na formação da classe trabalhadora.
O ENSINO MÉDIO: SUA TRAJETÓRIA E A REFORMA
Consideramos que a escola, como aponta Bourdieu (PEREIRA, 1997), contribui no processo de manutenção das relações sociais, sendo que as pessoas que possuem o Capital Cultural que coincide com os conteúdos trabalhados nas aulas saem da Educação Básica com mais conhecimento, favorecendo para que essas pessoas deem continuidade em seus estudos e/ou galguem posições nos espaços mais privilegiados da sociedade.
Já para as pessoas pertencentes a extratos sociais mais baixos, a escola constrói, muitas das vezes, uma barreira, pois os conteúdos apresentados pouco têm a ver com seu universo. O que contribui para que elas não desfrutem de maneira significativa dos aprendizados proporcionados, gerando frustração, repetências e abandono dos estudos.
No que tange ao campo curricular, levando em consideração as tendências curriculares que disputam espaço no século XXI, sendo elas a tradicional, a crítica e a tendência pós crítica, sabemos que o “currículo é sempre resultado de uma seleção” (SILVA, 1999, p. 15). Dentro disso, tomo o currículo, em consonância com Sacristán (2013, p. 262) como um “texto que reúne e estrutura o conhecimento que deverá ser compartilhado e reproduzido ou produzido nos estudantes sob a ordem de um determinado formato”.
Sendo assim, podemos afirmar que historicamente tem sido negado o acesso à educação pública e de qualidade para as pessoas pobres, especialmente no Ensino Médio, cuja obrigatoriedade e gratuidade foram estabelecidas tardiamente, a partir da EC nº 59/2009. Além de enfrentar dificuldades relacionadas à permanência e à construção de aprendizagens significativas (OLIVEIRA, 2010, p. 276).
Dentro disso, vale destacar que a educação tem sofrido grande impacto das políticas neoliberais desde a década de 1990, materializadas nos acordos internacionais que ditam as políticas de financiamento, as avaliações de larga escala e as propostas curriculares, além de render a Educação à lógica do Mercado.
Também vivenciamos diferentes mudanças no campo educacional a partir de 2016, as quais interpretamos como grandes retrocessos ao projeto de educação libertadora, já que tais mudanças derivaram de um governo ilegítimo, conduzidas por Michel Temer (PSDB), após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT). O qual foi entendido como um golpe à democracia e ao Estado de direito, conduzido peço judiciário, pela mídia e pelo Mercado. Atualmente, com a eleição de Jair Bolsonaro (PL), que governará de 2019 a 2022, tais retrocessos tendem a se aprofundarem cada vez mais, com as propostas de privatização, além do cerceamento da liberdade de cátedra, com o projeto da Escola “Sem” Partido.
No que tange ao contexto de 2016, em 12 de abril a ex-presidenta Dilma Rousseff foi afastada do cargo. Com isso, seu vice-presidente assumiu o poder e executou medidas que se opunham a um projeto de construção de uma sociedade mais justa e de eliminação da pobreza. Uma dessas medidas foi a EC nº 95/2016 (PEC nº 55/2016) e a Lei nº 13.415/2017 (MP nº 746/2016).
A EC nº 95/2016 estabelece um congelamento dos gastos públicos na Saúde e na Educação por vinte anos, o que representa uma agressão aos direitos sociais conquistados, depreciação dos equipamentos públicos, além de gerar um desemprego estrutural e crescente. Atrelado à EC nº 95/2016 foi sancionada a Lei nº 13.415/2017, implementada anteriormente por meio de Medida Provisória 746/2016, que reforça a dualidade da educação (formação intelectual versus formação para o trabalho), retomando um caráter fragmentado e tecnicista (MOTTA & FRIGOTTO, 2017).
A respeito da aprovação da Lei nº 13.415/2017, o senador de Mato Grosso do Sul Pedro Chaves (PRB), relator da reforma do Ensino Médio, declarou por meio de uma entrevista ao programa “Salão Nobre”, da Tv Senado, que a reforma do Ensino Médio foi conduzida de modo participativo e democrático, já que contou com 53 audiências públicas e 566 emendas. No entanto, vale refletir o quanto das manifestações populares foi incorporado na lei, já que historicamente o que vivenciamos no Brasil é uma democracia formal, que elege representantes da população, diferente de uma concepção mais ampla de democracia participativa, na qual a população constrói os projetos em conjunto.
Como justificativa, atrelando às propostas do PNE, o senador apresenta os baixos resultados no IDEB e no PISA, tomando como referencial de qualidade de educação apenas as avaliações de larga escala, que pouco consideram questões relacionadas à desigualdade social e diferenças culturais existente em nosso país. Além de sustentar seu discurso no modelo educacional da década de 1960, na qual encontramos significativas diferenças com relação à configuração da sociedade, além das mudanças de objetivos e perspectivas.
Percebemos que as justificativas para a reforma do Ensino Médio são as mesmas que apontamos como situações que precisam ser mudadas na educação brasileira, no entanto não acreditamos que seja esse o caminho, inicialmente por meio de uma MP e, posteriormente, com a aprovação de uma lei que contribui ainda mais para ampliar o dualismo educacional (formação intelectual versus formação para o trabalho). É fato que as(os) jovens têm o direito de escolher o que querem estudar, no entanto sabemos que os recursos disponíveis nas escolas públicas para montar laboratórios e realizar visitas em espaços culturais são extremamente escassos, o que reforçará a contribuição da escola no processo de reprodução das relações sociais.
Queremos uma reforma que seja a favor das pessoas pobres e que se atente às diferenças culturais existentes no Brasil. Uma reforma que considere a voz da população e, sobretudo, das(os) jovens, de modo a instrumentalizá-las(os) a perceber os impactos de sua implementação. Defendemos a construção de uma sociedade autônoma, no entanto, uma autonomia real, capaz de romper com a atual estrutura de dominação burguesa, por meio do Capital.
CONSIDERAÇÕES
Com o intuito de contribuir com as discussões relacionadas à Reforma do Ensino Médio, busquei ao longo desse trabalho discutir os impactos de tal reforma na formação da classe trabalhadora, partindo da concepção de que a escola é um dos aparelhos ideológicos do Estado e que ela contribui na defesa dos interesses da burguesia, como formação de mão de obra e manutenção das relações sociais.
Busquei elencar a trajetória do Ensino Médio, que sofreu impactos das políticas de universalização, obrigatoriedade e do neoliberalismo. Sendo configurado de maneira particular a cada governo e historicamente dualista, fatores reforçados após o Golpe de 2016, com a Lei nº 13.415/2017 (MP nº 746/2016) e aprovação de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que relaciona as competências e habilidades a serem desenvolvidas em cada itinerário formativo condizentes a esses ideais.
Vale sinalizar que a BNCC do Ensino Médio foi homologada em 14 de dezembro de 2018, um ano após a BNCC da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. No entanto esse documento foi aprovado sem a realização de duas audiências públicas, previstas pelo CNE (audiências da região Norte e Sudeste).
O cenário que vem se constituindo desde o Golpe de 2016 é desolador à classe trabalhadora, ainda mais com a eleição de Jair Bolsonaro, que sustenta seu discurso em uma base tradicional, conservadora e privatista, além dos discursos de ódio e segregacionistas pronunciados ao longo de sua campanha eleitoral. No entanto, acredito, em consonância com Gandin (2008, p. 225), que “nenhuma ação hegemônica consegue bloquear todos os espaços simultaneamente, podendo seu próprio discurso ser rearticulado para favorecer propósitos contra hegemônicos”. Acredito ser necessário alimentar a esperança do verbo esperançar, como aconselha Paulo Freire, que não nos deixa desistir de lutar.
REFERÊNCIAS
GANDIN, Luís Armando. Criando alternativas reais às políticas neoliberais em educação: o projeto escola cidadã. In: APLLE, Michael W.; BURAS, Kristen L. Currículo, poder e lutas educacionais: com a palavra, os subalternos. Porto Alegre: Artmed. 2008 p. 221-244.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. O ensino médio diante da obrigatoriedade ampliada: que lições podemos tirar de experiências observadas? Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 91, n. 228, maio/ago. 2010, p. 269-290.
SACRISTAN, G. O currículo em ação: os resultados como legitimação do currículo. In: _ (org). Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto Alegre, Penso, 2013, p. 262-280.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Teorias do currículo: o que é isto? In: Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica. 1999 p. 11-17.
Como citar esse artigo:
NASCIMENTO, Luana Maciel do. A reforma do ensino médio e seus impactos na formação da classe trabalhadora. Revista Partes, São Paulo, 2019. p. 1-6.
* Esse trabalho é fruto das discussões realizadas ao longo da disciplina de Planejamento Educacional, ministrada pela Dra. Valéria Moreira Rezende, do curso de Pedagogia, do ICHPO/UFU.
** Luana Maciel do Nascimento. Discente em Pedagogia pelo Instituto de Ciências Humanas do Pontal (ICHPO/UFU). E-mail: luana.maciel@ufu.br.