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A escola enquanto meio de disseminação de conhecimentos científicos e organização burocrática em meio à luta de classes

Luís Demétrio Broetto*

Resumo

O presente artigo tem por seu objetivo debater a temática “A escola enquanto organização: limites e desafios”. Esta é importante e deve ser feita, afim de que possamos pensar e repensar a escola enquanto um lugar burocrático, e sua influência no processo pedagógico em meio à luta de classes que existe no seio da organização escolar. Espera-se com o presente trabalho, poder contribuir para as discussões de forma significativa, podendo ajudar inclusive em estudos futuros.

Palavras-chave: escola, organização, gestão escolar.

The school as a means of dissemination of scientific knowledge and bureaucratic organization in the midst of the class struggle

Abstract

This article is your goal to discuss the theme “school as an organisation: limits and challenges”. This is important and should be done, so that we can think and rethink the school as a bureaucratic place, and your influence in the educational process in the midst of the fight of classes that exist within the organization. It is hoped with this work, to be able to contribute to the discussions, and may help in future studies.

Keywords: school, organization, school management.

Introdução     

O presente artigo tem com seu objetivo principal debater a temática “A escola enquanto organização: limites e desafios”; para tanto, irá se recorrer a material bibliográfico com a temática da gestão escolar realizando uma análise desta em meio à educação escolar no século XXI. É sabido que não se esgotará o assunto aqui, de sorte que outros trabalhos possam explorar os pontos que por ventura ficarem em aberto.

Metodologia

A metodologia utilizada foi a de revisão bibliográfica tendo em vista a temática proposta, para discutir os limites e desafios da escola enquanto organização da sociedade e instrumento de papel central na constante luta de classes existente na sociedade. Através desta bibliografia pretende-se debater o assunto de forma fundamentada em argumentos.

 

Referencial Teórico

Para darmos início ao referencial teórico do presente trabalho, trazemos argumentos selecionados que ajudarão no processo de debate e entendimento do assunto.

 

A negação do recurso às metanarrativas articula-se com a problemática relativa ao conceito de ideologia, tendo em vista que a teorização crítica em educação busca revelar o papel ideológico da escola como reprodutora do discurso político de manutenção da ordem vigente na sociedade (CAVAZOTTI, 2010, p.44).

 

Este excerto que abre as discussões do referencial teórico nos traz de maneira bastante lúcida o papel que a classe dominante da sociedade de modo disfarçado como se isto não ocorresse e fosse algo utópico. No entanto, nosso papel enquanto educadores e formadores de opinião é o de nos posicionarmos, sempre de modo respeitos às ideias em contrário, porém, não podemos ficar indiferentes.

Outro importante excerto retirado da mesma obra da mesma autora que vem de encontro com o excerto inicial e nos dá um panorama ampliado é o seguinte:

Uma ciência [educacional] crítica está preocupada com as formas pelas quais as condições sociais, culturais e econômicas produzem uma certa seletividade nos processos de ensino e de organização do currículo. Ela envolve um ceticismo contínuo com relação aos lugares-comuns e às convenções socialmente aceitas da escolarização, compreendendo que as práticas sociais contêm contradições nas quais estão continuamente envolvidas questões de dominação e poder [Popkewitz, 1990 apud SILVA, 1996, p.153] (CAVAZOTTI, 2010, p.51).

Aqui fica evidente o quão seletiva é a educação, e sendo assim, excludente. Educação é algo que ainda no século XXI é privilégio de poucos ao redor do mundo. Embora tenha-se o discurso de que a educação é um direito de todos e um dever do Estado, na prática este direito não é igual para todos.

Ainda seguindo esta linha de raciocínio do excerto acima mencionado, apresenta-se um excerto da mesma obra extraído de uma obra de Karl Marx que nos traz o seguinte:

O homem é um ser genérico (Gattungswesen), não somente quando prática e teoricamente faz do gênero, tanto do seu próprio quanto do restante das coisas, o seu objeto, mas também – e isto é somente uma outra expressão da mesma coisa – quando se relaciona consigo mesmo como [com] um ser universal, [e] por isso livre [MARX, 2004, p.83] (CAVAZOTTI, 2010, p.59).

Este excerto nos traz um pouco da relação do ser humano consigo mesmo e com os demais à sua volta. Assim, tendo consciência de que suas atitudes afetam o mundo à sua volta e o afetam direta e indiretamente também. Indo de encontro a tudo isso, sem perder o fio condutor do presente trabalho, e enriquecendo ainda mais as discussões para uma maior e melhor compreensão, apresenta-se o seguinte excerto:

A concepção humanística das ciências sociais enquanto agente catalisador da progressiva fusão das ciências naturais e sociais coloca a pessoa, enquanto autor e sujeito do mundo, no centro do conhecimento, mas, ao contrário das humanidades tradicionais, coloca o que hoje designamos por natureza no centro da pessoa. É, pois, necessário descobrir categorias de inteligibilidades globais, conceitos quentes que derretem fronteiras em que a ciência moderna dividiu e encerrou a realidade (SANTOS, 2002, p.44) (CAVAZOTTI, 2010, p.65).

Aqui, mais do que nunca, fica evidente o necessário caráter humanístico das ciências; caráter esse que vem sendo fortemente atacado, como se fosse algo totalmente inútil e que devesse ser extirpado das ciências. A escola enquanto instituição de suma importância na sociedade deve estar atenta e preocupada com todas as vertentes que influenciam em sua atividade. A partir daí, problematizar e provocar o educando positivamente, a fim de que este seja um cidadão crítico com o mundo que o cerca.

Ainda podemos também mencionar outra importante colocação que vem mantendo a linha de raciocínio deste trabalho, e que nos remete ao argumento que deu abertura ao presente referencial teórico. Para reforçar-nos qualitativamente nos argumentos aqui apresentados, recorremos a Edgar Morin, que nos torna clara esta perspectiva de acordo com os autores pós-modernos. Ele nos diz o seguinte:

Na concepção dos autores pós-modernos, os princípios de ordem, especialização, certeza e indução/dedução que regem o espírito científico desde a modernidade devem ser questionados (MORIN, 2002b, pp.559-560). Pautados nas leis formuladas pelas ciências no seu atual estágio de desenvolvimento, preconizam, em lugar da ordem, o “jogo dialógico” entre a ordem e a desordem; o conceito de sistema, organizador das qualidades e propriedades diversas, em substituição à especialização; a incerteza, pois somente se certificam dados em condições espaço-temporais limitadas; a complementariedade, em oposição ao raciocínio lógico indutivo/dedutivo (idem, pp. 564-565). Em resumo, a multirreferencialidade é a categoria atual da ciência que confere organização ao conhecimento, em lugar de dos fundamentos que pontificaram o estatuto da ciência moderna (MORIN, 2002b) (CAVAZOTTI, 2010, p.54).

A partir do exposto por Edgar Morin tem-se um panorama mais claro e amplo, devemos ser questionadores e inconformados com a realidade que está posta diante de nós. A ciência atual deve contrapor-se à ciência moderna que essencialmente era dogmática. Tais mudanças, refletem-se também nitidamente na organização da escola enquanto instituição, que deve buscar modernizar-se e também na gestão escolar que deve estar em sintonia com o tempo histórico em que está situada.

Dando continuidade a este relevante texto acadêmico, que não tem pretensões de mostrar-se pronto e acabado, mas, sim, de ser um contribuinte no processo que entende-se permanente, apresenta-se também outro importante ícone que com seus ensinamentos vai nos guiar neste caminho.

Levando-se em conta a estrutura do homem caracterizada pelo trinômio situação-liberdade-consciência, constatamos que a educação, enquanto fenômeno se apresenta como uma comunicação entre pessoas livres em graus diferentes de maturação humana numa situação histórica determinada; e o sentido dessa comunicação, a sua finalidade, é o próprio homem, quer dizer, sua promoção (SAVIANI, 2014, p.11).

Aqui, professor Saviani nos traz uma importante reflexão que quase não é feita, e se é, por poucos; o homem (ser humano) tem clareza de sua situação, sabe que é livre e tem consciência do mundo ao seu redor, porém; pessoas diferentes apresentam níveis diferentes de percepção deste trinômio e de como ele os afeta direta e indiretamente, inclusive no contexto histórico em que a pessoa vive. Sendo assim, não resta dúvida de que quanto mais intenso o processo educativo em que a pessoa se encontre, tenha uma maior e melhor percepção do mundo que a cerca.

Parafraseando um dito de Sartre (1968, p.117) numa de suas famosas polêmicas com o estruturalismo, dir-se-ia: “o que foi feito do homem são as estruturas; o que ele faz (daquilo que fizeram dele) é o sistema”. Aqui, o importante intelectual francês mundialmente reconhecido, faz uma relevante, porém, simples analogia para o entendimento da diferenciação entre sistema e estrutura, que nos ajuda a entender o sistema de ensino e a estrutura em que o mesmo ocorre.

Voltando a discutir, desta vez com Pedro Demo a temática aqui exposta, ele nos apresenta cinco itens que dialogam diretamente e de forma qualitativa com os intelectuais que aqui se fazem presentes. Os cinco itens apresentados são os seguintes:

  1. O objetivo da aprendizagem é a construção de autoria e autonomia do aluno, com orientação do professor;
  2. O aluno é ponto de partida e de chegada da intervenção do professor em termos de emancipação, não de acomodação na pobreza;
  3. Ambientes virtuais são fundamentais por conta das novas linguagens que, embora não suprimam o texto impresso, farão preponderar versões digitais;
  4. O professor precisa saber avaliar e orientar, e o aluno, pesquisar e elaborar;
  5. Cuidado sistemático é compromisso profissional do professor com respeito ao aluno.

      (DEMO, 2008, p.16-17).

Concorda-se plenamente com tudo o que foi exposto anteriormente, porém, apesar dos discursos que ouvimos e até mesmo fazemos, ainda estes cinco itens mostram-se absurdamente ambíguos; os educandos não são autores e nem tampouco autônomos, os educandos não se tornam emancipados intelectualmente, querer negar a influência cada vez maior e mais presente na vida dos educandos e seus efeitos no processo educativo é impensável, ao educador cabe sim avaliar e orientar o seu pupilo de forma adequada, cabendo também a prática da pesquisa e elaboração de toda sorte de conteúdos e materiais didáticos que lhe disserem respeito, cuidado sistemático com tudo o que ocorre com o educando no ambiente educacional é compromisso ético do educador em respeito ao seu educando.

Ocorre com facilidade que o poder público não promove a qualidade da escola, não mostrando preocupação pelos resultados no desempenho. No plano federal, esperamos dez anos para a introdução de uma iniciativa como o IDEB, desde a divulgação dos resultados do SAEB em 1995. Nesse período, a qualidade da educação só fez cair. Na direção das secretarias, encontram-se facilmente apaniguados políticos que não dispõem de preparo mínimo, nem mesmo de gestão, para pensar em políticas educacionais, projeto pedagógico, currículo etc. Por vezes, controlam apenas a frequência escolar e a oferta de aulas nos duzentos dias anuais. Não combatem, ou mesmo apadrinham, a progressão automática, a alfabetização que nunca termina, a reprovação, a evasão. Em grande medida, a escola torna-se facilmente um mundo do faz-de-conta. As escolas restringem-se a ser massa de manobra da gestão da prefeitura, e delas tenta-se extrair vantagens de toda ordem, como indicar diretores e funcionários, desviar verbas, mesmo que seja da merenda, apanhar alguma percentagem da construção e reforma de escolas, ou da compra de livros didáticos, e assim por diante (DEMO, 2008, p.23).

Este excerto, apesar de demasiadamente longo, mostra-se indispensável para a boa discussão deste trabalho. Ele nos mostra o absoluto descaso e ignorância das autoridades com a importância do setor educacional. Estamos em 2018, e se tomarmos como referência a data citada de 1995, são 23 (vinte e três) anos decorridos, o que em termos educacionais é absolutamente pouco e os percalços ainda persistem, talvez ainda mais agravados. É possível encontrar toda sorte de irregularidades e ainda mais toda sorte de “justificativa” para tentar convencer aos demais que não há irregularidades. Apresenta-se aqui uma importante questão retirada do livro “Escola e Democracia” de autoria do professor Dermeval Saviani onde ele nos traz a seguinte provocação: “É possível encarar a escola como uma realidade histórica, isto é, suscetível de ser transformada intencionalmente pela ação humana?” (SAVIANI, 2012, p. 30). Esta questão não será respondida, para deixar que cada um a analise cuidadosamente e responda como lhe convier melhor.

Ainda da mesma obra, trazemos mais um importante argumento que entende-se complementar ao anterior para aclarar ainda mais o entendimento, e desta forma restarem poucas dúvidas quanto ao assunto em debate. Eis o referido excerto:

Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar contra a marginalidade por meio da escola significa engajar-se no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes (SAVIANI, 2012, p. 31).

Este excerto nos mostra de forma clara, a diferença que existe entre o processo educativo que é ofertado aos cidadãos mais humildes e o processo educativo que é ofertado aos cidadãos das camadas mais elitizadas da sociedade. Infelizmente, a escola é sim um espaço excludente em nossa sociedade; desde seu surgimento até os dias atuais. Cabe a nós lutarmos com todas as nossas forças para que esta exclusão diminua cada vez mais até cessar. Ainda com relação ao exposto acima e complementando o raciocínio do professor Saviani, Sánchez Vázquez (1968, pp. 206-207) nos diz que:

A teoria em si […] não transforma o mundo. Pode contribuir para a sua transformação, mas para isso tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal transformação. Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais, efetivas. Nesse sentido, uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação (SAVIANI, 2012, p. 73).

Aqui fica mais do que evidente, a necessidade que há de mostrar para o educando que ele deve ser consciente de suas ações e o efeito que estas provocam no processo de seu aprendizado, teorias educacionais são todas complexas e belas, porém, não modificam o mundo; o que o modifica são as ações das pessoas, que são quem pensa e executa as teorias educacionais existentes. Recorremos novamente ao professor Saviani e seus ensinamentos, desta vez em outra obra de grande relevância intitulada “Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações”, em que o grande professor Dermeval Saviani nos aponta o seguinte:

A natureza não é dada ao homem mas é por ele produzida sobre a base da natureza biofísica. Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens (SAVIANI, 2013, p. 6).

Através deste excerto o fator biológico aparece em meio aos demais, também fica evidente o fator histórico e social envolvido no processo, seja de maneira direta ou indireta dentro do processo educativo formal da escola. Ainda da mesma obra bibliográfica já citada, podemos extrair mais um importantíssimo argumento para nos ajudar nos apontamentos teóricos pretendidos. Eis o excerto: “Dizer, pois, que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, uma exigência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de trabalho” (SAVIANI, 2013, p.11). Aqui já se pode notar a educação equiparada ideologicamente com o mundo do trabalho (mentalidade fabril), onde a organização dentro do ambiente escolar busca “domesticar” os educandos para estarem prontos e “formatados” para o trabalho; sendo exigido apenas que saibam executar a tarefa que lhes for ordenado.

A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica devem organizar-se a partir dessa questão. Se chamarmos de currículo, poderemos então afirmar que é a partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar. Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber seja aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso conhecer também a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Está aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia) (SAVIANI, 2013, p. 14).

Aqui aparecem-nos as várias disciplinas que compõe o currículo dentro do ambiente escolar. Porém, será que há igualdade nos conteúdos ministrados nas disciplinas para atender as diferentes camadas da nossa sociedade? Ou os conteúdos curriculares das disciplinas são elaborados de acordo com o público a ser atendido? Novamente não pretende-se dar respostas, porém, deixar que o leitor pense e tire suas próprias conclusões à respeito.

Ainda segundo Antonio Gramsci, importante intelectual italiano:

Deve-se distinguir entre escola criadora e escola ativa, mesmo na forma dada pelo método Dalton. Toda escola unitária é escola ativa, se bem que seja necessário limitar as ideologias libertárias neste campo […]. Ainda se está na fase romântica da escola ativa, na qual os elementos da luta contra a escola mecânica e jesuítica se dilataram morbidamente por causa do contraste e da polêmica: é necessário entrar na fase “clássica”, racional, encontrando nos fins a atingir a fonte natural para elaborar os métodos e as formas [GRAMSCI, 1968, p. 124].

Gramsci nos alerta e nos convida a avançarmos um pouco mais no tempo, para que estejamos acompanhando o “fio da História”. Sem isso, não há como pensarmos e problematizarmos uma escola dos tempos atuais.

Para encaminharmos este texto para o seu final, voltamos a utilizar a obra “Escola e democracia” onde o autor nos deixa muito claro seu posicionamento sobre o Aparelho Ideológico de Estado (AIE). O qual se mostra de grande importância para a compreensão do texto em sua totalidade. Eis o referido excerto: Ao analisar a reprodução das condições de produção que implica a reprodução das forças produtivas e das relações de produção existentes, Althusser é levado a distinguir no Estado os Aparelhos Repressivos de Estado (o governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões etc.) (SAVIANI, 2012, p.21). Em complementação ao argumento anterior e reforçando ainda mais todo o embasamento teórico que vem sendo exposto neste artigo, utilizamos mais um importante intelectual que vem de encontro com os argumentos apresentados por Saviani.

Ainda nos referenciando em Althusser, este nos coloca que: “O conceito “Aparelho Ideológico de Estado” deriva da tese segundo a qual “a ideologia tem uma existência material”. Isso significa dizer que a ideologia existe sempre radicada em práticas materiais reguladas por rituais materiais definidos por instituições materiais” (Althusser, pp.88-89).

Althusser aqui nos traz um panorama importante e simples de ser entendido sobre o denominado Aparelho ideológico de Estado e suas muitas vertentes, entre as quais, a vertente do Aparelho Ideológico de Estado Escolar.

Para consolidar a afirmação que vem sendo exposta aqui, de que a escola é um aparelho ideológico que apesar de dizer-se combativo quanto à exclusão dos menos favorecidos socialmente. Ainda utilizando a celebre obra Escola e democracia, apresenta-se mais um importante excerto:

O AIE escolar, em lugar de instrumento de equalização social, constitui um mecanismo construído pela burguesia para garantir e perpetuar seus interesses. Se as teorias do primeiro grupo (por isso elas bem merecem ser chamadas de não críticas) desconhecem essas determinações objetivas e imaginam que a escola possa cumprir o papel de correção da marginalidade, isso se deve simplesmente ao fato de que aquelas teorias são ideológicas, isto é, dissimulam, para reproduzi-las, as condições de marginalidade em que vivem as camadas trabalhadoras. (SAVIANI, 2012, 23).

Aqui fica confirmado o exposto anteriormente neste artigo; a escola é um instrumento que serve diretamente aos interesses políticos e sociais da classe dominante da sociedade. Como é de se esperar, tal atitude é negada por aqueles que detém o poder político e econômico em suas mãos.

Ainda apresenta-se mais um argumento para não restar qualquer sombra de dúvida do que vem sendo exposto neste texto.

Como AIE dominante, vale dizer que a escola constitui o instrumento mais acabado de reprodução das relações de produção de tipo capitalista. Para isso, ela toma a si todas as crianças de todas as classes sociais e inculca-lhes durante anos a fio de audiência obrigatória “saberes práticos” envolvidos na ideologia dominante (Althusser, p.64).

Aqui neste excerto acima exposto, o autor demonstra definitivamente e de forma categórica a relação existente intrinsecamente entre a escola, enquanto uma organização social presente em nosso meio, e o modelo de sociedade capitalista. Dizer, ou querer dizer que um não tem relação com o outro é querer negar o inegável. O próprio Althusser diz que a escola é “o instrumento mais acabado de reprodução das relações de produção de tipo capitalista” Althusser. Ainda caberia aqui apresentar outro importante argumento que mostra a luta de classes existente no seio da escola, o que por si só, configura a existência do Aparelho Ideológico do Estado. “Althusser (Althusser, p. 49) não nega a luta de classes. Ao contrário, chega mesmo a afirmar que “os AIE podem ser não só alvo mas também o local da luta de classes e por vezes de formas renhidas de luta de classes””. Enfim, aqui fica claro que as classes sociais lutam por seu espaço inclusive utilizando-se dos AIE. Esta luta será incansável e “eterna” em toda a existência da sociedade. É uma luta de “Davi contra Golias”, onde “Davi” é toda a sociedade das camadas inferiores que com a pouca força que tem, busca enfrentar “Golias” que representa toda a minoritária classe dominante com seu poder político e econômico esmagador.

Como aparelho ideológico, a escola cumpre duas funções básicas: contribui para a formação da força de trabalho e para a inculcação da ideologia burguesa. Cumpre assinalar, porém, que não se trata de duas funções separadas. Pelo mecanismo de práticas escolares, a formação da força de trabalho dá-se no próprio processo de inculcação ideológica. Mais do que isso: todas as práticas escolares, ainda que contenham elementos que implicam um saber objetivo (e não poderiam deixar de conter, já que sem isso a escola não contribuiria para a reprodução das relações de produção), são práticas de inculcação ideológica. A escola é, pois, um aparelho ideológico, isto é, o aspecto ideológico dominante e comanda o funcionamento do aparelho escolar em seu conjunto. Consequentemente, a função precípua da escola é a inculcação da ideologia burguesa. Isto é feito de duas formas concomitantes: em primeiro lugar, a inculcação explícita da ideologia burguesa; em segundo lugar, o recalcamento, a sujeição e o disfarce da ideologia proletária (SAVIANI, 2012, p.26).

Aqui neste longo, porém, importante excerto, fica definitivamente apresentado sem meias palavras, a função ideológica da escola e sua dupla função básica; a de ensinar os conteúdos científicos de acordo com a visão ideológica daqueles que detém o poder político e financeiro em suas mãos, e de outro a função de preparação/adestramento do educando para o seu ingresso no mercado de trabalho afim de servir como mão de obra para o aumento do lucro e do patrimônio daqueles que detém os bens de produção e de capital em troca de salário. A formatação da escola reflete nitidamente este pensamento; a existência de uniforme, o horário de entrada na escola, a realização das atividades durante as aulas, a organização da escola (secretaria, sala de professores, sala da orientação, sala da supervisão, sala da direção, cozinha, refeitório, etc.), o momento do intervalo (recreio) para o lanche e para o ócio, o horário de saída da escola.

Apenas uma mudança realmente comprometida com a quebra dos paradigmas já tão estabelecidos socialmente será capaz de começar uma mudança de forte cunho social no seio escolar. Não é um trabalho fácil e nem rápido de ser realizado, demanda tempo e muita mobilização contínua dos atores envolvidos.

Pensar a escola deve ser uma atividade de todos os envolvidos com a mesma; pais, educandos, educadores, gestores, autoridades das diferentes esferas de governo, entre outros.

Conclusão

Conclui-se este trabalho e de todo o referencial teórico utilizado, demonstrando que a escola enquanto um instrumento social, não é nem um pouco imparcial no que diz respeito à luta de classes. Ocorre que talvez não seja percebida ou se queira perceber que a luta ocorre também no seio do ambiente escolar. Esta luta envolve todos os seus atores: educadores, educandos, pais, gestores, autoridades políticas, donos dos meios de produção, etc.

Sempre esta luta existirá, em maior ou em menor medida. Cabe às camadas menos favorecidas da sociedade mobilizarem-se conjuntamente e articularem-se a fim de unirem suas forças para tentarem equalizar com seus algozes e combate-los. É algo extremamente difícil, porém, necessário de ser realizado.

O modelo de gestão utilizado no ambiente escolar também peça extremamente importante utilizado nesta disputa social incessável que ocorre diariamente em nossa sociedade. Uma escola que repense seu modelo de gestão a fim de não ficar “refém” das ideologias que são impostas, é o que deve ser buscado.

Um modelo educacional que busque fazer de forma constante, e ativa com que o educando e todos os envolvidos no processo educacional percebam a totalidade e complexidade do contextos que os cerca é o que deve ser buscado incansavelmente. Tornar o educando alguém com criticidade, e sujeito de sua própria vida é algo que deve ser a busca constante de seu educador e isso deve ocorrer em todo e qualquer nível educacional.

Não aceitar que a escola enquanto local de aprendizado e disseminação dos conhecimentos científicos da humanidade seja utilizada para fins de exploração e subjugação dos mais humildes é essencial nesta descomunal luta de classes que está posta há séculos em nossa história. É um trabalho árduo e que jamais deve parar.

Espera-se com este texto ter contribuído para as discussões sobre o assunto, que é de suma relevância nos tempos atuais e que outros estudos sejam realizados a partir dos pontos que por ventura não foram apresentados aqui.

Pensar e repensar a gestão escolar deve ser uma atividade constante, buscando a atualização dos profissionais envolvidos e a melhoria do gerenciamento da instituição escolar. Isso terá reflexos certos e significativos no processo educacional em sala de aula.

Referências Bibliográficas

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Althusser, L. (s.d.). Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa, Editorial Presença. p.88-89

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* Licenciado em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bacharelando em Letras/LIBRAS pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Cursando pós-graduação Lato Sensu (Especialização) em Educação Pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).

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