Matheus Lira Bento*
RESUMO: O presente trabalho objetiva apresentar breves notas sobre a obra Direitos humanos, democracia e desenvolvimento, de Boaventura de Sousa Santos.
PALAVRAS-CHAVE: direitos humanos; democracia; hegemonia; fascismo social.
ABSTRACT: This article aims to present brief notes on the work of Boaventura de Sousa Santos, called Human rights, democracy and development.
KEY WORDS: human rights; democracy; hegemony; social fascism.
A obra de Boaventura de Sousa Santos, intitulada Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento nos apresenta a ideia da hegemonia dos Direitos Humanos.
Boaventura de Sousa Santos é Sociólogo, Jurista e Filósofo português. Atualmente, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É igualmente Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça.
Além disso, dirige o projeto de investigação ALICE – Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências o mundo, um projeto financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC), um dos mais prestigiados e competitivos financiamentos internacionais para a investigação científica de excelência em espaço europeu.
Tem trabalhos publicados sobre globalização, sociologia do direito, epistemologia, democracia e direitos humanos. Os seus trabalhos encontram-se traduzidos em espanhol, inglês, italiano, francês, alemão, chinês e romeno.
De acordo com o Autor, atualmente vivenciamos um período da sociedade em que a dignidade humana somente é plenamente atingida através da concretização dos Direitos Humanos tais quais estabelecidos por Tratados e Acordos Internacionais.
Sendo assim, encontra-se a hegemonia dos Direitos Humanos como gramática universal e única para o exercício da dignidade do ser humano. Contudo, tal hegemonia apresenta falhas e acarreta em sérios problemas para a concretização da vida em sociedade em termos de Justiça Social.
A concepção vigente de Direitos Humanos parte do ponto de vista de natureza humana como sendo individual autossustentada e qualitativamente diferente e superior da não humana.
Além disso, é universalmente válida, independente do contexto social, político e cultural, bem como do regime de Direitos Humanos existente em cada região.
Não sendo suficiente, nos deparamos com uma visão amplamente eurocêntrica e ocidental de Direitos Humanos, os quais são importados para quaisquer áreas do globo, sem respeito aos costumes locais e diferentes visões de mundo.
Ainda, o que conta como violação dos Direitos Humanos é apenas o que consta em textos oficiais, como em declarações, tratados, convenções e julgamentos de tribunais.
Neste sentido, sua obra, aqui em comento, tece argumentos para um pensar contra hegemônico dos Direitos Humanos, a partir de três perguntas base: Porque tanto sofrimento não é violação de Direitos Humanos?; Quais outras linguagens de dignidade humana existem?; Existindo, são compatíveis com a vigente linguagem de Direitos Humanos?
Na busca pela resposta das perguntas apresentadas e com o intento de desnudar as problemáticas da hegemonia dos Direitos Humanos, o Autor para a análise do que decide chamar de Ilusões.
A primeira ilusão analisada trata-se da vertente Teleológica, onde o autor determina como errônea a iniciativa de ler-se a história de frente para trás. Neste sentido, analisar o que significam os Direitos Humanos hoje e projetar sua explicação para o passado como algo linear é um equívoco, uma vez impedir de enxergar que tanto o passado como o presente são contingentes.
Isto é, em cada momento histórico diferentes ideias estiveram em competição e a vitória de uma delas, no caso em comento, dos Direitos Humanos, é um resultado contingente, não passível de previsão.
O que ocorre é uma justificativa posterior do resultado. Com isso, muitas vezes ações de opressão e dominação são reconfiguradas como emancipatórias e libertadoras.
A segunda ilusão, denominada de Triunfalismo, é sustentada pela anterior, trazendo a noção de que a vitória da concepção dos Direitos Humanos seja um bem humano incondicional.
Sendo assim, todas as outras gramáticas de dignidade humana são inferiores aos Direitos Humanos. Trata-se de novo equívoco, pois o fato isolado da teoria dos Direitos Humanos ter sido vencedora não basta para que seja considerada um avanço positivo. Há a necessidade de comprovação da existência de mérito, enquanto linguagem emancipatória.
Por sua vez, a terceira ilusão, denominada de Descontextualização, aborda a necessidade de contextualização dos Direitos Humanos ao período histórico inseridos, evitando as diversas deslegitimizações ocorridas no passado para práticas tanto revolucionárias, como contrarrevolucionárias.
A quarta ilusão diz respeito ao Monolitismo, o qual, segundo o Sociólogo, trata-se de negar ou minimizar as tensões – por vezes contradições – internas da teorias dominante dos Direitos Humanos, tomando como exemplo a necessidade de reconhecimento do homem como cidadão para que conte com proteção, não bastando a sua condição como humano apenas.
Por fim, a última ilusão é chamada de Antiestatismo. De acordo com a visão de Boaventura, até o momento o Estado esteve no centro das discussões de Direitos Humanos, seja através de atividades de negação ou de afirmação para atingir a concretude de tais direitos.
No entanto, com o advento do neoliberalismo, há que se trazer a discussão a influência de grupos minoritários e economicamente e politicamente dotados de grande poder, os quais influenciam o Estado e interferem na garantia dos Direitos Humanos.
As referidas ilusões, somadas ao que o Autor determinar chamar de tensões, constroem o pensamento e a prática contra hegemônica dos Direitos Humanos, fundamentais para cessarem as injustiças presentes na atual gramática de dignidade humana.
Ainda, nomea dois pilares inerentes no combate das ilusões, o trabalho político dos movimentos e organizações sociais que lutam por uma sociedade mais justa e digna, pois somente através desses trabalhos é possível entender o quanto a gramática dos Direitos Humanos limita ou atinge a dignidade humana. Bem como o trabalho teórico de construção alternativa dos Direitos Humanos, pois os questionam e a todos que recorrem a eles para interpretar e transformar o mundo, demonstrando se lutam em nome da opressão ou da emancipação.
Em relação às tensões, Boaventura defende uma reconstrução teórica e políticas dos Direitos Humanos justamente á luz destes conflitos. Vejamos:
A primeira tensão abordado pelo Autor diz respeito ao Universal e ao Fundacional, sendo o primeiro a verdade independente de contexto e o segundo a verdade única de cada cultura, sendo muito forte e com base na história local. No mundo atual, segundo o autor, presenciamos “O universal de hoje é o fundacional do ocidente”.
Como uma segunda tensão, há a abordagem do Direitos Individuais e dos Coletivos, para o qual apenas são concedidos direitos aos que pertencem ou são vinculados á tutela estatal. Fica o questionamento sobre os direitos dos grupos minoritários e ainda não dotados de emancipação política e social.
Na tensão entre o Estado e o Anti-Estado, somos apresentados à crítica às gerações de Direitos Humanos criada por Marshall, uma vez que, segundo o Autor, apenas existiram tais gerações no contexto histórico-sócio-político da Inglaterra, já que na maioria dos países a história é contingente, acidentada e cheia de descontinuidades e recuos em relação aos Direitos Humanos, tendo como exemplo nítido as ditaduras militares ocorridas na América Latina no século XX.
Por outro lado, a tensão entre o Secularismo e o Pós-Secularismo traz a noção da falácia do poder do Estado em retirar a religião do âmbito público e passa-lo ao privado, que é a definição resumida do Secularismo. De acordo com o Pós-Secularismo, há o reconhecimento do fracasso de tal teoria, uma vez a religião jamais ter saído de fato da vida pública, exercendo influência direta ou indiretamente.
Na tensão entre Razão de Estado e Razão de Direito, o Autor chama atenção para debate deveras atual, questionando o papel da manutenção do Estado a qualquer custo, inclusive a custo dos Direitos Humanos, como presencia-se na Guerra Civil instalada na Ucrânia e na Venezuela, ou como há pouco foi assistido na dissolução da Iugoslávia.
Ainda, é abordada a tensão entre o Reconhecimento da igualdade e do Reconhecimento da diferença, onde o Autor demonstra que a Igualdade que fundamentou os Direitos Humanos em períodos de Revoluções como a Francesa, era apenas política e não socioeconômica e cultural.
Para atingir o segundo patamar é necessária a luta pelo reconhecimento da diferença dos povos minoritários, com a decorrência de sua proteção. Como ocorre na luta feminista, do movimento negro e LGBT.
Por fim, ainda é apresentada a tensão entre o Direito ao Desenvolvimento e os demais Direitos Individuais e Coletivos, uma vez que mais do que em qualquer momento histórico, percebe-se a Descontextualização dos Direitos Humanos em defesa do Direito ao Desenvolvimento, em detrimento de direitos à audeterminação, ao meio ambiente, à terra, à saúde, dentre outros.
Enfrentamos, portanto, o discurso manipulado do desenvolvimento e totalmente vinculado ao capitalismo selvagem e ao poder econômico. Tal momento o autor, sabiamente, decide definir como Fascismo Social.
A luta dos Direitos Humanos enfrenta agora novas formas de autoritarismo, que convivem de forma pacífica com a democracia, é a era chamada de Fascismo Desenvolvimentista.
De acordo com os pensamentos do autor a luta pela prática e pensar contra hegemônica dos Direitos Humanos é o caminho correto a ser percorrido para lidarmos com tal luta. Restando a seguinte pergunta: A quais custas sociais vem o desenvolvimento desenfreado?
Referências
DE SOUSA SANTOS, Boaventura; CHAUI, Marilena. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. Cortez Editora, 2016.
* Advogado pós-graduado em Direito Internacional pela Universidade Estácio de Sá.