Matheus Lira Bento*
RESUMO: O presente trabalho objetiva compreender, através de uma análise crítica, os direitos garantidos os povos indígenas Sami, residentes da região polar, no extremo norte europeu. Nesse contexto, foi estudado o papel dos países da Norurega, Suécia e Finlândia enquanto garantidores de tais direitos, por meio da Nordisk Samekonvensjon e revisão bibliográfica de produção de artigos científicos.
PALAVRAS-CHAVE: povos indígenas; sámi; autodeterminação; países nórdicos; Direito Internacional.
ABSTRACT: This article aims to understand, through a critical analysis, the rights guaranteed to the Sámi indigenous peoples, residentes of the polar region, in the north european extreme. In this context, the role of the countries of Norway, Sweden and Finland as guarantors of these rights was studied through Nordisk Samekonvensjon and a biblographical review of the production of scientific articles.
KEY WORDS: indigenous people; sámi; self-determination; nordic countries; international law.
O povo Sámi é a maior população indígena da Europa, vivendo de forma nômade na região polar da Lapônia, no extremo norte europeu, mais precisamente no centro e norte da Noruega, Suécia e Finlândia, e, ainda, na Península de Kola, na Federação Russa (RAVNA, 2013).
Até 2016, cerca de 90.000 (noventa mil) pessoas reconhecidas como Sámi viviam entre os países nórdicos. Tratando-se, portanto, de um número expressivo, principalmente tendo em vista o baixo número de habitantes de tais países. (CARSTENS, 2016).
De acordo com a NORDISK SAMEKONVENSJON (Convenção Nórdica Sámi) de 13 de janeiro de 2017, em seu artigo 4º, Sámi é todo aquele que reside na Noruega, Suécia ou Finlândia e assim se identifique. Porém, deve, ainda, preencher os dos seguintes requisitos: usar a língua Sámi de forma doméstica ou possuir um dos pais ou avós que assim a utilize; ter o direito de criação de renas Sámi; preencher os requisitos para votar nas eleições do parlamento Sámi; ou, por fim, ser filho de uma pessoa que se encaixe nos itens citados.
Cumpre ressaltar que o país da Noruega se encontra em papel de destaque na garantia dos direitos do povo indígena, uma vez ser signatário não somente da Convenção já citada, mas também da Convenção número 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais.
Neste sentido, reconhecendo que a Noruega foi fundada no território de dois povos, sendo, portanto, obrigada a assegurar a proteção da língua Sámi, sua cultura, modo de vida e principalmente o território, motivo que levou a adotar uma emenda constitucional no ano de 1988 (RAVNA, 2013).
Por outro lado, na Suécia e Finlândia, apenas em 2017, com a Nordisk Samekonvensjon, houve o reconhecimento de povo como indígena, sendo que antes a população era reconhecida como grupo de minoria étnica que ensejava proteção, atingindo, assim, a afirmação legal, em níveis variáveis, de sua língua, cultura e costumes, mas não contavam com o reconhecimento e as proteções inerentes ao caráter indígena. (RAVNA, 2013).
Proteção Jurídica dos Sámis
A partir de 2017, com o advento de tão primordial Convenção, os indígenas passaram a contar com significativos direitos, além das proteções que já gozavam anteriormente.
O Texto da Convenção inicia com afirmações acerca do tema a ser tratado, não hesitando em determinar a possibilidade dos povos em questão de transitar por entre os países signatários do tratado. Tal direito é novamente disposto no artigo 43 da Convenção, ao abordar a criação de renas sámi através das fronteiras dos três países.
De forma exemplar, ainda no capítulo de abertura do texto do tratado, ao abordar as afirmações que servem de guia ao restante da legislação, fica reconhecido o erro histórico protagonizado pelos países escandinavos para com o povo Sámi:
in determining the legal status of the Saami people, particular regard shall be paid to the fact that during the course of history the Saami have not been treated as a people of equal value, and have thus been subjected to injustice (NORDISK SAMEKONVENSJON, 2017).
A Nordisk Samekonvensjon é dividida em 4 capítulos, cada qual focado em uma classe de direito do povo Sámi, iniciando com o capítulo por direitos gerais, passando, após, pelos direitos à governabilidade, à língua e cultura, e, por fim, pelos direitos à terra e águas.
Direitos Gerais a população Sámi
Com o escopo de assegurar o desenvolvimento da língua, cultura, modo de vida e sociedade Sámi, o primeiro capítulo da Convenção possui 13 artigos. Garantindo o direito a autodeterminação como povo indígena, a não discriminação da etnia e até mesmo a cooperação entre os países e os Sámis no âmbito comercial e cultural.
Merecendo destaque, é neste capítulo que está prevista a garantia da adoção e pleno uso pelos Sámis de sua própria bandeira e demais símbolos nacionais. Ainda, contando com o esforço para a efetiva visibilidade de tais símbolos, através da cooperação entre os Estados e a população Sámi, de maneira que a representatividade demonstre a existência da etnia dentro dos três países, reconhecendo sua singularidade e importância.
Direito a Governabilidade
Não há dúvida de que um dos principais direitos garantidos aos Sámis seja o de auto governabilidade, conforme disposto no artigo 14 da Nordisk Samekonvensjon:
In each of the three countries there shall be a Saami parliament. The Saami parliament is the highest representative body of the Saami people in the country. The Saami parliament acts on behalf of the Saami people of the country concerned, and shall be elected through general elections among the Saami in the country (NORDISK SAMEKONVENSJON, 2017).
Por se tratar de auto governabilidade indígena, com a proteção e apoio do Estado dominante, não há questionamentos sobre a importância da previsão legal em comento. (BRODERSTAD, 2011).
Os Estados da Península Escandinava e a Finlândia não podem adotar ou permitir qualquer medida que prejudique as condições básicas de cultura do povo, bem como seu modo de vida ou sociedade, a menos que seja consentido pelo Parlamento Sámi, chamado de Sametinget, em sua língua original. (SANDBERG, 2008).
Direito a cultura e a língua
Por séculos, os indígenas árticos tem vivenciado uma história comum de colonização e assimilação, com apagamento de sua cultura e modo de vida. Contudo, desde a criação do parlamento Sámi e com o poder de se auto governar e integrar ao debate dos Estados dominantes suas pautas, há grande avanço no combate no reconhecimento de seus costumes e cultura. (BRODERSTAD, 2008).
Sendo assim, além do governo dos países da Noruega, Suécia e Finlândia preservarem o idioma, desenvolvê-lo e disseminá-lo, devem efetivamente garantir que o alfabeto seja usado, como quando preveem no tratado base a possibilidade de uso da língua Sámi nas cortes judiciais nos casos concernentes ao povo e na localidade das populações.
No mesmo sentido, há a previsão, no artigo 26 da Convenção, de fomento e dever nos Estados em criar condições para a transmissão de mídia independente Sámi, com a condição de a própria controlar o seu desenvolvimento e garantir aos indígenas uma multifacetada gama de notícias e informações de interesse geral.
Ainda há previsões no sentido de possibilitar boas condições para pesquisas do interesse e necessidade dos indígenas árticos, assim como promover o recrutamento de pesquisadores da etnia. Além de salvaguardar o direito à saúde, à educação e seus devidos acessos em plenitude.
Direito a demarcação de terras e águas
No tocante ao Direito a terras, a Nordisk Samekonvensjon determina, em seu artigo 34, que o uso tradicional de terras e águas deve ser preservado aos indígenas na mesma extensão de antes mesmo que o uso do território seja coletivo, seja para criação de renas, caça, pesca outra foram de atividade. Ainda, destaca que a atividade de criação de renas merece proteção especial, ao referenciar que “particular regard in this connection shall be paid to the interests of reindeer-herding Saami” (NORDISK SAMEKONVENSJON, 2017).
A Convenção igualmente garante especial proteção aos recursos naturais de tais áreas, considerando-os fundamentais para a expressão da cultura da comunidade. No entanto, quando do conflito de interesse de exploração de minerais por parte das autoridades públicas com base na legislação nacional, ou qualquer concernente a utilização de qualquer recurso natural, é necessária deliberação com os Sámis que serão afetados, bem como com o parlamento. Vejamos:
Before public authorities, based on law, grant a permit for prospecting or extraction of minerals or other sub-surface resources, or make decisions concerning utilization of other natural resources within such land or water areas that are owned or used by the Saami, negotiations shall be held with the affected Saami, as well as with the Saami parliament. (NORDISK SAMEKONVENSJON, 2017).
Contudo, mesmo diante de previsão legal em tratado internacional, há evidências que apontam para uma constante perda de território, principalmente no tocante à criação de renas, anteriormente exploradas em larga escala de terras. Na Finlândia, não é somente o povo Sámi que possui o direito em desenvolver a criação de renas, por exemplo. O que evidentemente acaba por cercear o pleno exercício do direito sobre suas terras e afeta, até mesmo, o direito ao desenvolvimento econômico do povo ártico. (CARSTENS, 2016)
Conclui-se, portanto, com base na análise dos documentos legais e referências bibliográficas, consideráveis garantias de direitos humanos à população indígena Sámi. De acordo com os apontamentos dos autores, ainda há caminhos à serem percorridos a fim de atingir os direitos positivados de forma efetiva.
Referências
NORDISK SAMEKONVENSJON. 13 de janeiro de 2017. Disponível em: <https://www.regjeringen.no/globalassets/upload/aid/temadokumenter/sami/sami_samekonv_engelsk.pdf> Acesso em: 22 de dezembro de 2018.
CARSTENS, Margret. Sami land rights: the Anaya Report and the Nordic Sami Convention. JEMIE, v. 15, p. 75, 2016.
RAVNA, Øyvind. The legal Protection of the Rights and Culture of Indigenous Sámi People in Norway. 2013.
SANDBERG, Audun. Collective rights in a modernizing North-on institutionalizing Sámi and local rights to land and water in northern Norway. International Journal of the Commons, v. 2, n. 2, p. 269-287, 2008.
BRODERSTAD, Else Grete. The promises and challenges of Indigenous self-determination: The Sami case. International Journal, v. 66, n. 4, p. 893-907, 2011.
* Advogado pós-graduado em Direito Internacional pela Universidade Estácio de Sá.