Malu Ribeiro Duarte*
Resumo: Relacionamentos homossexuais também pode vir a existir a presença de violência, o que leva a necessidade de avaliar quais motivos desencadeiam a violência e a dinâmica de casais que sofrem com tal situação. O objetivo deste estudo de analise narrativa, é compreender a dinâmica de casais homoafetivos que vivenciam a violência conjugal no relacionamento.
Palavras-chave: Violência conjugal, homoafetivo, relacionamento abusivo, relacionamento.
Abstract: Homosexual relationships may also exist in the presence of violence, which leads to the need to assess which motives trigger violence and the dynamics of couples suffering from such a situation. The purpose of this study of narrative analysis is to understand the dynamics of homoaffective couples who experience marital violence in the relationship.
KEYWORDS: Marital violence, homoaffective, abusive relationship, relationship.
O fenômeno da violência entre casais homossexuais parece ter as mesmas características aos casais heterossexuais que sofrem com a violência conjugal (CURRAN & RENZETTI, 1992). Segundo Gelles (1997) as relações maltratantes entre parceiros do mesmo sexo assumem a mesma forma, padrão, severidade e motivação que a violência entre heterossexuais, envolvendo maus tratos físicos, isolamento social, violência sexual e abuso emocional. Outros autores observaram que assim como nas relações heterossexuais, existem desequilíbrios de poder e lutas pelo controle no relacionamento fortemente associadas a razão da violência doméstica entre casais homossexuais (LOCKHART, WHITE, CAUSBY, & ISAAC, 1994).
Conforme Walsh (1996) outra semelhança no relacionamento conjugal entre heterossexuais e homossexuais, no que se refere as respostas exibidas pelos membros do casal, é a vítima sentir-se isolada, vulnerável e presa a relação, banalizando as situações de violência. Nunan (2004, p.5) em sua pesquisa realizada no Rio de Janeiro, observou uma importante diferença entre a violência doméstica vivenciada entre casais homossexuais e heterossexuais que se refere ao preconceito vivenciado por LGBTQ. Atitudes negativas direcionadas a um determinado individuo por causa da sua orientação sexual podendo ser internalizado (surge quando o próprio rejeita a sua homossexualidade).
Este preconceito internalizado pode vir a afetar negativamente tanto o agressor como a vítima, para o agressor referente a sua origem, baixa autoestima ou sentimento de inadequação sexual, o que procura compensa através da dominação do parceiro (BYRNE, 1996, cit. NUNAN 2004). Quanto a vítima, o preconceito sexual atua como legitimador da violência sofrida, muitas vezes fazendo-o acreditar que é merecedor ou culpado da violência que está vivendo, como castigo referente a sua orientação sexual (NUNAN, 2004).
Nos relacionamentos homossexuais existe uma forma especifica de abuso emocional, o outing, conhecida como tática de controle e intimidação referida como a revelação indesejada da orientação sexual (GELLES, 1997; WEST, 1998). Além da homofobia social que gays e lésbicas enfrentam, o outing pode vir a resultar na perda do emprego, abandono de familiares e amigos (CURRAN & RENZETTI, 1992). Desta forma, os agressores usam deste preconceito como uma forma eficaz de domínio do parceiro, a ameaça de outing é muito comum entre casais homossexuais (WEST, 1998).
Segundo Renzetti (1992), 21% das mulheres agredidas fisicamente declararam que as suas companheiras já as tinham ameaçado de revelar a sua orientação sexual.
Outro fator particular da violência conjugal entre casais homossexuais prende-se a questão do vírus HIV, este possui grande poder, tendo em vista o impedimento do abandono do parceiro agressor por parte da vítima, quando infectada (LETELLIER, 1994). De acordo com Nunan (2004), vítimas de HIV positivo podem manter-se na relação por medo de morrer sozinha. Quando se trata de o agressor ser HIV positivo, o parceiro pode sentir-se culpado por abandonar ou interpretar a violência como consequência da doença, ou efeito dos medicamentos (CURTIS, 2002, cit. NUNAN, 2004). Segundo Letellier (1994) em casos mais severos, é possível que o agressor contamine propositalmente o parceiro para que este evite terminar o relacionamento ou o abandone.
Homossexuais maltratados apontam como motivo de não abandonar o relacionamento abusivo pelo fato de amarem os parceiros e acreditarem na sua mudança de comportamento (CURRAN & RENZETTI, 1992, p.245). Como mencionado, comportamentos preconceituosos e estigmas associados a homossexualidade também são fatores que constrangem as vítimas de denunciar publicamente que estão sofrendo (GELLES, 1997). Mulheres violentadas em relacionamentos sexuais tipicamente não se sentem acolhidas nas instituições de apoio a mulheres vítimas da violência, contudo no caso de homens gays não existe centros de acolhimento para estes (CURRAN & RENZETTI, 1992).
Sendo assim, num estudo realizado por Lie e Gentlewarrier (1991), aproximadamente dois terços do homens gays e mulheres lésbicas que faziam parte da amostra relataram não procurar nenhuma rede de apoio, e/ou abrigo para mulheres. Outro fator importante é a problemática que muitos homens e mulheres homossexuais enfrentam, o fato de evitar contar aos familiares o abuso, uma vez que estes desconhecem sobre sua orientação sexual ou desaprovam. Desta forma, ao revelarem o que passam, gays e lésbicas poderiam estar reforçando as visões negativas que os familiares possuem dos relacionamentos homossexuais (RENZETTI, 1992).
Nunan (2004) descreve um mito decorrente: a questão de se acreditar que o agressor sempre é maior, forte e mais ‘’masculino’’. Mito este que considera apenas aspectos físicos. Quanto à segurança das vítimas, cabe ressaltar a revisão do Código Penal de Portugal, no ano de 2007 onde permitiu que os homossexuais, vítimas de violência conjugal também fossem abrangidos pela lei. O atual artigo 152º do Código Penal prevê a aplicação de pena a quem infligir mais tratos físicos ou psíquicos, incluindo privações de liberdade e ofensas sexuais a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem mantenha ou tenha mantido um relacionamento conjugal, esta alteração da lei constituiu um marco muito importante para maior visibilidade do fenômeno e tratamento das vítimas (COSTA, MACHADO, & ANTUNES, 2006, p. 11). No Brasil, a Lei 11.340/06, chamada Lei Maria da Penha, que coíbe a violência doméstica contra mulher, enlaça as relações homoafetivas também, a eficácia da nova lei é imediata, passando os relacionamentos homoafetivos a merecer proteção especial do Estado (CF, art. 226).
A partir da revisão de literatura narrativa realizada neste trabalho, é possível perceber que infelizmente ainda falta visibilidade quanto a violência conjugal em relacionamentos homossexuais. As mulheres violentadas na relação homossexual não se sentem acolhidas nos abrigos para mulheres agredidas, mesmo que uma mulher lésbica recorra a algum abrigo, não possuem garantia de que intervenientes serão os corretos para suas necessidades. No caso dos homens gays, estes nem sequer possuem esta rede de apoio.
Contudo, corre o risco de encontrar profissionais despreparados para lidar com a situação, também homofóbicos, podendo ser revitimizadas. Gays e lésbicas necessitam de um espaço com serviços de apoio que reconheçam e saibam lidar com a violência entre casais do mesmo sexo.
Referências bibliográficas:
BYRNE, Christina A.; RIGGS, David S. The cycle of trauma: Relationship aggression in male Vietnam veterans with symptoms of posttraumatic stress disorder. Violence and victims, v. 11, n. 3, p. 213, 1996.
COSTA, Laura Gil; MACHADO, Carla; ANTUNES, Rute. Violência nas relações homossexuais: A face oculta da agressão na intimidade. 2006.
GELLES, Richard J. Intimate violence in families. Sage, 1997
LIE, Gwat-Yong; GENTLEWARRIER, Sabrina. Intimate violence in lesbian relationships: Discussion of survey findings and practice implications. Journal of Social Service Research, v. 15, n. 1-2, p. 41-59, 1991.
LOCKHART, Lettie L. et al. Letting out the secret: Violence in lesbian relationships. Journal of Interpersonal Violence, v. 9, n. 4, p. 469-492, 1994.
NUNAN, Adriana. Violência doméstica entre casais homossexuais: o segundo armário?. Psico (Porto Alegre), v. 35, n. 1, p. 69-78, 2004
RENZETTI, Claire M. Violent betrayal: Partner abuse in lesbian relationships. Sage Publications, 1992.
WALSH, Froma. The concept of family resilience: Crisis and challenge. Family process, v. 35, n. 3, p. 261-281, 1996
WEST, Carolyn M. Lifting the” political gag order”: Breaking the silence around partner violence in ethnic minority families. Na, 1998.