Claúdia Maria Soares Rossi *
Resumo
O texto traz algumas considerações sobre a educação nas modalidades Indígena e Quilombola. Trata de propor uma educação voltada para o respeito às diversidades e peculiaridades desses grupos, tendo como referência legal a Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional e Diretrizes Curriculares específicas para cada uma das modalidades. Traz a reflexão sobre a necessidade da consciência sobre as especificidades desses grupos sociais que sofreram processos de exclusão durante toda a história brasileira e que conta com a educação para a promoção da emancipação dos mesmos.
Palavras-chave: Educação Indígena, Educação Quilombola, Inclusão
Abstract
The text brings some considerations about education in the Indigenous and Quilombola modalities. It tries to propose an education aimed at respecting the diversities and peculiarities of these groups, having as legal reference the Law of Basic Guidelines of National Education and Curricular Guidelines specific to each of the modalities. It reflects on the need for awareness about the specificities of these social groups that have suffered exclusion processes throughout Brazilian history and which count on education to promote their emancipation.
Keywords: Indigenous Education. Education Quilombola. Inclusão
Introdução
Muitas vezes a exclusão social tem origem na falta do olhar sobre as realidades dos alunos de forma a atender suas necessidades, sejam elas causadas pelas deficiências físicas, mentais ou pelo simples pertencimento a uma classe, raça, etnia, gênero etc. A questão é que a falta da visão sobre como se faz constrói uma educação significativa para os educandos, causa problemas em todos os níveis e modalidades de ensino, comprometendo a construção de uma educação mais eficaz e de fato para todos.
Qualquer modelo de educação que não seja a regular tem sido tratado de forma polêmica e controvertida, com descontinuidades que dificultam a constituição
* Pedagoga. Mestra em Educação. Email: claudiamariasoares@hotmail.com
de identidades, reconhecimento das especificidades de diferentes grupos e a construção de estatutos próprios, que subsidiem a formulação de propostas teórico-metodológicas compatíveis com as vivências e os saberes daqueles aos quais se destina.
Para a promoção de uma educação que atenda públicos especiais, vítimas de processos de exclusão durante sua trajetória de escola e de vida, é importante a tomada de novos posicionamentos. É preciso remover barreiras atitudinais tendo consciência de que não é o aluno que deve se adaptar à escola, mas é a escola consciente de seu papel que deverá colocar-se à disposição do aluno. (RIBEIRO, 1999)
Freire afirma que os docentes devem ter em mente que nenhuma prática educativa se dá no ar, mas num contexto concreto, histórico, social, cultural, econômico, político, não necessariamente idêntico a outro contexto. O pensador ressalta que a educação, qualquer que seja o nível em que se dê, se fará tão mais verdadeira quanto mais estimule o desenvolvimento da expressividade como necessidade radical dos seres humanos. (FREIRE, 1989)
Para o entendimento da educação escolar, em suas diferentes modalidades, mas que tem como meta o respeito às diferenças e que mobiliza ações para o reconhecimento dos direitos subjetivos dos seus alunos, são necessárias ações de políticas afirmativas que favoreçam a construção de contextos sociais mais inclusivos.
Dentre as modalidades de ensino que necessitam de um olhar especial na promoção da inclusão estão a Educação Indígena e a Quilombola.
Desenvolvimento
As lutas travadas pelos movimentos sociais, durante as últimas décadas, exigem reparações e o reconhecimento social e jurídico de garantia à inserção social dos grupos e indivíduos privados de direitos. Dentre esses grupos estão os indígenas e os quilombolas.
A proposta do MEC, de acordo com as diretrizes para a promoção de uma educação que atenda a esses grupos, é de que a escola possa atender a esses cidadãos respeitando uma série de princípios, entre os quais se destaca o respeito à diversidade, nos aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero, raça e etnia.
Para a efetivação das políticas públicas que promovam uma Educação indígena e Quilombola de qualidade, faz-se necessário pensar o território brasileiro com suas diversidades, retomar historicamente os fatos para compreender como ao longo dos anos a relação com esses grupos foi se instituindo. Com isso é necessário perceber qual educação está sendo oferecida à esses grupos e qual a concepção de educação está presente nessa oferta.
Ressalta-se que é importante saber que a nação brasileira é formada por três grandes matrizes étnicas: a portuguesa, a africana e a tupi-guarani. Toda a diversidade do povo brasileiro é justificada por essas matrizes tão ecléticas e autênticas.
Nenhuma matriz é mais importante do que a outra, porém é a indígena que tem sofrido mais com a exclusão social e tem sido dizimada ao longo desses 500 anos. Cerca de 800 povos desapareceram, com eles desapareceram suas línguas, seus rituais, seus hábitos alimentares, sua cultura.
Esse processo histórico, marcado por explorações, derrotas, resistências e dizimações, levou à criação de leis, normas e regras jurídicas que visam orientar as relações entre os povos indígenas e as comunidades envolventes, incluindo o sistema educacional brasileiro.
A Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDBEN 9394, em seus artigos 78 e 79, reconhece e legitima que os povos indígenas devem ter assegurado pelos estados os seus direitos básicos de acesso à educação, com o respeito e o acolhimento de suas tradições, crenças e formas de viabilizar sua existência .
Art. 78 […] I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências;
II – garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.
Art. 79 – A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.
- 1º Os programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas.
- 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos:
I – fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada comunidade indígena;
II – manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;
III – desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;
IV – elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado. (BRASIL, 1996)
Além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Constituição de 1988, outros documentos nacionais e internacionais asseguram o direito a todos, independente de sua condição, de acesso à educação como um direito humano e social: a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais (Decreto nº 5.051/2004); a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU) ; a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas de 2007 ; o Decreto nº 6.861/2009, que dispõe sobre a Educação Escolar Indígena e define sua organização em territórios etno educacionais; as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos definidas no Parecer CNE/CP nº 8/2012 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica (Parecer CNE/CEB nº 13/2012 e Resolução CNE/CEB nº 5/2012).
Por sua característica sociocultural a Educação Escolar Indígena exige que sua proposta educativa seja conduzida com docentes e com gestores pertencentes às suas respectivas comunidades. Importante ressaltar que, de acordo com a Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena, os professores indígenas são importantes interlocutores nos processos de construção do diálogo intercultural, mediando e articulando os interesses de suas comunidades com os da sociedade em geral e com os de outros grupos particulares, promovendo a sistematização e organização de novos saberes e práticas.
Os quilombos surgiram no período colonial como símbolo de resistência à escravidão e discriminação. Durante muito tempo houve a crença de que os quilombos tinham acabado com a abolição da escravatura. Porém, nos anos 70 e 80, pesquisas universitárias pautadas na questão da etnicidade, discutiram identificações culturais de origens étnicas e raciais de comunidades negras e comunidades rurais que apresentavam a particularidade de serem negras e camponesas. As ciências sociais ajudaram na organização de significativos debates voltados ao respeito às minorias, o que promoveu a ampliação das garantias e direitos étnicos culturais.
Durante os trabalhos que chegariam à elaboração e aprovação da Constituição de 1988, as pesquisas acadêmicas, as ações e pressões dos movimentos sociais, pastorais da terra, movimentos negros e parlamentares foram essenciais para o reconhecimento jurídico das terras de quilombos. O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 estabeleceu o reconhecimento do domínio das terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades quilombolas.
A partir desse reconhecimento iniciaram-se discussões sobre quem seriam os representantes legítimos desses quilombos. Começaram a surgir diferentes representações de agrupamentos negros no campo, “remanescentes de quilombo”, “quilombolas”, “mocambeiros”, etc., vinculadas à memória, ao parentesco, ao lugar que construíram e outros. Então, por meio do Decreto n. 4.887, promulgado em 20 de novembro de 2003, a Fundação Cultural Palmares continuou a ter responsabilidade por certificar tais grupos. E ao INCRA delegou a responsabilidade por emitir relatórios e laudos periciais para identificação dos grupos, a fim de depositar a titulação. (BRASIL, 2003)
Praticamente todos os estados brasileiros têm terras de quilombos em seu território. De acordo com a Fundação Cultural Palmares, em 2017 o país contava com 2.471 certificados emitidos para 2.890 comunidades quilombolas. Apesar dessa soma, segundo o INCRA, em 2016 apenas 165 títulos foram emitidos em favor dessas comunidades, representando apenas 5,7 % das comunidades certificadas. (INCRA, 2018)
Todo esse moroso processo de reconhecimento e garantia de direitos, sendo ainda presente a luta por justiça, com certeza repercute na forma de pensar a educação nessas comunidades. Algumas medidas foram tomadas para a elaboração e orientação às políticas educacionais voltadas para o ensino de questões étnico-raciais, como por exemplo, a criação do Departamento de Educação para a Diversidade e Cidadania (DEDC) em 2004 e a aprovação da Resolução n. 8, de 20 de novembro de 2012, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica. (CARRIL, 2018)
Mas os desafios postos para a educação escolar destinada aos estudantes quilombolas são amplos e antagônicos, vão desde a definição da proposta político pedagógica, o uso de recursos didáticos apropriados e a formação docente, até a falta de estrutura física mínima adequada.
Considerações Finais
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Indígena e Quilombola trazem algumas referências que ajudam na formulação de propostas pedagógicas adequadas, mas certamente ainda faltam pesquisas que envolvam aqueles saberes comunitários e um intercâmbio de conhecimentos entre diversas áreas.
Essencial se faz o trabalho interdisciplinar entre sociologia, história, geografia, antropologia e outras ciências, na busca da construção de um currículo que seja pertinente às realidades indígenas e quilombolas, que tenha como base os contextos de uso do território, da etnicidade e da memória presentes nas narrativas dos sujeitos, no intuito de construir metodologias que proporcionem aprendizagens tendo como ponto de partida elementos referentes às realidades locais das comunidades.
Só a educação é capaz de romper com histórias longas de alienação e exclusão étnica e racial que originou a formação da sociedade brasileira. (CARRIL, 2018).
REFERENCIAS
ARAÚJO, Eloi Ferreira. Fundação Palmares: 24 anos de consolidação da cultura negra.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 9394. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso: 02 abril de 2018.
_______. Presidência da Republica. Decreto Nº 5.051, de 19 de Abril de 2004. Promulga a Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm. Acesso : 12 junho de 2018.
________. Presidência da República. Decreto nº 6.861, de 27 de maio de 2009. Dispõe sobre a Educação Escolar Indígena, define sua organização em territórios etnoeducacionais, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6861.htm. Acesso: 12 junho de 2018.
________. Ministério da Educação. Parecer 08/2012. Dispõe sobre Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos.. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=10389-pcp008-12-pdf&category_slug=marco-2012-pdf&Itemid=30192. Acesso: 12 junho de 2018.
________. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB 05/2012. Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=11074-rceb005-12-pdf&category_slug=junho-2012-pdf&Itemid=30192. Acesso: 15 junho de 2018.
________. Presidência da República. Decreto n. 4.887 de 20 de novembro de 2003. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm. Acesso: 15 junho de 2018.
CARRIL. Loudes de Fátima B. Os desafios da educação quilombola no Brasil: o território como contexto e texto. Revista Brasileira de Educação. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141324782017000200539&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso: 12 junho de 2018.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1981.
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RIBEIRO, Vera Masagão. A formação de educadores e a constituição da educação de jovens e adultos como campo pedagógico. Educação e Sociedade, n. 68, Cedes, Campinas, 1999.
UNESCO. Declaração Universal Dos Direitos Humanos. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf. Acesso: 20 maio de 2018.