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Eutanásia e Direito: uma necessidade de regulamentação jurídica em prol da pretensão do paciente

Eutanásia e Direito: uma necessidade de regulamentação jurídica em prol da pretensão do paciente

 

Marina Nogueira Madruga*

Marina Madruga é Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional e Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio

Resumo:

Este artigo apresenta o conceito de eutanásia e questiona a necessidade do ordenamento jurídico brasileiro regulamentar a questão. Para tanto busca-se novos olhares para a dignidade humana e valoração da autonomia de vontade do paciente.

Palavras-chave: Eutanásia. Direito. Regulamentação. Autonomia

Abstract:

This article presents the concept of euthanasia and questions the need of the Brazilian legal system to regulate the issue. In order to do so, it seeks new views on human dignity and on the patient’s autonomy of will.

Key words: Euthanasia. Right. Regulation. Autonomy

A vida é um bem jurídico tutelado pela Constituição da República Federativa do Brasil, e também, pelas leis penais, cíveis, direitos humanos, entre outras, com o intuito de proteger a existência dos seres humanos. A vida, tratada no presente estudo, é a da pessoa humana reconhecida como núcleo de todo o direito.

Sobre isso, a Juíza de Direito do Estado de Minas Gerais, Mônica Silveira Vieira, aduz

A proteção do ser humano é tarefa a ser realizada não apenas pelo Estado, mas também pela sociedade, em todas as esferas de atuação humana. Nesse sentido, constitui a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 verdadeiro marco protetivo, por ter elencado como fundamento da República, em seu primeiro artigo, a dignidade da pessoa humana, princípio que orienta e rege a atividade estatal, inclusive legislativo (…) (VIEIRA, 2012, p. 31)

Esta proteção do direito à vida, abrigada pelo mundo jurídico, se destaca pela lei maior, que, por meio de princípios basilares, garante efetividade e amparo à existência humana. Logo, passamos a conceituar a eutanásia e questionar a necessidade jurídica de regulamentação para contemplar a vontade do paciente.

  1. Etimologia e conceito

 

A expressão eutanásia possui um conceito “polissêmico”.

Pode ser traduzida como “boa morte”, “morte benéfica”, “morte suave”, “direito de matar”, com base em sua origem etimológica, deriva do grego eu (boa), thanatos (morte).

Atualmente, segundo o Padre Léo Pessini, Dr. em teologia moral, filósofo e especialista em Bioética, pela Universidade St. Luckes’s Medical Center nos Estados Unidos, devido aos preconceitos sociais a respeito do tema, a eutanásia carrega “um significado negativo de abreviar direta e intencionalmente a vida humana”.  (PESSINI, 2004, p. 285).

Nas palavras de Mônica Silveira Vieira entende-se eutanásia

Como conduta que, ativa ou passivamente, mas sempre de forma intencional, abrevia a vida de um paciente, com o objetivo de pôr fim ao seu sofrimento. Assim, mais completo e adequado ao sentido que ora se empresta ao termo é o conceito adotado por Hubert Lepargneur: a eutanásia é o emprego ou abstenção de procedimentos que permitem apressar ou provocar o óbito de um doente incurável, a fim de livrá-lo dos extremos sofrimentos que o assaltam ou em razão de outro motivo de ordem ética (VIEIRA, 2012, p. 102).

Assim, a eutanásia, em seu conceito geral, é vista como um ato que tem a finalidade de eliminar o sofrimento e a dor, a indignidade da doença incurável, do enfermo terminal. Pelo dicionário Aurélio, tal instituo é caracterizado como morte sem dor nem sofrimento a doentes incuráveis.

Neste sentido, a Declaração sobre Eutanásia, documento oriundo da Igreja Católica, descreve

Ultimamente, a palavra Eutanásia tem sido usada num sentido mais específico para significar “morte piedosa”, com o propósito de pôr fim ao sofrimento extremo, a bebés anormais, ao prolongamento, talvez por muitos anos, de uma vida miserável a doentes mentais ou a doentes incuráveis, que poderia impor um fardo demasiado pesado às suas famílias ou à sociedade. (…) Por eutanásia entende-se uma ação ou uma omissão que de si mesma ou por intenção cause a morte, a fim de que todo o sofrimento seja desta forma eliminado. Por conseguinte, as competências da eutanásia têm de ser encontradas na intenção da vontade e nos métodos usados. (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, 1980)

Ainda, Evandro Corrêa Menezes, autor da obra Direito de matar, conceitua a eutanásia como sendo “(…) aquele ato em virtude do qual uma pessoa dá morte a outra, enferma e parecendo incurável, ou a seres acidentados que padecem de dores cruéis, a seu rogo ou a requerimento e sob impulso de exacerbado sentimento de piedade e humanidade.” (MENEZES, 1977, p. 39/40)

Portanto, é possível afirmar que a eutanásia, analisada sob o âmbito jurídico, possui diversas definições, sendo considerado o tipo de ação, o consentimento do paciente e até modo de execução. No entanto, sua definição é simplificada como uma conduta pela qual traz uma morte rápida, evitando a dor física aos pacientes que se encontram em estágio terminal em razão de doenças sem cura, como também, por meio de omissão de cuidados ou tratamentos para dar fim ao sofrimento, atuando em ambos, com compaixão e humanidade, causando a morte do enfermo.

  1. A necessidade de que o direito cuide do problema da eutanásia

O ensinamento que se tem é de que as pessoas nascem livres, ou seja, dotadas de autodeterminação, nesse sentido, a vida humana, segundo Maria de Fátima Freire de Sá e Diogo Luna Moureira, “deixa de ser vista como um dever jurídico ou moral, passando a ser um direito (…).” (SÁ; MOUREIRA, 2012, p. 162)

Logo, essa autodeterminação tem íntima ligação com o princípio da dignidade, eis que, nesse sentido, cada pessoa conduz sua vida de acordo com sua consciência. Assim, essa autonomia abrangeria também a decisão de dar fim à própria vida, assunto este, ligado a decisão da eutanásia, discussão multidisciplinar, que aflora contendas no âmbito constitucional, civil, ético, religioso, moral, penal, entre outros.

Mônica Vieira faz inúmeros apontamentos sobre os motivos de o mundo jurídico regulamentar a eutanásia. Em sua obra, a autora rebate a afirmação de Tereza Rodrigues Vieira, a qual relata não ser desejável o conjunto de normas a respeito da eutanásia, eis que já é suficientemente tratada pela ética e moral, assim, seria o médico o único capaz de decidir, pois, o Estado teria sua atuação aumentada em relação à vida privada e à liberdade de cada um. Mônica se contrapõe a esta afirmação, pois acredita serem insuficientes de normas éticas e morais para proteção da dignidade. (VIEIRA, 2012, p. 108)

Logo, a autora ensina que se deve ir em busca de leis que não afrontem a medicina e a ciência, mas que sejam capazes de garantir o desenvolvimento, tendo por base a dignidade humana e a autodeterminação do indivíduo. No mais, afirmando a necessidade de o Direito interferir em decisões deste escalão, já que, sua principal função de pacificação social entra em jogo, para buscar a solução de conflitos e lesões a direitos. Por fim, rebatendo a opinião de José Ildefonso Bizzato, que expressa que quem nunca vivenciou um instante incurável e tormentoso na vida, não teria o direito de legislar sobre a eutanásia, assim, Mônica leciona:

(…) o direito deve dar respostas para todas as situações socialmente relevantes e potencialmente conflituosas, e não é o fato de o intérprete e o legislador não terem passado por uma determinada situação que os impede de analisá-la e regulá-la, a fim de determinar se é conforme ou não o Direito. Se assim não fosse, apenas os assassinos e as vítimas de tentativa de homicídio poderiam analisar uma situação envolvendo tal crime, apenas para citar um exemplo. O ordenamento jurídico oferece regras e princípios suficientes para que se aprecie toda situação juridicamente relevante, independentemente de o estudioso já ter vivido, pessoalmente. (VIEIRA, 2012, p. 111)

É inegável que a medicina vem, ao longo do tempo, se aperfeiçoando e alcançando inúmeras benesses à vida humana, no entanto, não se pode recusar a visão de que, por vezes, há procedimentos médicos que, ao invés de curar ou amenizar o sofrimento vivido, prolongam o processo de morte. Nestas situações, o que se vê é o desrespeito à dignidade humana, colocando a pessoa como objeto da ciência, provando que esta é capaz de manter a “vida”, no entanto é evidente que este tipo de tratamento paliativo confronta o caminho natural ao fim da vida.

O que não se pode admitir, é que o Direito, este, que permitiu a cada indivíduo da sociedade sua dose de autonomia, obstaculize essa permissão, que decorre diretamente do princípio da dignidade. Quem tem o direito à vida, também deve ter, nos mesmos parâmetros, direito à morte, caso sua “vida” esteja repleta de sofrimento e dor, essas, insuportáveis e incuráveis, segundo diagnóstico da própria medicina. Porque criminalizar um ato de misericórdia, onde o agente não age com intenção de beneficiar-se, apenas acata à vontade do moribundo.

Assim, entende-se que a vontade do paciente deve ser respeitada, considerando-se sua autonomia em autodeterminar-se, vez que, em nosso país, não há, nem sequer a punição da vítima de tentativa de suicídio, ou caso ela venha a se ferir por sua própria vontade; pois o ordenamento pátrio não pune a autolesão, portanto, não deveria punir a ação do médico, também humano, que atende a vontade de seu paciente-terminal, que deseja a morte para dar fim ao infinito sofrimento que passa e virá a passar.

Referências bibliográficas

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Declaração sobre eutanásia. Igreja Católica. Vaticano: 1980. Disponível em <http://www.filedu.com/declaracaosobreaeutanasia.html>. Acesso em 04 jun 2018.

MENEZES, Evandro Corrêa de. Direito de matar. 2ª. ed. São Paulo: Biblioteca Jurídica, 1977, p. 39, 40.

PESSINI, Léo. Eutanásia: Por que abreviar a vida? São Paulo: Edições Loyola/Editora do Centro Universitário São Camilo, 2004.

SÁ, Maria de Fátima Freire; MOUREIRA, Diogo Luna. Autonomia para morrer. Eutanásia, suicídio assistido e diretivas antecipadas de vontade. Belo Horizonte, Minas Gerais: Editora DelRey: 2012.

VIEIRA, Mônica Silveira.  Eutanásia, Humanizando a Visão Jurídica. Curitiba: Juruá Editora, 2012.

*Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional e Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio

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