Em questão Justiça

Eutanásia: breves apontamentos acerca do direito à vida e dignidade da pessoa humana

Eutanásia: breves apontamentos acerca do direito à vida e dignidade da pessoa humana

Marina Nogueira Madruga*

 

Marina Madruga é Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional e Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio

Resumo:

Este artigo apresenta abreviadas notas quanto à discussão da eutanásia sob o enfoque dos princípios fundamentais oriundos da Constituição Federal. Para tanto, buscou-se considerar a posição de renomados doutrinadores pro-eutanásia e contra ela.

Palavras-chave: Eutanásia. Constituição Federal. Direitos fundamentais. Vida.

Abstract:

This article presents abridged notes on the discussion of euthanasia under the focus of fundamental principles derived from the Federal Constitution. In order to do so, we sought to consider the position of and proclaimed pro-euthanasia.

Key words: Euthanasia. Federal Constitution. Fundamental rights. Life.

Considerar o princípio da dignidade da pessoa humana, basilar de todo o cenário jurídico, juntamente com o direito à vida se faz imprescindível, eis que a discussão sobre a eutanásia está diretamente ligada aos preceitos previstos na Carta Maior.

O artigo primeiro, inciso III, da Constituição Federal traz o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamental, base de todo o ordenamento.

Mônica Vieira afirma ser equivocada a ideia de a dignidade ser abrigada apenas pelo direito, pois ela é inerente à pessoa, cabendo à seara jurídica apenas assegurá-la, conforme cita: “dignidade constitui o valor próprio da natureza do ser humano como tal, sendo, necessariamente, algo que pertence a cada um e que não pode ser perdido ou alienado.” (VIEIRA, 2012, p. 46)

Evidente destacar que o referido princípio constitui valor máximo, “princípio jurídico supremo”, unificando todos os demais direitos, sendo visto ainda, como limite norteador da atuação estatal e do convívio dos cidadãos entre si. (SÁ; MOUREIRA, 2012, p. 61)

Em relação a ele, proeminente ao Direito Constitucional e Penal, Gisele Mendes de Carvalho aduz

O bem jurídico da vida humana, erigido à categoria de direito fundamental pela Constituição Federal, constitui suporte indispensável para o exercício de todos os demais direitos, o que explica a especial proteção que lhe é outorgada pela lei penal. E surge como o primeiro e mais importante direito do homem (…) (CARVALHO, 2001, p. 96)

Luiz Antônio Rizatto Nunes, professor universitário e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, declara que “O ser humano é digno porque é. (…) Então, a dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente à sua pessoa.” (NUNES, 2002, p. 19)

O texto constitucional impõe ao Estado e aos particulares o dever de respeitar o direito fundamental à vida, segundo preleciona a mestre e doutora em Direito, Gisele Mendes de Carvalho,

(…) obrigação concernente às demais pessoas de respeitá-lo, o que se traduz no dever de não realizar condutas – comissivas ou omissivas, dolosas ou culposas – que impliquem sua destruição. De outro lado, ao Estado competem deveres muito importantes na consecução do exercício do direito à vida, com o escopo de que não seja vulnerado (CARVALHO, 2001, p. 99)

Ainda, a Constituição Federal em seu artigo quinto traz a premissa da inviolabilidade deste direito, logo, fica expressamente proibido violá-lo, sob o foco de ser ele, assegurador de direitos fundamentais, tais como igualdade, liberdade, bem-estar.

Tal proteção, pelo Estado Democrático de Direito deve ser associada diretamente à palavra dignidade, já que a garantia dada se relaciona com as condições mínimas de existência humana, portanto, necessário à qualidade de uma vida digna.

A eutanásia é vista por muitos doutrinadores como inconstitucional, pois entendem que ela fere de maneira direta tal garantia, contrariando a indisponibilidade e irrenunciabilidade do direito à vida humana.

Com os rápidos avanços da medicina, muitas doenças que antes levavam à morte, hoje já possuem cura, no entanto, ainda se tem inúmeras pessoas que “vivem” acometidas de graves enfermidades sem cura e de sofrimento eterno. Nesse sentido, surge o questionamento de até que ponto a vida humana deve ser preservada e se é digna a situação destas pessoas.

Como resposta, surgem vários argumentos possíveis: empregar tratamentos e recursos disponíveis para prolongar mais a vida (quando eficaz); utilizar-se de processos terapêuticos com efeitos nocivos, piores por vezes do que própria doença; deixar o transcorrer da morte natural, sem intervenção ou, ainda, a possibilidade da licitude de encurtar a vida e dar fim ao sofrimento.

Antônio Azevedo Junqueira, quando professor de Direito da Universidade de São Paulo, posicionou-se radicalmente contra a eutanásia, afirmando ser o princípio da dignidade da pessoa humana indisponível. Relata que o resguardo da vida é conditio sine qua non da preservação da dignidade, pois afirma que se não houver vida, não haverá a possibilidade de se falar em dignidade. Dessa forma, para a solução do problema, o autor propõe a “ética do amor”, onde a ética reconheceria a intangibilidade da vida humana, logo, implicaria a dignidade, em respeito à integridade física e psíquica, junto com as mínimas condições de vida necessárias ao cidadão, respeitando a liberdade e a igualdade, consequentemente, trazendo ao homem a abertura para o amor. (JUNQUEIRA, 2002 p. 142/143)

Assim, Junqueira relata não haver nenhuma exceção para o artigo quinto da Constituição Federal, pois caso ocorra a prática da eutanásia a pedido do doente, o médico implicitamente reconheceria que a vida de seu paciente não tem nenhum valor essencial. (JUNQUEIRA, 2002, p. 144)

Adotando posição semelhante, José Afonso da Silva, jurista, especializado em Direito Constitucional, repudia a prática da eutanásia,

(…) é, assim mesmo, uma forma não espontânea de interrupção do processo vital, pelo que implicitamente está vedada pelo Direito à Vida consagrado na constituição, que não significa que o indivíduo possa dispor da vida, mesmo em situação dramática. Por isso, nem o consentimento lúcido do doente exclui o sentido delituoso da eutanásia no nosso Direito. (SILVA, 2003, p. 202)

Diego Leite de Campos, advogado e professor na Universidade de Coimbra, seguindo a linha acima, declara que o direito à vida implica a necessidade e o dever de proteger tanto a própria como a do outro:

Direito à vida, do próprio? Seguramente, mas não para dispor dessa vida; antes para respeitar e defender como se respeitam e defendem, por identidade de razões, as vias de todos os outros e de cada um. Direito à integridade física do próprio? Sem dúvida, mas para promover a integridade física do eu – e dos outros (CAMPOS, 2001, p. 47)

Portanto, para Campos, a vida protegida pelo direito resguarda toda a coletividade, pois o autor acredita que os direitos de personalidade não se caracterizam de modo egoístico, assim, o conjunto da dignidade humana da sociedade só será garantida caso se resguarde a dignidade de cada cidadão. (CAMPOS, 2001, p. 47)

Mônica Silveira cita o estudo de Capelo de Souza, afirmando que o mesmo tem opinião de que o bem da vida é supremo e impessoal, assim, o ordenamento jurídico “não reconhece ao próprio titular qualquer direito dirigido à eliminação da sua vida, embora, no âmbito do poder de autodeterminação individual, admita em certos termos a possibilidade de pô-la em risco.” (VIEIRA, 2012, p.77) Logo, afirma não ter validade o consentimento que autoriza ou tolera o pedido da vítima, embora insistente, para lhe causar a morte. O autor recusa a eutanásia, como também o suicídio, caracterizando a ambos como conduta ilícita.

A eutanásia, no entanto, encontra apoio nos dizeres de Francis Bacon, que no ano de 1623, século XVII, escreveu Historia vitae et mortis, como sendo o “tratamento adequado às doenças incuráveis”. Nesta obra o autor defendeu a eutanásia praticada pelos médicos, desde que estes não dispusessem mais de meios para curar o doente, pois acreditava que a função do médico era de curar as dores, tanto quando necessário para conduzir à cura, ou, para trazer uma morte calma e fácil. (CABETTE, 2013, p. 19)

Favorável também é Luís Flávio Gomes, que não considera a eutanásia como crime, pois afirma ser o agir do causador da morte, baseado em extrema piedade e nobreza, em prol da dignidade humana. O autor crê na possibilidade de autorização da eutanásia, no entanto, seguindo condições, as quais descreve: o doente sofrer de um irremediável e insuportável sofrimento; a fase da doença de caracterizar em estágio terminal; não haver expectativas para o tratamento útil; o paciente expressar consentimento; aprovação pela junta médica e, em caso de inconsciência, a família deverá dar o consentimento. Nesse sentido, Gomes afirma

(…) eutanásia (morte ativa), a morte assistida (suicídio auxiliado por terceiro) e a ortotanásia (cessação do tratamento) não podem ser enfocadas como um fato materialmente típico porque não constitui um ato desvalioso, ou seja, contra a dignidade humana, senão, ao contrário, em favor dela. (GOMES, 2007)

Léo Pessini estuda a posição dos doutrinadores pro-eutanásia e contra ela, demonstrando o duelo de opiniões entre a sacralidade e qualidade de vida. Afirma que quem defende a eutanásia busca fundamentação na prevalência da “qualidade de vida”, explanando ser novo seu conceito, tendo surgimento da teoria empresarial, no início do século XX, logo, passando a ser analisado pelas ciências humanas. (PESSINI, 2004, p. 147, 149)

Em relação à vida digna, objeto de tutela do Direito Pátrio, deve-se discutir a morte “humana”, que busca evitar o prolongamento de uma dor infinita oriunda de uma enfermidade sem cura. De tal modo, se questiona a dignidade humana não apenas quanto à vida, mas especialmente, durante o processo da morte.

Referências bibliográficas

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia. Comentários à Resolução 1.805/06 CFM Aspectos Éticos e Jurídicos. 2ª Reimpressão. Curitiba: Juruá Editora, 2013.

CAMPOS, Diogo Leite de. Os direitos da personalidade: gênese e sentido. Revista Doutrinária. Rio de Janeiro: Instituto Ítalo Brasileiro de Direito Privado e Agrário Comparado, v. 4, a. 4, 2001.

CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos Jurídicos-Penais da Eutanásia. São Paulo: IBCCRIM, 2001.

GOMES, Luiz Flávio. Eutanásia, morte assistida e ortotanásia: dono da vida, o ser humano é também dono da sua própria morte?. 2007. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/9437/eutanasia-morte-assistida-e-ortotanasia> Acesso em 20 mai 2015.

JUNQUEIRA, Antônio Azevedo. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, nº. 797, a. 91, publicado em março 2002.

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.

PESSINI, Léo. Eutanásia: Por que abreviar a vida? São Paulo: Edições Loyola/Editora do Centro Universitário São Camilo, 2004.

SÁ, Maria de Fátima Freire; MOUREIRA, Diogo Luna. Autonomia para morrer. Eutanásia, suicídio assistido e diretivas antecipadas de vontade. Belo Horizonte, Minas Gerais: Editora DelRey: 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2003.

VIEIRA, Mônica Silveira.  Eutanásia, Humanizando a Visão Jurídica. Curitiba: Juruá Editora, 2012.

*Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional e Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio.

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