MODELAGEM MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Márcio José da Silva*[1]
RESUMO
O presente artigo relata uma ação interdisciplinar envolvendo as disciplinas de Física e Matemática realizada no Centro Educacional Tancredo de Almeida Neves, no município de Colorado do Oeste, nas turmas do Segundo Ano do Ensino Médio na modalidade Seriado Semestral, no primeiro semestre de dois mil e dezessete. Como os alunos traziam bagagens de experiências vivenciadas no cotidiano pessoal e profissional, a metodologia utilizada baseia-se em vivências experimentais no ensino de Física, utilizando a modelagem matemática como metodologia de ensino-aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos, Interdisciplinaridade, Modelagem matemática, Experimentação.
ABSTRACT
the article reports an interdisciplinary action involving the disciplines of Physics and Mathematics held at the Tancredo Educational Center of Almeida Neves, in the municipality of Colorado do Oeste, in the classes of the Second Year of High School in the Semester Semester, in the first semester of two thousand and seventeen . As the students carried baggage of experiences lived in personal and professional daily life, the methodology used is based on experimental experiences in the teaching of Physics, using mathematical modeling as teaching-learning methodology.KEY-WORDS: Youth and Adult Education; Interdisciplinarity; Mathematical modeling; Experimentation.
INTRODUÇÃO
A Educação de Jovens e Adultos requer olhar pedagógico diferenciado, que integre o aluno adulto e trabalhador de forma a aproveitar suas experiências vivenciadas no seu cotidiano, principalmente no trabalho. Além da carga horária menor que o ensino regular, o tempo limitado para concluir, as turmas são heterogêneas, em geral noturno, nas quais os frequentadores chegam à escola já cansados, tornando-se difícil conciliar trabalho e estudo. Alguns se demonstram desmotivados e até excluídos, além de terem ficado longos anos fora do ambiente escolar, as dificuldades diante dos conteúdos são tantas, que não conseguem estabelecer relação entre os conceitos, chegando às vezes a reprovação e evasão escolar.
Sendo apenas duas aulas de Física e Matemática com duração de duas horas semanais cada uma, durante o semestre, as dificuldades ganham proporções maiores, por não estabelecer relação entre conceitos e realidade. Dessa forma, oportunizar a troca experiências entre os alunos através da interdisciplinaridade possibilita ensinar matemática e Física de forma integrada, com aprendizagem significativa integrando os universos pessoal, profissional e escolar.
De acordo com (Hartmann e Zimmermann, 2007, p. 3):
A interdisciplinaridade ganha importância na vida escolar à medida que os docentes passam a desenvolver de forma integrada um trabalho pedagógico, que capacita o estudante a se comunicar, argumentar, enfrentar problemas de diferentes naturezas e a elaborar críticas ou propostas de ação em torno de questões abrangentes da atualidade.
Através da interdisciplinaridade, há envolvimento maior dos alunos nas ações, os quais são oportunizados a realizar trabalho em equipe. Ao analisar as dificuldades que os alunos do ensino médio apresentavam na interpretação das situações problemas e na condução das questões propostas na escola, houve necessidade de (re) pensar a prática pedagógica. Como trabalhar esses conteúdos de forma dinâmica, atrativa e produtiva? Percebeu-se a necessidade de propor além do trabalho interdisciplinar, metodologia na qual os conteúdos tivessem relação com a prática, tornando as aulas de Matemática e Física prazerosas.
2- TRABALHANDO COM MODELAGEM MATEMÁTICA
Segundo Bassanezi (1994, p. 01):
Modelagem Matemática é um processo que consiste em traduzir uma situação ou tema do meio em que vivemos para uma linguagem matemática. Essa linguagem, que denominamos Modelo Matemático, pressupõe um conjunto de símbolos e relações matemáticas que representam o fenômeno em questão.
Neste trabalho adota-se a modelagem matemática tratada interdisciplinarmente à disciplina de Física como fonte alternativa para que essas disciplinas em foco tenham real significado para o aluno.
A EJA apresenta realidade bem complexa e que em períodos de economia globalizada não pode ser encarada apenas como cumprimento de programa curricular, mas atentar para desafios que precisam ser enfrentados de modo a oportunizar ações que leve a escola a desempenhar sua função qualificadora.
Enquanto instituição social cabe a escola a responsabilidade de garantir que a educação se faça com a melhor qualidade para todos:
Depreende-se daí, que de uma boa e sólida formação dos profissionais da educação e de uma boa e sólida gestão da educação dependerá a vida futura de todos que pela escola passarem. Uma formação de qualidade ou sem qualidade exercerá uma influência relevante sobre a possibilidade ou impossibilidade de acesso às oportunidades sociais da vida em sociedade, possibilidade ou impossibilidade de acesso à cidadania. Tal é a importância desta formação pela qual tanto se luta, historicamente, em todos os espaços possíveis. (FERREIRA, 2001, p.296).
Nesta perspectiva, a intenção é romper com a forma supletiva, que foca programa curricular num espaço de tempo predeterminado para (re) pensar uma forma metodológica interdisciplinar que venha de encontro a esses desafios.
2.1. O problema
Ao ouvir os alunos da EJA acerca das suas experiências de vida, e suas expectativas com relação aos estudos, percebeu-se inúmeras dificuldades de aprendizagem dos conceitos, leitura, interpretação e solução de situações problemas, as quais mereciam urgência em adequar a prática pedagógica de modo a atender as especificidades dos alunos..
Considerando que o aluno da EJA estive um período fora do contexto escolar, é preciso que a escola prepare cidadãos conscientes capazes de participar política e socialmente no mundo totalmente globalizado. Essa questão é abordada por PARO:
É preciso que se coloque no centro das discussões (e das práticas) a função educativa global da escola. Assim, se entendemos que educação é atualização histórico-cultural dos indivíduos e se estamos comprometidos com a superação do estado geral de injustiça social que, em lugar do bem viver, reserva para a maioria o trabalho alienado, então é preciso que nossa escola concorra para a formação de cidadãos atualizados, capazes de participar politicamente, usufruindo daquilo que o homem histórico produziu, mas ao mesmo tempo dando sua contribuição criadora e transformando a sociedade. (PARO, 1999, p.113-114)
2.2- interdisciplinaridade e modelagem matemática
De acordo com o contexto abordado, o desafio exigia conceber Metodologia que atendesse a realidade da EJA e que pudesse facilitar a compreensão dos conceitos nas disciplinas de Matemática e Física, através de manipulação podiam realizar experimentos em grupo, confirmar ou rejeitar determinadas hipóteses, revelar contradições em dados obtidos, prever o resultado de situações problemas, e chegar a resultados de diferentes formas na prática.
Conforme BIEMBENGUT e HEIN (2003):
(…) o modelo é uma imagem que se forma na mente, no momento em que o espírito racional busca compreender e expressar de forma intuitiva uma sensação, procurando relacioná-la com algo já conhecido, efetuando deduções (p. 11).
A modelagem matemática aplicada ao ensino de Física oportuniza ao aluno conseguir resultados por méritos próprios, chegando a soluções que por outros caminhos seriam mais complicados. Dessa forma a modelagem matemática visa: 1) conceber interdisciplinaridade através da integração dos alunos; 2) representar as situações em modelos, esquemas, tabelas e/ou mapas para facilitar a compreensão e interpretação das ações; 3) busca analisar e resolver matematicamente modelo interpretativo; e 4) construir função matemática que represente o fenômeno físico.
Na visão de BASSANEZI (2004):
Modelagem matemática é um processo dinâmico utilizado para obtenção e validação de modelos matemáticos. É uma forma de abstração e generalização com a finalidade de previsão de tendências. A modelagem consiste, essencialmente, na arte de transformar situações da realidade em problemas matemáticos cujas soluções devem ser interpretadas na linguagem usual (p. 24).
A interdisciplinaridade integra os alunos num processo de inclusão e integração onde o engajamento nos grupos desarticulam a evasão escolar ou o abandono, pois há cooperação para realização das atividades nas quais um aluno ajuda o outro, mesmo com as diversidades.
2.3- Emprego da tecnologia e a Modelagem matemática
Os momentos de reflexões e de busca de alternativas foram importantes frente aos desafios da EJA, pois proporcionou: INTERAÇÃO – os conceitos eram propostos em situações problemas através de dinâmicas de grupos que deveriam pesquisar formas interativas de resolução usando multimídias, esquematizando e coletando dados. MATEMATIZAÇÃO – os resultados sintetizados ganhavam formas, foram calculados, tabelados e representados graficamente ou esquematicamente por equações e fórmulas matemáticas, que com auxilio de calculadoras, e meios midiáticos proporcionou possibilidades de real interpretação. MODELO MATEMÁTICO – haverá socialização dos experimentos a partir de seminários de apresentações práticas laboratoriais, dispondo de recursos midiáticos e através de discussões os modelos matemáticos e seus referenciais teóricos pesquisados. (Figura 1).
Relata-se o trabalho nas turmas de segundo ano do ensino médio seriado semestral cujo objetivo em Física era trabalhar a questão da energia focando os conceitos de calor, temperatura e transformações de escalas termométricas; e em Matemática os teoremas de Tales, Pitágoras, Semelhanças de Figuras e Introdução á Trigonometria permitiu a interdisciplinaridade e aplicação da modelagem matemática. O trabalho resultou em experiência pedagógica riquíssima, descrito em quatro etapas:
1ª Etapa- realização de dinâmica para interação e divisão em grupos, propondo uma situação problema na qual os alunos deveriam pesquisar os conceitos: Física- Calor, Temperatura e escalas termométricas; Matemática- Teoremas de Tales, Pitágoras, Semelhança de triângulos e Introdução a Trigonometria.
Situação problema: Certo dia em paris os termômetros registraram 77°F, próximo à Torre Eiffel, que é uma torre treliça de ferro do século XIX localizada no Champ de Mars, em Paris, que se tornou um ícone mundial da França e uma das estruturas mais reconhecidas no mundo. Nomeada em homenagem ao seu projetista, o engenheiro Gustave Eiffel, foi construída como o arco de entrada da Exposição Universal de 1889. A torre possui 324 metros de altura. Uma pomba voou em linha reta do seu topo até o ponto M. A distância do centro da base do monumento até o ponto M é igual a 15 m, como mostra a ilustração abaixo. Qual foi a distância, em metros, percorrida por essa pomba? (figura 2)
- A torre faz, na sua inclinação, um ângulo de 74º com o solo. Quando o sol está bem em cima da torre (a pino) ela projeta uma sombra de 15 m de comprimento. (sen 74º = 0,96¸ cos 74º = 0,28 e tg74º =3,4). A que distância se encontra o ponto mais alto da torre em relação ao solo?
- Sabendo que a temperatura nesse horário era 77°F (fahrenheit), qual seria essa temperatura na escala Celsius difundia no Brasil e nos países de língua portuguesa?
- Tendo ferro um coeficiente de dilatação linear =12.10-6 °C-1 Calcule sua dilatação através de uma barra de 50cm de comprimento quando passa de 25°C para 225°C?
- Comente localização geográfica e os fusos horários deste País em relação ao Brasil?
- Por que essa diferença de escala termométrica?
- Quem foi Gustave Eiffel?
2ª Etapa – Pesquisar em livros, internet e outras fontes midiáticas os conceitos: Física – Calor, temperatura e escalas termométricas; e Matemática – Teoremas de Tales, Pitágoras, Semelhança de triângulos e Introdução a Trigonometria.
Nessa etapa foi escrito no quadro as respostas encontradas pelos grupos e fundamentos teóricos foram colocados em discussão, resolvendo no quadro a primeira parte da situação problema mostrando a transformação de uma temperatura em escala Fahrenheit para a escala Celsius e fazendo comentários sobre coordenadas geográficas, fuso horário destacando a importância de saber transformar temperaturas nessas escalas, uma vez que hoje tudo está globalizado tornando urgente a necessidade de ampliar conhecimentos.
Na aula seguinte comentou-se sobre a torre Eiffel, calcularam na lousa através de teoremas pesquisados, a altura, a distancia que a pomba voou, etc, teceu-se comentários sobre o material “ferro” e buscaram na tabela periódica, sigla, classificação, importância, durabilidade, coeficiente de dilação e resolveram no quadro a parte da situação problema envolvendo esse questionamento, e descreveram em seus devidos cadernos através de fórmulas, tabelas e gráficos as soluções da questões propostas.
As pesquisas foram desenvolvidas no laboratório de informática da escola, realizou-se experimentos, divididos em grupos: temperatura (termômetros), dilatação, calor e mudanças se estado físico; sendo nessa respectiva ordem um assunto para cada grupo.
3ª Etapa – O objetivo em Física era realizar experimentos através de seminários organizados pelo professor no qual os grupos apresentavam seu experimento, comprovando na prática os conceitos abordados, os quais foram gravados em vídeos; e em matemática resolveram lista de exercícios propostos pelo professor que serviu como autoavaliação do grupo. Os alunos usaram as aulas seguintes para preparar os experimentos e resolver as questões relacionando-as matematicamente.
4ª etapa – Houve socialização dos experimentos dispostos em vídeos na feira de ciências que aconteceu no pátio da escola, realizou-se debate e auto- avaliação na qual eles responderam verbalmente as questões: Sobre temperatura, você gosta mais de frio ou mais de calor? Por quê? Em qual estação se economiza mais energia? Qual a contribuição se pode dar ao meio ambiente com o uso correto da energia em relação a temperatura? Que aparelhos domésticos poderiam ser usados com menor frequência para consumir menos energia? A experiência foi significativa para você? Por que? Como a temperatura influenciou em cada experimento? Após assistir os vídeos dos experimentos quais quesitos podem ser melhorados? As discussões e pesquisas levou você a visualizar fenômenos físicos no seu cotidiano e perceber a importância da Física?
Ao analisar o envolvimento dos alunos nas atividades, percebeu-se que a aprendizagem foi significativa, proporcionou o entusiasmo e compreensão dos conceitos envolvidos em todo desenvolvimento do projeto, contribuindo para repensar a prática pedagógica na EJA.
3-CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletindo a metodologia aplicada observou-se que o trabalho interdisciplinar contribuiu para integração dos alunos, que estavam motivados e não faltavam às aulas, participavam ativamente, e consequentemente reduziu o índice de desistência no semestre trabalhado, melhorando a aprendizagem e socialização.
A aprendizagem se mostrou significativa, a cada momento os alunos estavam a frente de informações relevantes, associando ao seu cotidiano, fizeram questionamentos de forma que houve uma melhor assimilação no processo de aprendizagem.
A realização de todas essas atividades proporcionou espaço para que os alunos elaborassem estratégias para os desafios apresentados. As mesmas tiveram resultados positivos e atingiram os objetivos propostos, pois os alunos que participaram desse semestre foram aprovados com desenvolvimento superior a média da estatística anterior.
Quando o conteúdo é trabalhado de forma interdisciplinar ganha significado e aplicabilidade, os alunos superaram as expectativas nessas disciplinas, houve troca de experiências e busca de alternativas para enfrentar e resolver desafios que antes eram promotores do fracasso escolar.
A modelagem matemática foi a ferramenta que permitiu romper o tradicional, levou os alunos a raciocinar, deduzir, pesquisar e assimilar conceitos. Os discentes ultrapassaram obstáculos e criaram estratégias; permitiu engajar em temas transversais como: meio ambiente, racionamento de energia, aquecimento global, problemas ecológicos, tecnologia, sociedade e consumo entre outros.
Dessa forma, exige do professor sair do comodismo e aplicar dinâmicas e atitudes metodológicas que levem os alunos a interagirem nas aulas, criando, pesquisando, raciocinando, comparando, interpretando, produzindo, deixando de ser passivo e tornando-se ativo no processo de ensino e aprendizagem, essa estratégia tem resultado em fonte de sucesso em países bem desenvolvidos na área educacional, insere e integra os jovens e adultos no mercado de trabalho, que cada vez é mais exigente e competitivo.
Recomenda-se essa técnica aos profissionais que buscam colocar em prática ensino de qualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASSANEZI, Rodney C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: Uma nova estratégia. São Paulo: Contexto, 2002. Disponivel em: http://editoracontexto.com.br/autores/rodney-carlos-bassanezi/ensino-aprendizagem-com-modelagem-matematica.html>Acesso em 14 set. 2015
BASSANEZI, Rodney C. Modelagem como estratégia metodológica no ensino da matemática. Boletim de Educação da SBMAC. São Paulo: IMECC/Unicamp,1994.
BIEMBENGUT, Maria Salett; HEIN, Nelson. Modelagem Matemática no ensino. São Paulo: Contexto, 2000. Disponivel em: http://www.pucrs.br/edipucrs/erematsul/comunicacoes/21GABRIELSCHNEIDERLOSS.pdf> acesso em:15 set. 2015.
FERREIRA, C. s. Naura & AGUIAR, Márcia Angela da S. Gestão da Educação: Impasses e compromissos. 2ª Ed. São Paulo: Cortez. 2001. Disponivel em: http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/2536/504> Acesso em 18 set. 2015.
HARTMANN, A.M. e ZIMMERMANN, E. O trabalho interdisciplinar a partir do tema Sociedade Sustentável: um desafio para a Física. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA, 17, 2007, São Luis. Anais… Disponível em: <www. sbfisica.org.br/eventos>. Acesso em: 12 nov. 2011.
PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da Escola Pública. São Paulo: Ática 1999. Disponível em: htt\\ www.vitorparo.com.br/trabalhos-publicados/listacompleta. >Acesso em: 16 set.2015.
[1] Márcio José da Silva, Mestre em Educação pela UDS, Especialista em Educação de Jovens e Adultos, Especialista em Administração e gerenciamento Escolar, Licenciado em Matemática pela UNIR-RO e-mail: marciojosedasilva28@gmail.com
Como citar:
SILVA, Márcio José da. MODELAGEM MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. Revista Partes, 2018.