Ricardo Vélez Rodriguez*
A tolerância, que foi uma conquista do Liberalismo nos últimos quatro séculos, pretende hoje ser superada pelo pensamento “politicamente correto”, em aras de uma interpretação rousseauniana e ressentida da questão das diferenças. O tema da tolerância teve origem na Inglaterra do século XVII, sendo John Locke (1632-1704) o grande sistematizador da questão. O ambiente, até então, era de nítida intolerância em matéria de pluralidade de credos religiosos.
Locke, jovem médico, foi chamado na alta madrugada na casa paterna para atender a um moribundo, terminou salvando a vida de lorde Shaftesbury (1621-1683), lhe praticando uma incisão de urgência na vesícula supurada, evitando assim a morte do paciente. O lorde, já curado, quis premiar os esforços do jovem profissional, lhe oferecendo o cargo de secretário particular no Parlamento. Assim, pela vesícula do conde, Locke entrou na política britânica como o mais importante teórico da onda de renovação que o partido whig imprimira nos costumes políticos na tradicional estrutura da monarquia absoluta inglesa.
A tolerância, para Locke, era uma das bases da sua concepção política. Pelo império do princípio da tolerância, o poder civil não poderia ser utilizado para forçar alguém a aderir a determinado credo religioso. Mas se a tolerância deve formar parte do pacto político em relação às Igrejas, ela deve também servir para aceitar as diferenças entre interesses materiais a serem representados no seio do Parlamento.
A essência do pacto político pressupõe a diversidade de interesses entre os cidadãos. Não aceitar os interesses dos outros era inviabilizar o pacto social. Foi contra essa essa diversidade de crenças e de interesses materiais que se ergueu Jean Jacques Rousseau com a sua proposta de Entropia Civil contida no seu ensaio intitulado Do contrato social (1762). Estava possuído pela ideia de que a unanimidade, no corpo social, garantiria a felicidade dos seus membros.
O discurso politicamente correto foi elaborado pela esquerda norte-americana dos anos 70 como expressão da unanimidade ao redor do Legislador. Numa espécie de reduplicação sistêmica do controle pelos Puros, a pragmática transcendental funcionaria dentro dos indivíduos submetidos ao interesse coletivo, como uma espécie de auto-alarme contra o que significasse dissenso. Ora, a primeira coisa a ser eliminada seria a incômoda diferença entre os indivíduos. Todos seriam iguais. A diversidade é culpa do Capitalismo e do Liberalismo, que pretenderam, sempre, nos separar uns dos outros.
A salvação é constituída pela Unidade Total do corpo Político, nessa República de zumbis em que o politicamente correto ameaça nos aniquilar. A educação de gênero, convenhamos, tenderia a eliminar essas diferenças burguesas entre sexos, fazendo com que desde o berço nos identificássemos como não diferentes, ou como diferentes na medida em que a linguagem permitisse isso nas novas modalidades trans que começam a povoar o imaginário através da arte e das telenovelas.
*Ricardo Vélez Rodriguez é doutor em Filosofia e professor da Universidade Positivo – Faculdade Arthur Thomas.