Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

Convivendo com a timidez

Convivendo com a timidez

Gilda E. Kluppel

 

Dos tempos de escola, as marcantes lembranças. Não por um mero acaso ainda recordo, enquanto criança, a professora, a pretexto de ajudar o corpo discente a superar as suas dificuldades, depois de uma longa explanação sobre a coragem em assumir os próprios “defeitos”, conclama os alunos para a frente da turma. O objetivo: os colegas apontarem as supostas imperfeições a serem corrigidas. Não acredito que tenha ocorrido por má intenção. Hoje, porém, uma atitude impensável, considerada como um bullying.

Quando me dirigi à mesa da professora, ela pediu, aos que desejassem indicar algum “defeito”, para se manifestarem. Levei um susto, senti o rosto queimar, a turma inteira com o braço estendido. Após a primeira aluna falar, todos partilharam da mesma avaliação. O “defeito”, a timidez. Quando retornei ao meu lugar na sala de aula, a aluna da carteira em frente disse: “isso não é nada, comigo diriam que eu sou preguiçosa, porque não gosto de estudar”. Para ela, não era um problema, mas para mim tinha outro significado.

Difícil compreender o que havia de errado com o silêncio. Parecia que ficar quieta, no meu canto, incomodava os demais colegas. Algo um tanto grave, digno de reparos dos outros. Reforçou a sensação de que todos estavam à espera de um deslize, atentos para qualquer falha, ou seja, havia uma lente de aumento apontada para mim. Um tropeço, uma palavra mal pronunciada, qualquer atitude poderia se converter em atração da turma. Para piorar, existem os que cobram explicações sobre a timidez. Torna-se desagradável responder porque você age deste modo, com as típicas perguntas: “por que está sempre calado” ou “por que fala pouco.”

Ainda dizem que o tímido possui uma vaidade camuflada, ao imaginar que todos os olhares recaem sobre ele, logo se coloca na posição de centro do mundo. Para o tímido existe aquela sensação descrita por Luís Fernando Veríssimo: “O tímido nunca tem a menor dúvida de que, quando entra numa sala, todas as atenções se voltam para ele e para sua timidez espetacular.” Leva a crer que se necessita de aceitação unânime.

O rótulo colocado, com o qual aceitei prontamente, gradativamente perdeu a importância, há tempo não ouço nenhuma menção a essa tal timidez. Talvez nem sequer exista mais, mas me perturbou, principalmente durante a infância e a adolescência. Creio que não causou grandes prejuízos, embora em alguns momentos fez com que eu me calasse, mesmo quando tinha algo a dizer. Contudo, caso deixassem a minha timidez num canto qualquer e acomodada, não teria passado longo tempo preocupando-me com ela. E alguém poderia dizer “uma pessoa tímida também pode ser legal”, com certeza teria proporcionado um grande alívio.

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

As crianças tímidas merecem respeito, elas podem crescer com a timidez ou não, às vezes é apenas uma fase da vida. Então, qual o problema? Costumam julgar que existe algo errado com a pessoa e quase nunca falam das qualidades de um tímido, apenas das dificuldades. Os tímidos são bons ouvintes, convenientes numa sociedade que fala demais. Quem suporta desabafar com alguém que tem sempre uma palavra a mais para pronunciar, não deixando sequer o outro concluir um pensamento.

Ao contrário de tempos passados, hoje com maior dificuldade encontram-se crianças tímidas. Logo, o processo de aceitação da timidez torna-se mais árduo, enquanto alardeia-se que o sucesso advém apenas para pessoas extrovertidas. Aos olhos de muitos, os introvertidos são considerados antissociais. Causa estranheza quando trocam tranquilamente uma festa na casa de amigos pela companhia de um bom livro ou filme.

A sociedade, forjada para a extroversão, valoriza em excesso a exposição, na qual se mostra a vida com naturalidade em redes sociais, visando apenas atrair a atenção. Passa a impressão de que estar no meio de inúmeras pessoas, gargalhar, subir num palco, pegar um microfone em um karaokê e soltar a voz são motivos suficientes para caracterizar alguém como “feliz”.

Vale lembrar que muitos passam por constrangimentos e também ficam corados e com as mãos suadas, por alguma situação incômoda, principalmente durante a infância e a adolescência. Portanto, torna-se necessário encontrar meios próprios para conviver com a timidez, não tentando sempre igualar-se aos demais. A timidez pode ser apenas uma característica de personalidade, não representando algo negativo, desde que não impeça de aproveitar as oportunidades e os bons momentos. Afinal, relacionar-se com o mundo de modo contido, não significa dizer que seja com menor intensidade.

2 Replies to “Convivendo com a timidez

  1. bom dia Gilda! li seu artigo ta muito bom, eu sou uma pessoa muito tímida, tenho uma dificuldade muito grande para falar, essa tímides me atrapalha e muito, quando tenho que fazer algo em publico eu travo , da uma branco, não consigo dizer nada.
    o seu artigo está retratando a dificuldade de muitos eu que tem e passam por esse problemas que e muito défice no dia a dia. parabéns por ter levantado esse problema . nós tímidos estamos precisando de ajudas.

    1. Boa noite Antonio Carlos. Obrigada pela leitura e comentário. Realmente a timidez atrapalha, surgem mais dificuldades para executar algumas atividades, como falar em público, por outro lado, acredito que facilita em tarefas que exigem mais concentração.

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