Gilberto da Silva
Da primeira vez que entrei naquela sala senti um arrepio e uma dor profunda. Não podia acreditar que aquilo que se passava por uma mesa, não fosse uma mesa. Aquele jovem, moderno, articulado, dotado de uma brilhante intelectualidade convidou-me para um café com torradas. Ainda atordoado, não aceitei o convite para tomar café naquele “móvel”. Sai espumando ódio daquele lugar, como se empunhasse uma bandeira de luta numa passeata. Não conseguia esquecer cena tão dantesca; ou melhor, cena de apenas “o inferno”. Jurei não voltar ao local, nunca mais, nem por um momento apenas.
Da segunda vez que entrei naquela sala pude, ainda sob efeito do estranhamento, perceber detalhes daquele corpo. A sua forma ainda me remetia aos tempos do meu conhecimento sobre aquela forma. Vacilei, quase sentei em uma cadeira (absorveria um café, ou um chocolate, sem ainda depositar a xícara em sua linha reta), mas desisti diante de uma inesperada reflexão sobre as formas de vida. Pense: vã filosofia… Sai do local com uma sensação que as relações humanas não estavam bem e que algo de pobre podia estar ocorrendo naquele reino. Sim apoderei-me das leituras de Shakespeare e tentei entendeu um pouco sobre as relações de poder.
Da terceira vez, passados anos de obscuridade, adentrei na velha sala do velho senhor que, de forma simpática e lisonjeira, me apresentou seus discípulos – todos bem vestidos e dóceis – e convidou-me à sentar numa cadeira. A mesa estava lá. Havia outras, todas elas prontas para o uso em outros locais da casa. Já era uma mesa em sua forma mesa, natural, trivial, coloquial. Uma mesa, arquitetonicamente parecida com um corpo humano, decorava a sala.