Em questão

Ele tá no celular?

Sandra Kezen

Sandra Kezen é professora e coordenadora do Laboratório de Línguas da Faculdade de Direito de Campos e da Faculdade de Odontologia de Campos.
sandrakezen@fdc.

É. Temos que nos render às novas tecnologias. O celular veio para ficar e, sinceramente, sou uma das pessoas que não sabe mais o que fazer sem ele. Nem lembro como pude viver tanto tempo sem um. Não aguento ligar para alguém e perceber que ele/ela não recarregou o aparelho e, por essa razão, não poderei falar o que pretendia ou precisava com a tal pessoa. As palavras que mais odeio ouvir ao celular são: ”deixe seu recado…” Quando alguém diz que não me encontrou, fico pensando se está mesmo dizendo a verdade: por  que não me ligou, se tinha o número do meu celular? Agora, tem uma coisa: quase ninguém tem o meu número, senão vira bagunça. Só a família. E todos têm orientação (principalmente as filhas) para não ficarem me ligando o tempo todo. Detesto ficar atendendo o celular para qualquer coisa. Tenho mais o que fazer!

Tem gente que tem até dois: aí já acho demais. Mas que o “brinquedinho” ajuda, ah, ajuda. Quantos problemas já foram solucionados devido a um celular? Ele é a nossa memória! Sempre que esqueço algo, corro ao celular e peço socorro a alguém.

O celular é hoje tão usado que crianças já têm um (inclusive as minhas) o que torna mais fácil a vida de mães e pais. Desde que elas o deixem ligado, a gente pode falar com elas a qualquer hora.

O celular é tão importante que seu uso já criou novas formas de falar.  Pessoas perguntam “ele está no celular?”, ou dizem “vou ligar no seu celular.” Celular agora é lugar. Sim, porque quando usamos o verbo “estar” seguido da preposição “em” estamos nos referirmos a algum lugar: “ele está na cidade”, “ela está na casa da praia”, etc.

Agora todos dizemos “eu estou no celular”, ou “vou estar no celular, pode ligar pra mim”. O celular tornou-se um lugar virtual, onde podemos falar com quem quisermos e a qualquer momento. Ou não, ao identificarmos um falante com o qual não desejamos falar.

Objetos novos criam expressões novas: a língua é dinâmica e se adequa logo às novas tecnologias. Esta é uma das características de toda língua viva: a capacidade de evoluir, porque muda de acordo com as necessidades da comunicação. Por isso não dá para controlar a língua, ou colocá-la numa camisa de força, como querem alguns, os inflexíveis defensores da norma culta, a qualquer preço. Esses ignoram este aspecto da língua: a evolução. É a evolução que leva a língua a representar a realidade em que vivemos. E como a realidade muda a cada novo dia, temos que adequar nossas antigas formas de comunicação a essas novas realidades. Temos que fazer a língua se adequar a essas mudanças. Por isso criamos novas expressões e é por aí que a língua muda. Se não mudasse, não seria uma língua viva, seria uma língua morta. Que bom que o português brasileiro é essa língua viva. Já pensou se as línguas não evoluíssem? Estaríamos falando o latim até hoje! Temos que aceitar que a língua portuguesa é resultado de mudanças e aprender a conviver com essas mudanças. Graças a elas, nossa língua é o que é: aquela que representa o nosso universo, a nossa cultura, o nosso jeito de viver e pensar.

Já pensou na sua vida sem mudanças?

Não dá, não é mesmo? Mudar faz parte da vida, faz parte de nós. A gente é que precisa aprender a tirar algo de bom de cada coisa nova que a vida nos apresenta. E a nossa vida sem celular, como seria? Nem imagino!

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