AS QUATRO RAÍZES
Margarete Hülsendeger
Dizer bobagens areja a alma…
Mario Quintana
– Quatro raízes? De árvores? – perguntou Tomás.
– Não, seu burro! Não tem nada a ver com árvore, isso não é biologia, é filosofia – respondeu, irritado, Luis.
Os dois rapazes estavam há mais de duas horas, trancados no quarto, estudando para a prova do dia seguinte. Na verdade, o estudo tinha começado há apenas meia hora, o restante do tempo haviam passado jogando no Xbox.
– Por que, pelo amor de deus, temos de estudar essa porcaria? Por que preciso saber sobre caras que, com certeza, já estão mortos e bem enterrados há muito tempo? – gritou Tomás indignado, enquanto pegava o controle para reiniciar o jogo.
– Larga isso, Tomás! – advertiu Luis. – Na última prova, tua nota foi zero e a minha não ficou muito longe. Se a gente não der um jeito, nossas mães vão nos matar.
De má vontade, Tomás largou o controle sobre a mesa.
– Tudo bem. Então, explica, de uma vez, o que são essas raízes.
– Aqui no livro diz que um tal de Empédocles…
– O quê? Empédocles?! – disse rindo Tomás, jogando-se na cama. – Que pai coloca um nome desses num filho?
– Cala a boca, Tomás! Esse Empédocles era um filósofo grego que viveu uns 500 anos antes de Cristo e naquela época os nomes eram esquisitos. Me deixa continuar, senão vou te encher de porrada.
– Tá bom, tá bom! Não precisa ficar zangadinho. Fala mais do tal Empédocles.
Bufando, Luis voltou o olhar para o livro:
– Pois o tal grego foi o primeiro a dizer que tudo é feito da combinação de quatro raízes: terra, água, ar e fogo. E…
– Só um pouquinho – voltou a interromper Tomás. – Eu vi um filme sobre isso. Era meio antigo, quando o Bruce Willis ainda tinha cabelo, mas eu não me lembro deles falando em raízes. Como era mesmo o nome do filme?
– Eu sei. Eu vi também esse filme e o nome era “O Quinto Elemento”. Só que aqui no livro diz que o Empédocles nunca usou a palavra “elemento”. Parece que isso foi coisa de outro filósofo chamado Aristóteles. Agora eu posso continuar?
– Pode, cara. Foi mal! Tu tá muito nervoso.
Suspirando, quem sabe pela quinta vez, Luis voltou a ler:
– Bom, segundo esse filósofo, o Empédocles, essas quatro raízes são fundamentais ou irredutíveis.
– Como assim? Não entendi. – resmungou Tomás.
– Elas são a base de tudo ou como diz aqui “não são compostas por outras raízes”. Entendeu?
– Mais ou menos – disse Tomás. – Mas continua, vamos ver até onde vai essa história.
– Segundo o livro, o Empédocles acreditava que tudo no mundo era resultado da combinação dessas quatro raízes e que… – de repente, Luis parou de ler e começou a rir.
Tomás estava deitado na cama olhando o teto e se esforçando para prestar atenção. Quando o amigo começou a rir, viu a chance de deixar o estudo de lado e, quem sabe, convencer Luis a voltar ao jogo.
– O que foi Luis? Eu não posso rir, mas tu podes? O que tem no livro? Uma piada? Se for uma piada, conta que eu quero rir também.
Luis respirou fundo, tentando se controlar, mas a coisa era tão ridícula que era difícil ficar sério. Olhando para o livro e depois para o amigo leu a passagem engraçada:
– “Empédocles postulou que o comportamento das quatro raízes é determinado pelo equilíbrio entre duas tendências…” – aqui Luis interrompeu a leitura e olhou para Tomás, querendo ver a sua reação. – “…o amor, que une, e o ódio, que separa”.
– Como é que é? – perguntou Tomás. – Tu tá com o livro certo? Tem certeza que não aquele livro que a tua irmã anda lendo, “Cinquenta tons de alguma coisa”?
Luis virou o livro na direção do amigo e apontou para o parágrafo.
– Mas que porcaria é essa? Amor? Ódio? Unir? Separar? Tá parecendo Crepúsculo – e enquanto falava Tomás começou a pular na cama e a fazer caras e bocas fingindo que abraçava e beijava alguém.
Luis percebeu que se deixasse a coisa correr solta, o amigo não ia parar com as palhaçadas. Assim, controlando o riso chamou a atenção do colega:
– Tá chega, Tomás! Deu! Vamos voltar para o estudo.
– Pelo amor de todos os santos, Luis, o que tem mais nesse livro? Sexo?
– Claro que não, babaca. Esse é um livro de filosofia, esqueceu? – E sem dar tempo para que o outro respondesse continuou – “Pelo que sabemos, é a primeira vez na história que se sugere que os componentes fundamentais da matéria têm seu comportamento determinado por forças de atração e repulsão”.
– Que forças? – Perguntou perdido Tomás.
– Cara, presta a atenção! O amor atrai e o ódio repele. Atração e repulsão. Entendeu?
– Ah! – respondeu Tomás, sem muita certeza.
– Pois é. Esse Empédocles acreditava que as tais raízes…
– Que raízes?
– Vou te encher de porrada se tu não prestar atenção! – gritou furioso Luis.
– Tá cara, calma! É muita informação, eu não sou um computador.
Luis não achava que Tomás fosse um computador. Muito pelo contrário.
– Vou repetir. As quatro raízes são: terra, ar, água e fogo. Então, o Empédocles acreditava que as raízes nunca mudavam, mas por causa do amor e do ódio elas podiam se combinar e transformar.
A expressão do rosto de Tomás era indecifrável. Pela primeira vez, ele parecia estar realmente prestando atenção. Assim, Luis resolveu dar outra chance ao amigo.
– Entendeu, Tomás? Ou preciso ler de novo?
– Não, cara. Tô pensando numa coisa. Se eu usar esse palavreado todo com a Vitória tu acha que eu tenho alguma chance com ela? Tipo falar sobre o tal do amor do Empédocles? Dizer para ela o como é importante a atração entre duas pessoas? Quem sabe não rola alguma coisa e…
Foi a gota d’água. Luis fechou o livro com força e jogou em Tomás. De propósito, mirou bem no meio das suas pernas. Enquanto o amigo se torcia e gritava de dor, Luis calmamente pegou o controle do Xbox e ligou a tela do computador. Antes de começar a jogar, virou-se para o colega e com o rosto sério disse:
– Quer saber de uma coisa, Tomás. Dane-se a prova! Danem-se esses filósofos malucos! Amanhã a gente usa esse papo de amor e ódio com a Isabel ou a Vitória e vamos ver se conseguimos que elas nos passem as repostas da prova. Agora para de gemer feito criancinha e vem jogar.