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As quatro raízes

AS QUATRO RAÍZES
imagem: https://elementsunearthed.com/2009/06/

AS QUATRO RAÍZES

Margarete Hülsendeger

 

Dizer bobagens areja a alma…

Mario Quintana

 

margaretehul
Margarete Hülsendeger é física e mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUC-RS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS. margacenteno@gmail.com

– Quatro raízes? De árvores? – perguntou Tomás.

– Não, seu burro! Não tem nada a ver com árvore, isso não é biologia, é filosofia – respondeu, irritado, Luis.

Os dois rapazes estavam há mais de duas horas, trancados no quarto, estudando para a prova do dia seguinte. Na verdade, o estudo tinha começado há apenas meia hora, o restante do tempo haviam passado jogando no Xbox.

– Por que, pelo amor de deus, temos de estudar essa porcaria? Por que preciso saber sobre caras que, com certeza, já estão mortos e bem enterrados há muito tempo? – gritou Tomás indignado, enquanto pegava o controle para reiniciar o jogo.

– Larga isso, Tomás! – advertiu Luis. – Na última prova, tua nota foi zero e a minha não ficou muito longe. Se a gente não der um jeito, nossas mães vão nos matar.

De má vontade, Tomás largou o controle sobre a mesa.

– Tudo bem. Então, explica, de uma vez, o que são essas raízes.

– Aqui no livro diz que um tal de Empédocles…

– O quê? Empédocles?! – disse rindo Tomás, jogando-se na cama. – Que pai coloca um nome desses num filho?

– Cala a boca, Tomás! Esse Empédocles era um filósofo grego que viveu uns 500 anos antes de Cristo e naquela época os nomes eram esquisitos. Me deixa continuar, senão vou te encher de porrada.

– Tá bom, tá bom! Não precisa ficar zangadinho. Fala mais do tal Empédocles.

Bufando, Luis voltou o olhar para o livro:

– Pois o tal grego foi o primeiro a dizer que tudo é feito da combinação de quatro raízes: terra, água, ar e fogo. E…

– Só um pouquinho – voltou a interromper Tomás. – Eu vi um filme sobre isso. Era meio antigo, quando o Bruce Willis ainda tinha cabelo, mas eu não me lembro deles falando em raízes. Como era mesmo o nome do filme?

– Eu sei. Eu vi também esse filme e o nome era “O Quinto Elemento”. Só que aqui no livro diz que o Empédocles nunca usou a palavra “elemento”. Parece que isso foi coisa de outro filósofo chamado Aristóteles. Agora eu posso continuar?

– Pode, cara. Foi mal! Tu tá muito nervoso.

Suspirando, quem sabe pela quinta vez, Luis voltou a ler:

– Bom, segundo esse filósofo, o Empédocles, essas quatro raízes são fundamentais ou irredutíveis.

– Como assim? Não entendi. – resmungou Tomás.

– Elas são a base de tudo ou como diz aqui “não são compostas por outras raízes”. Entendeu?

– Mais ou menos – disse Tomás. – Mas continua, vamos ver até onde vai essa história.

– Segundo o livro, o Empédocles acreditava que tudo no mundo era resultado da combinação dessas quatro raízes e que… – de repente, Luis parou de ler e começou a rir.

Tomás estava deitado na cama olhando o teto e se esforçando para prestar atenção. Quando o amigo começou a rir, viu a chance de deixar o estudo de lado e, quem sabe, convencer Luis a voltar ao jogo.

– O que foi Luis? Eu não posso rir, mas tu podes? O que tem no livro? Uma piada? Se for uma piada, conta que eu quero rir também.

Luis respirou fundo, tentando se controlar, mas a coisa era tão ridícula que era difícil ficar sério. Olhando para o livro e depois para o amigo leu a passagem engraçada:

– “Empédocles postulou que o comportamento das quatro raízes é determinado pelo equilíbrio entre duas tendências…” – aqui Luis interrompeu a leitura e olhou para Tomás, querendo ver a sua reação. – “…o amor, que une, e o ódio, que separa”.

– Como é que é? – perguntou Tomás. – Tu tá com o livro certo? Tem certeza que não aquele livro que a tua irmã anda lendo, “Cinquenta tons de alguma coisa”?

Luis virou o livro na direção do amigo e apontou para o parágrafo.

– Mas que porcaria é essa? Amor? Ódio? Unir? Separar? Tá parecendo Crepúsculo – e enquanto falava Tomás começou a pular na cama e a fazer caras e bocas fingindo que abraçava e beijava alguém.

Luis percebeu que se deixasse a coisa correr solta, o amigo não ia parar com as palhaçadas. Assim, controlando o riso chamou a atenção do colega:

– Tá chega, Tomás! Deu! Vamos voltar para o estudo.

– Pelo amor de todos os santos, Luis, o que tem mais nesse livro? Sexo?

– Claro que não, babaca. Esse é um livro de filosofia, esqueceu? – E sem dar tempo para que o outro respondesse continuou – “Pelo que sabemos, é a primeira vez na história que se sugere que os componentes fundamentais da matéria têm seu comportamento determinado por forças de atração e repulsão”.

– Que forças? – Perguntou perdido Tomás.

– Cara, presta a atenção! O amor atrai e o ódio repele. Atração e repulsão. Entendeu?

– Ah! – respondeu Tomás, sem muita certeza.

– Pois é. Esse Empédocles acreditava que as tais raízes…

– Que raízes?

– Vou te encher de porrada se tu não prestar atenção! – gritou furioso Luis.

– Tá cara, calma! É muita informação, eu não sou um computador.

Luis não achava que Tomás fosse um computador. Muito pelo contrário.

– Vou repetir. As quatro raízes são: terra, ar, água e fogo. Então, o Empédocles acreditava que as raízes nunca mudavam, mas por causa do amor e do ódio elas podiam se combinar e transformar.

A expressão do rosto de Tomás era indecifrável. Pela primeira vez, ele parecia estar realmente prestando atenção. Assim, Luis resolveu dar outra chance ao amigo.

– Entendeu, Tomás? Ou preciso ler de novo?

– Não, cara. Tô pensando numa coisa. Se eu usar esse palavreado todo com a Vitória tu acha que eu tenho alguma chance com ela? Tipo falar sobre o tal do amor do Empédocles? Dizer para ela o como é importante a atração entre duas pessoas? Quem sabe não rola alguma coisa e…

Foi a gota d’água. Luis fechou o livro com força e jogou em Tomás. De propósito, mirou bem no meio das suas pernas. Enquanto o amigo se torcia e gritava de dor, Luis calmamente pegou o controle do Xbox e ligou a tela do computador. Antes de começar a jogar, virou-se para o colega e com o rosto sério disse:

– Quer saber de uma coisa, Tomás. Dane-se a prova! Danem-se esses filósofos malucos! Amanhã a gente usa esse papo de amor e ódio com a Isabel ou a Vitória e vamos ver se conseguimos que elas nos passem as repostas da prova. Agora para de gemer feito criancinha e vem jogar.

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