O chapéu violeta
Gilda E. Kluppel
Há alguns anos recebi uma mensagem, daquelas enviadas por e-mail em formato de powerpoint, que relatava a mulher em várias fases da vida. E em cada fase sempre existia uma preocupação relativa à aparência. Contudo, na terceira idade, a aparência não causa mais incômodo, visto que basta colocar o chapéu violeta e sair para se divertir. Assim, depois de quase uma vida inteira de inquietação com a suposta visão de um corpo imperfeito, agora se liberta do estratagema da mulher ideal, apregoado pela mídia em geral.
Um texto singelo, mas marcante, que pude reler recentemente. A autora do texto, a escritora e comediante norte-americana Erma Bombeck, tornou-se popular em sua coluna de jornal, pelo bom humor com o qual descrevia a vida doméstica, acerca de questões sobre a mulher, a mãe e a esposa, no subúrbio de uma grande cidade durante as décadas de 1960 até 1990.
Contrariamente, encontram-se pensamentos e textos, às vezes até bem-intencionados, porém, ao tentar valorizar, infantilizam os idosos, em expressões: “devemos ser bonzinhos com os velhinhos”. E também reflexões capciosas, no caso daquelas mensagens de autoajuda que, na verdade, não ajudam em nada.
Acostumamos a ouvir frases, com conotação pejorativa, sobre a terceira idade que permeiam muitos dizeres populares, tais como: “ela já é coroa”, “está na hora de pendurar as chuteiras”, “ele está muito velho para isso”, “é coisa de velho”, entre outros. Aliás, o emprego da palavra “velho”, como um produto de validade vencida, sugere que as pessoas idosas são passivas, sem autonomia e dependentes dos outros.
Parece que o idoso está predestinado a converter-se em um mero espectador da vida e nem sempre acomodado em um camarote confortável. Ainda se percebe uma certa resistência das pessoas em relação às filas preferenciais, sejam em bancos, supermercados e outros locais, como fosse algo fora do normal, o idoso ter a prioridade do atendimento. Quando se considera que eles dispõem de tempo para esperar, enquanto os outros têm “atividades importantes” para serem executadas, o idoso não, tem sempre “tempo livre” para tudo. Essas são as asperezas do cotidiano atribulado nas grandes cidades, nas quais não se distribuem facilmente gestos de carinho e respeito.
Usar o chapéu violeta, a parte agradável, em contraposição às agruras enfrentadas na terceira idade, simboliza a perspectiva de libertação do modelo que prende as mulheres a uma busca, às vezes até insana, por um corpo perfeito e um rosto sem rugas. Muitas vezes ouvimos “eu não quero envelhecer”, leva a crer que se torna proibido envelhecer e o caminho a seguir sugere a preservação da chama da juventude.
Acredita-se que a beleza pode trazer ou manter uma condição perene de felicidade. Afinal, a felicidade, ainda longe de um melhor entendimento, insinua uma vigorosa relação com a aceitação do corpo. Admitir a convivência com aquelas inevitáveis rugas e alguns quilos a mais favorecem uma melhor qualidade de vida. Afinal, todas as idades possuem a sua beleza. Não adianta desejar inverter a ordem natural da vida.
Cabe lembrar que ocorre um crescimento acentuado do número de idosos, com o aumento da expectativa de vida da população. Logo, teremos cada vez mais a companhia de idosos daqui em diante. E não se pode correr o risco de enveredar por pensamentos e dizeres, algumas vezes equivocados, que favorecem o sentimento de piedade ou de exaltação. O texto de Erma Bombeck propicia uma visão promissora para o futuro, sem a obrigação de nos convertermos em sábios e bons conselheiros para os netos ou meros estorvos para a sociedade, apontando para a real possibilidade de encontrar também a felicidade nessa fase da vida.
Idade não tem tempo e em formato; idade é sabedoria pura e, hoje os jovens, são os idosos. Reflitam. Boa noite. Johnny Notariano