Gilda E. Kluppel
Quantos são aqueles que buscam ansiosamente pelo aparecimento de um herói para libertá-los do mal. E como são admiradas as pessoas que se encaixam no perfil de salvador ou salvadora. Afinal, possuir as respostas prontas, na ponta da língua, para todas as perguntas, pode demonstrar força e uma convicção inabalável. Munidos de um receituário de “certezas”, o caminho está aberto. Contudo, a procura por um herói ou heroína, requer a adoção de apenas um lado da história, uma meia verdade. Esse é um viés muito aproveitado pela grande mídia.
A vida fluí facilmente com a aceitação das supostas verdades, logo encontra-se uma zona de conforto. O mundo apresenta-se como um eterno confronto entre o bem e o mal. Para tanto, basta acompanhar as narrativas simplistas, capazes do reconhecimento rápido da figura do herói. Diante da luta entre o bem e o mal, a sociedade resume-se à visão maniqueísta, na qual se indica prontamente o rumo “correto” para se orientar. Do outro lado, no polo oposto, a representação de um caminho para o abismo. Delineada como a opção de “bom senso” a ser seguida, dirime-se a dúvida e o método mais árduo para analisar um fato: o confronto de ideias.
A grande mídia sabe utilizar essa estratégia, construir lendas e forjar heróis, para conquistar audiência. Tal qual um folhetim novelesco, notícias divulgadas de modo sensacionalista, buscam atrair a atenção do público. Calcada na visão dualista, o público quer encontrar logo o culpado para, como numa inquisição, condená-lo a arder na fogueira. Diante disto, desumaniza-se o antagonista, a narrativa para a existência do herói, exige também a presença do lado oposto, a encarnação do mal. Trata-se daquele conhecido “bode expiatório”, o escolhido que, independente da culpa ou inocência, já está taxado como culpado.
Nas histórias em quadrinhos, em que pessoas com poderes extraordinários fazem a alegria da criançada e também de muitos adultos, destaca-se a importância do antagonismo. Pode existir o Batman sem o Charada? O Super-Homem sem o Lex Luthor? E sobretudo não existe herói sem admiradores. Todos com o lema do personagem He-Man: “eu tenho a força”. Devido à suposta força extra, exaltada pela grande mídia, pessoas comuns são alçadas ao triunfo, com trajetórias de vida idealizadas. Nas histórias em quadrinhos e igualmente as representadas pela mídia, o herói é aquele que pode resolver tudo sozinho. Somente o herói basta a si mesmo.
Diante da imagem, idealizada, todos têm interesse em saber detalhes sobre a sua vida particular. O que será que eles comem? Quantas horas dormem por dia? Onde passam as férias? Confidências são bem-vindas, qualquer detalhe sobre seus comportamentos satisfazem os anseios por informações dos simpatizantes. Em contrapartida, ao sentimento de admiração pelo herói surge, de modo irracional, a aversão e o ódio ao antagonista, logo existe uma torcida para um e o desejo do mal para o outro.
A figura do herói não perpetua por muito tempo, ninguém é infalível. Afinal, o herói é um personagem aprisionado pela visão do outro. Objeto de todas as atenções, qualquer deslize ou conduta, que não se adeque aos moldes estabelecidos pelos seus seguidores, são suficientes para o descarte desse personagem. Entretanto, para aqueles que precisam dessa figura para sobreviver, há necessidade da criação de outro herói de estimação, quando desiludidos pela verificação da falibilidade do seu ídolo. Muitas vezes, a própria mídia, criadora do herói, por não ser mais conveniente aos seus interesses, o transforma em vilão.
O curioso é ainda necessitarmos da figura do herói na sociedade contemporânea. Não sei se muitos heróis morreram de overdose, como cantava o Cazuza, porém, estamos envoltos numa realidade capaz de construir e desconstruir personalidades em períodos curtos de tempo. O retrato dessa realidade descrito por Bertolt Brecht: “Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis”.