Economia economia

A complexidade da alteridade no século XXI

Gabriel de Souza Vieira[1]

Resumo: Frente a múltiplas mudanças no cenário mundial econômico, social e cultural, que vem ocorrendo nas duas últimas décadas até a atualidade, este artigo pretende refletir e compreender como esses acontecimentos afetam o comportamento do indivíduo e o modo como as relações de interdependência tem se constituído.

Palavras-chave: Alteridade. Falta. Consequência. Décadas.

Abstract: In front of multiples changes in the World’s economic, social and cultural scenery, which have been happening in the lasts two decades until actuality, this article aims to reflect and understand how this events affects the behavior of the individual and the way how the relations of interdependence has been constituted.

Keywords: Otherness. Lack. Consequence. Decades

Introdução:

Desde meados da segunda metade do século XX, período no qual ocorreu a guerra fria entre as duas maiores potências mundiais – EUA e ex-URSS – o mundo deixou de ser, segundo a classificação de ordem geopolítica, bipolar, ou seja, voltado socioeconomicamente em torno de duas nações e, então, tornou-se multipolar, em decorrência do enfraquecimento do setor industrial e econômico da União Soviética, a partir da década de 1980; o que ocasionou a independência dos países integrantes e uma fragmentação da mesma em 1991.

Diante desse episódio, os EUA avançaram, de maneira exponencial, em suas produções oriundas de sua ideologia capitalista, que dominou o mundo ocidental após o feudalismo. E isso afetou, negativamente, a maneira como o ser humano se comporta culturalmente e socialmente, de modo a colocar em cheque, na sociedade, a situação da alteridade que vem sido compreendida como “um substantivo feminino que vem do latim e contém o prefixo alter que designa outro. O significado de alteridade está justamente relacionado ao outro; alteridade é a qualidade ou o estado daquilo que é diferente e é o antônimo de identidade.” E na Antropologia, alteridade é: “o conceito que define a existência do indivíduo a partir da relação com o outro.”[2]

1. Compreendendo o Cenário Cultural

Em primeiro plano, no que tange a perspectiva cultural, com o avanço de um padrão econômico capitalista, passa-se, cada vez mais, a valorizar a produção de bens de consumo, o consumismo e o próprio capital, ou seja, o dinheiro. Desse modo, ao longo das últimas duas décadas, o indivíduo ocidental tem buscado adaptar-se a esse padrão até mesmo por uma questão de necessidade, ou seja, de pertencer ao sistema e se sentir parte da sociedade e, por conseguinte, entra em um ciclo de descontentamento, buscando sempre mais e mais.

Além disso, a escolha de buscar possuir algo, não é o principal problema, uma vez que o homem independente das circunstâncias do mundo é livre em si mesmo para fazer o que a sua volição lhe aprouver. (SARTRÊ, 1998). Todavia, em meio a todo esse arcabouço, é crítica a situação da alteridade, uma vez que possuir algo se tornou mais importante e mais urgente do que se preocupar em, pelo menos, tentar compreender o outro nas suas diferenças.

Segundo (VELHO, 1994, p.63):

Hoje em dia cultura faz parte do vocabulário básico das ciências humanas e sociais. O seu emprego distingue-se em relação ao senso comum no sentido que este dá às noções de homem culto e inculto. Assim como todos os homens em princípio interagem socialmente, participam sempre de um conjunto de crenças, valores, visões de mundo, redes de significado que definem a própria natureza humana. Por outro lado, cultura é um conceito que só existe a partir da constatação da diferença entre nós e os outros.

Assim, o indivíduo vai se constituindo como ser humano em suas relações com o outro a depender da realidade social, econômica em que está inserido, ou seja, do contexto cultural em que se vive; o qual têm padrões de relacionamentos pré-estabelecidos ditando assim, normas e regras, bem como preconceitos que geram desigualdades nas relações.

E para mais, se engajar na tentativa de compreender o próximo, geralmente foi e ainda é entendido como uma conduta sem um posicionamento político, moral ou ideológico válido, uma vez que foge daquilo que grande parte adere como estilo de vida, como afirma Gimeno Sacristán: “A modernidade abordou a diversidade de duas formas básicas: assimilando tudo que é diferente a padrões unitários ou “segregando-o” em categorias fora da “normalidade” dominante”. (SACRISTÁN, 2001, p. 124)       

2. Compreendendo o cenário social

Em segundo plano, em se tratando do aspecto social, é notório que com a perda, paulatina, da prática, que quase nunca existiu com grande êxito em nossa sociedade, da alteridade, os relacionamentos de interdependência têm se tornado, cada vez mais, superficiais, haja vista que as pessoas estão se utilizando menos da presença física umas das outras, pois a tecnologia e o cotidiano lhe proporcionam a rapidez e instantaneidade precisa na comunicação, ou seja, traz uma falsa sensação do suprimento da carência natural e imanente ao ser humano, isto é, o sentimento de pertencer.

E assim, com a viabilização de uma camuflagem da verdadeira identidade, desfragmentada ou não, as relações estão sendo alicerçadas em uma grande instabilidade, de maneira que surpresas e frustrações ocorrem a todo instante, pelo fato de que nunca se conhece muito bem a pessoa com quem se relaciona, mesmo que já se conviva por muitos anos, prova disso é uma notícia publicada, em Novembro de 2015, no site Portal Brasil que apresentou o aumento em 160 por cento, no Brasil, do número de divórcio nos últimos dez anos, confirmando assim a dificuldade do ser humano de vivenciar a alteridade no relacionamento a dois.

Além do mais com a perda da alteridade, tem-se, também, uma nova luta no campo da igualdade e dos direitos humanos, que é expressa no Relatório do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD):

O que é novo, hoje, é a ascensão de políticas de identidade. Em contextos muito diferentes e de modos muito diversos – desde os povos indígenas da América Latina às minorias religiosas na Ásia do Sul e às minorias étnicas nos Bálcãs e em África, até os imigrantes na Europa Ocidental – as pessoas estão se mobilizando de novo em torno de velhas injustiças segundo linhas étnicas, religiosas, raciais e culturais, exigindo que sua identidade seja reconhecida, apreciada e aceita pela sociedade mais ampla. Sofrendo de discriminação e marginalização em relação a oportunidades sociais, econômicas e políticas, também exigem justiça social. (PNUD, 2004, P. 1)

Esse engajamento na conquista de um maior reconhecimento social, político e econômico, por partes de minorias de todo o mundo, se deve ao fato de que com o desaparecimento de tal virtude, aumenta-se o preconceito, julgamento, bem como paradigmas e dogmas.

3. Considerações finais

Diante do exposto nesse estudo, percebe-se que a alteridade é uma virtude rara e talvez até quase que em extinção no ser humano do século XXI, algo que poderia ser diferente se, embora em um contexto capitalista, se priorizasse as pessoas, ou seja, ao invés de excluir e marginalizar buscasse incluir e aceitar de qualquer indivíduo, assim tangenciando as relações sociais de maneira a cumprir àquilo que está estabelecido como direito universal do indivíduo no artigo VII da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH, 1948, p.7): “Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.

E para mais, nota-se que, com a perda da alteridade, os relacionamentos interpessoais vão se enfraquecendo e tornando-se superficiais, uma vez que o individualismo tem aumentado e com ele a traição e a manipulação em detrimento do orgulho e egoísmo; irresponsabilidade, imaturidade, impaciência, entre outros que permeiam o âmago de cada ser humano, assim coibindo a evolução ou o reaparecimento dessa virtude.

Referências

GIMENO SACRISTÁN, J. (2001) Políticas de ladiversidad para uma educación democrática igualizadora; In: SIPÁN COMPAÑE, A. (coord.) Educar para ladiversidadenelsiglo XXI Zaragoza: Mira Editores.

ONU. Disponível em:<http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em 22/02/16

PORTAL BRASIL. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/11/em-10-anos-taxa-de-divorcios-cresce-mais-de-160-no-pais>. Acesso em 25/12/16.

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório do desenvolvimento humano 2004: liberdade cultural num mundo diversificado. Lisboa: Mensagem, 2004.

SIGNIFICADOS BR. Disponível em:<https://www.significadosbr.com.br/alteridade>. Acesso em 26/12/16.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada – ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução: Paulo Perdigão. 6 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

VELHO, G. (2004) Projeto e Metamorfose. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.


[1]Graduando do curso de Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR). E-mail: gabrielmusica31@gmail.com

[2] Conceitos disponíveis em https://www.significadosbr.com.br/alteridade

Deixe um comentário