Gilda E. Kluppel
Não que seja indiscreta, mas não pude deixar de ouvir, até porque a mulher falava em tom alto, tecendo elogios às duas crianças, que aguardavam a mãe do lado de fora do vestiário de uma loja. Ela dizia para as crianças o quanto eram parecidas com as fotos de seus netos, os quais não via há muito tempo por residirem em outro país.
A mãe, que experimentava peças de roupas no vestiário, sai rapidamente com um olhar de censura àquela senhora. Em meio ao desespero, retira-se da loja deixando inúmeras peças de roupas no provador. Crianças não devem falar com estranhos. Entretanto, caso a mulher realmente sensibilizou-se com a semelhança entre as crianças e os seus netos? Talvez, inadvertidamente, apenas conversou com as crianças sem a presença da mãe.
Desconfiança ou realismo? Dizem que o desconfiado está mais próximo da realidade. De qual realidade? Diante dos casos divulgados pela mídia e também da enorme boataria, que toma conta das redes sociais sobre sequestros de crianças, os pais têm os cuidados redobrados com os filhos. Notícias e mensagens negativas despertam a atenção das pessoas. Mensagens, com o seguinte teor “aconteceu com uma amiga minha”, repassadas inúmeras vezes e ninguém mais sabe quem é a tal da amiga. São tantos boatos sobre sequestros, inclusive para retirada de órgãos para transplante, que frequentemente voltam à tona. Ainda, para aumentar o medo da população, chegam a circular fotos de supostos sequestradores.
Causa a impressão que acontecem apenas fatos maléficos. As pessoas, atemorizadas, creditam mais veracidade para as notícias ruins, aquelas que alegam chegar mais rápido. A mídia entra no embalo da divulgação da desgraça alheia, com o jornalismo norteado pela máxima “notícia boa é notícia ruim”. Logo, somos conduzidos por uma paranoia urbana, em consequência a sensação de insegurança. Quando estamos fora de casa ou do trabalho qualquer desconhecido é visto como uma ameaça. O espaço urbano torna-se o ambiente ideal para esses acontecimentos, corremos o risco de preocupar-se com ameaças além das existentes.
Será que “notícia boa é notícia ruim”? Nesse contexto, cabe destacar a intrigante a frase do escritor Caio F. Abreu: “Quando tiver uma notícia boa, não grite aos quatros ventos. O que gera ibope é notícia ruim. A boa, gera inveja mesmo”. A mídia repercute os fatos que o público está propenso a acompanhar? Observa-se a fascinação que muitas pessoas sentem ao seguir as desgraças da última hora. Cada vez mais, anestesiados e insensíveis, prostrados diante das imagens de fatos violentos.
Deparar-se com tantas notícias ruins pode acarretar uma percepção de indiferença e acomodação, na qual qualquer acontecimento torna-se parte do destino. Pensamos inúmeras vezes antes de confiar em alguém, outras vezes sequer pensamos, apenas corremos, por medo ou receio, devido à mera impressão produzida por influências de notícias negativas. O limite entre a confiança e a ingenuidade é tênue, com o decorrer da vida endurecemos, pelo receio de carregar o fardo de um arrependimento, surgem maiores desconfianças.
A senhora acenando, com os olhos brilhando, durante a despedida das crianças, enquanto a mãe queria se livrar apressadamente daquela situação, leva a crer que não se tratava de alguém mal-intencionado, mas de uma avó com saudades. Bons sentimentos também causam equívocos, contudo não temos mais o direito à inocência.