Gilda E. Kluppel
A voz estridente, em tom alto, anuncia: chegou o chato. Sempre invadindo os ouvidos alheios com palavras que ninguém deseja escutar. Quem não conheceu algumas dezenas de chatos e um, em especial, que de tão chato recebeu o reforço de chato de galocha? Apesar da galocha não ser mais usada, esses calçados de borracha, colocados por cima dos sapatos, para caminhar na chuva, os chatos permanecem e se multiplicam. A expressão francesa chatô du galoche, popularizou-se, afinal, alguém que entra na casa do outro, sem tirar a galocha, molhando o piso todo, merece uma complementação ao termo chato.
Entretanto, como se define uma pessoa chata? O Tratado Geral dos Chatos, de Guilherme de Figueiredo, informa que “chato é o indivíduo, ser, coisa ou evento cuja presença, existência, atitude, ação ou lembrança, continuadamente, tem a capacidade de inspirar sentimentos contrários à alegria de viver, à paz de espírito e à Paz Mundial”. Contudo, não precisamos de definições para identificá-lo, quando ele chega em um grupo, alguém, de imediato, já o reconhece.
A percepção da chatice é subjetiva, há quem diga que ser chato é relativo, o que desagrada um pode ser normal para o outro, porém, existem os chatos tradicionais, encontrados em diversos ambientes. Entre eles, está o exagerado contador de piadas, aquele que, a todo o momento, tenta fazer graça, até mesmo diante de questões sérias e, talvez o mais irritante, o que sabe tudo e mais um pouco.
Nesse caso, a chatice está ligada ao problema do ego. Geralmente, a sua opinião é sempre definitiva. A pessoa sente uma imensa necessidade de que todas as suas ações sejam divulgadas, usa a voz como um megafone para anunciar as realizações. Logo, parece que anunciar vale mais do que fazer. A fala torna-se enfadonhamente repetitiva, converte-se em uma verdadeira incontinência verbal, cercada de muitas voltas, para não acrescentar nada, mas esta é a sua marca registrada.
Não se dão conta da existência de tantos outros, capazes de atitudes admiráveis, que sequer precisam de alarde. Ações realizadas em silêncio e os chatos nem sabem, eles não costumam ouvir os outros. Para eles, qualquer fala ou ato executado são considerados monumentais, a admiração de si próprio é tão grande que ultrapassa o limite do ridículo e a pessoa nem percebe.
Engraçado que, inúmeras vezes, basta pouco para deixar a chatice de lado, permanecer em silêncio em algumas ocasiões, por exemplo. São diversos toques e dicas que não atingem o objetivo, leva a crer que a chatice trata-se de algo incurável. Alguém já conheceu um ex-chato? Talvez, eles acreditem que os outros ainda não reconheceram o enorme potencial e, com insistência, continuam a divulgar, até a exaustão, as supostas qualidades.
Existem algumas vantagens ao ouvirmos um chato, naturalmente a mente se distancia, vai às montanhas, aos mares e até serve para relembrar a cronologia do pagamento das contas do mês. Segundo Mário Quintana “o maior chato é o chato perguntativo. Prefiro o chato discursivo ou narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa…” E parece que, ultimamente, aumentou o número de chatos discursivos. Os chatos perguntativos estão em extinção, não se pergunta mais: “como você está?” Ele não pergunta porque você pode responder, para o chato não interessa saber como você está. Evidentemente, com o individualismo em ascendência, a autopromoção vem carregada a reboque. Além do mais, hoje eles têm acesso à internet e às redes sociais para ampliar a sua e-chatice, mas, para eles, já existem alguns aplicativos para evitar os chatos de plantão.
Toda a pessoa tem o seu dia de chato. Contudo, deve-se observar a periodicidade da ocorrência, caso ocorra todos os dias, arrisca tornar-se um comportamento usual. Também podemos aderir à chatice e nem desconfiarmos…cabe aos outros a avaliação. O pior é não saber quando somos inconvenientes, ao apontar ou escrever um texto sobre chatos, porém, para que se preocupar, os chatos são sempre os outros…