O Alto Preço do Desenvolvimento Amazônico: Relatos do processo de colonização em Rondônia
Juliana Martins Kuzma*
Armelinda Borges da Silva*
Gesse Ricardi Batista Garcia[*]
Resumo: Este trabalho é um desdobramento de uma atividade realizada no curso de pedagogia, no componente curricular “Povos da Floresta”, ao qual tem como objetivo fazer uma reflexão acerca do processo de colonização do estado de Rondônia. O método utilizado baseou-se em uma entrevista com uma liderança indígena e três migrantes. Como aporte teórico, contamos com as contribuições de Neves (2009; 2013); Souza (2013); Scaramuzza (2013), entre outros. Ficou evidente através dos relatos dos colaboradores, que tanto o povo indígena, quanto os migrantes foram prejudicados com esse processo e ainda hoje carregam os resultados negativos, pois houve muitos conflitos com os povos que chegaram a Rondônia com os povos que já habitavam a região. Dentre esses conflitos houve alguns assassinatos pela disputa por terras.
Palavras-chave: Colonização, Rondônia, Povos da floresta, Povo indígena Gavião.
Abstract: This work is an offshoot of an activity performed in the course of teaching, the curriculum component "Peoples of Floreta," which aims to reflect about the state of Rondonia colonization process. The method used was based on an interview with an indigenous leader and three migrants. As a theoretical framework, we rely on the contributions of Neves (2009; 2013); Souza (2013);Scaramuzza (2013) , among others. It was evident through the accounts of employees, both the indigenous people, the migrants were harmed by this process and still carry the negative results because there were many conflicts with people who came to Rondônia with people who inhabited the region. Among these conflicts there were some killings by the land dispute.
Keywords: Colonization, Rondônia, forest peoples, indigenous people Gavião.
Introdução
Um mundo que se autodefine como moderno e civilizado não pode aceitar conviver com essa ausência de democracia racial, cultural e política. Como se pode ser civilizado se não se aceita conviver com outras civilizações? Como se pode ser culto e sábio se não se conhece – e o que é bem pior, não se aceita conhecer outras culturas e sabedorias? (BANIWA, 2006, p. 35, apud Neves, 2014, p.1).
Estudar sobre os Povos da Floresta nos permite olhar para “o outro”, especialmente o outro que a sociedade nos ensinou a olhar com desconfiança e suspeita, olhar não como um inimigo ou alguém a quem se deve manter distância ‘por segurança’, mas como um alguém a quem detém uma cultura diferente da minha, mas não menos importante, onde possa haver trocas de saberes e experiências a fim enriquecer nossa cultura e valorizar e respeitar a cultura do próximo.
A disciplina povos da floresta, no âmbito do curso de pedagogia, foi uma oportunidade de problematizar muitos paradigmas a respeito desses povos, como os extrativistas, quilombolas, ribeirinhos, indígenas, e um momento que tivemos para conhecer realidades e vivências de outras comunidades que estão tão próximas e ao mesmo tempo tão distantes das nossas. Através desse componente curricular, foi possível ver o lado de cada uma dessas pessoas que foram vítimas de uma época que faz parte de nossa história, constituída por violência e expropriação, que foi o processo de colonização de Rondônia. Sem esse conhecimento ficamos a mercê da concepção do outro, daquilo que ouvimos dizer, mas a realidade é que essas comunidades possuem também a sua história de vida e suas culturas ligadas a sofrimentos e que ainda hoje precisam lutar para ter seus direitos garantidos e valorizados.
Há uma necessidade de compreendermos o que ocorreu com a história do nosso estado. As dificuldades que os migrantes enfrentaram para a aquisição de terra, pois vieram iludidos que teriam aqui grandes oportunidades, como o tão sonhado pedaço de terra fértil para a plantação, e sobrevivência da família. Como o território já estava habitado pelos indígenas, houve muitos conflitos entre estes e os migrantes. Ambos prejudicados pelo projeto de poder e de “integração” promovida pelo Estado, durante o governo militar.
1. Trajetória da migração rondoniense
No período de 1970 a 1985 a Amazônia, em especial o Estado de Rondônia passou por um processo de migração desordenada, marcado por expropriação e
violências rotineiras. O fluxo migratório não ocorreu de forma espontânea, muito pelo contrário, foi resultado de uma política de projetos governamentais de colonização e de ocupação da Amazônia. Essas políticas tiveram uma visão de legítimo valor capitalista, onde estrategicamente tinha como principal objetivo a exploração dessas terras, bem como interligar a Amazônia ao restante do país, que teve como consequência, o surgimento de grandes projetos agropecuários, entrada de madeireiras e a construção da grande rodovia de integração (Cuiabá – Porto Velho), inicialmente denominada por BR-29 e atualmente BR-364. Assim:
[…] A sede por lucros fáceis, e o entendimento de uma Amazônia pronta para ser transformada, foi à força motriz de uma corrida sem precedentes para a região a partir principalmente das décadas de 70 e 80 do século XX. Os grandes projetos foram desencadeados em uma tentativa desesperada para alcançar os ritmos desenvolvimentistas dos países em ascensão e assim, reduzir os supostos atrasos provocados pelo período colonialista brasileiro. A região amazônica, que outrora havia sido identificada como o inferno verde, foi magicamente transformada no grande paraíso terrestre, tornando-se palco de um dos processos migratórios mais intensos já ocorridos em território brasileiro (SCARAMUZZA, 2010, p. 155).
Para Perdigão; Bassegio (1992) as características da história do trabalho do estado de Rondônia é marcado pela mão-de-obra temporária dos trabalhadores migrantes, que se transformaram em marionetes do capital. A exemplo disso cita a exploração na extração da borracha pelos seringueiros principalmente nordestinos; o trabalho desenvolvido na construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré (EFMM), cita que vieram trabalhadores de diversos países do mundo e muitos perderam suas vidas, vítimas de acidentes e doenças tropicais, sem oferecer condições de tratamento de saúde e de trabalho; a participação na construção da BR-364; o trabalho explorador na derrubada de mato em fazendas, dentre outras atividades.
Após a instalação da Linha Telegráfica por Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1907-1915) e posteriormente a construção da BR-364 (1960-1961)[†] intensificou–se na década de 1970 uma forte campanha na imprensa propagando que no Território Federal de Rondônia era “[…] possuidor de terras mais férteis do país, atraindo milhares de colonos, que empolgados com a produção dos dois primeiros anos, se encarregavam de estimular a vinda de parentes e conhecidos.” (LIMA, 2001, p. 132).
O mesmo autor cita que devido as condições de tráfego pela BR-364 condicionou o acesso à região considerada “virgem com grande potencial agrícola”, a existência de manchas de terras férteis ao longo da BR foi cobiçada para realização de trabalhos rurais. Assim inicia a vinda de uma grande leva de migrantes.
As pessoas que migraram para Rondônia eram oriundas de todas as regiões do país, mas principalmente do Sul e Nordeste, pois devido a intensificação da mecanização no campo e a concentração do lucro “[…] permitiram o surgimento do latifúndio. A isto somou-se a erradicação dos cafezais em 1965 e as intempéries climáticas, como geadas. Estes fatos proporcionaram o surgimento de uma massa de trabalhadores aptos a migrar.” (LIMA, 2001, p. 76).
Os pequenos agricultores da região Sul não tinham seu espaço valorizado, os postos de trabalho foram altamente reduzidos, por isso sonhavam com uma vida melhor. Diversos nordestinos vieram principalmente por conta da seca que assolava os pequenos sitiantes. Essas pessoas vieram iludidas pelas promessas de ganhar terras, numa falsa ilusão de reforma agrária, essas famílias almejavam uma ascensão social. Via a migração como um meio de sobrevivência, assim como um colaborador ao qual iremos chamar de senhor R., migrante do estado do Mato Grosso para Rondônia no ano de 1973, relata:
Pelo motivo que nós trabalhávamos em fazenda em Mato Grosso, trabalhava arrendado, ficamos sabendo que Rondônia estava dando terra, e nós viemos pra Rondônia. Com muito sacrifico, nós viajamos, andamos de onde nós morávamos que era do fundo de Ouro Preto, lá eu andei cinco dia pra poder descobrir, andava durante o dia, a noite, nós em sete homens fazia um barraquinho e dormia e de manhã cedo fazia o café e seguia de novo pela picada do seringueiro caçando terra (Senhor R. 2014).
Para a família do senhor R., as terras de Rondônia era a esperança de uma vida melhor, morar na sua própria terra, mas quando chegaram ao estado não encontrou o que esperavam, para conquistar sua terra teve que passar por muitas dificuldades e ainda não teve seu lote gratuito como o governo havia prometido, segundo ele:
Devido nós termos marcado uma área num lote que na época o INCRA tinha mudado de regulamento, mudou o corte de terra, aí o nosso lugar que nós marcamos ficou sendo lateral de lote, aí nós perdemos nossa marcação e nisso ficamos sabendo que tinha um cara vendendo a marcação dele e nós compramos, esse é nosso sítio (Senhor R. 2014)
O fato ocorrido com esse migrante se repetiu com outras pessoas nessa mesma perspectiva, migraram em busca de terra que estava sendo anunciada como fácil e produtiva, porém ao chegar aqui encontraram dificuldades e tiveram que comprar sua terra, desta forma utilizaram suas economias que pretendiam construir a casa, a partir de então passaram por grandes necessidades financeiras e várias outras dificuldades.
O senhor A., 75 anos, também veio para o estado de Rondônia com o mesmo ideal de ganhar uma terra e ter uma vida melhor que o local que morava, em sua entrevista ele conta que:
A gente morava em Mato Grosso e tinha vontade de arrumar um pedacinho de terra, aí descobrimos que em Rondônia que tava anunciando terra aqui, que o INCRA tava dano terra. O estado de Rondônia se encontrava de Mato Grosso a Rondônia só areia e barreiro não tinha asfalto. Nós conseguimos a terra que nós cheguemos em Ouro Preto, aí paremos em Ouro Preto, aí não conseguimos a terra imediatamente pelo INCRA, aí fomos pra uma invasão de terra e viramos posseiro, conseguimos a terra através da posse da terra (Senhor A. 2014).
O que se pode observar através do relato do entrevistado, é que o mesmo migrou para Rondônia na promessa que o INCRA estava distribuindo terra, mas ao chegar aqui se deparou com uma realidade totalmente diferente, foi obrigado a invadir terras para não ficar prejudicado, até porque muito dos migrantes viam sem condições de voltar. Como o governo não deu conta de atender aos migrantes que cada vez mais vinham para Rondônia, a terra foi insuficiente para todos.
De um sonho individual o estado passou a ter um sonho coletivo, pois não foi bem como pensavam que seria, na verdade o que encontraram foi um grande espaço verde feito de nada. Como também foi o caso de outra entrevista que iremos chamar de senhora M., onde relata:
Em busca de uma vida melhor, por que na época no Paraná estava muito difícil as coisas, só tinha serviço como boia fria e a gente veio em busca de terra e melhores condições, por que na época Rondônia era conhecido como a “terra que corria leite e mel”. Tudo que se plantava dava. Então a gente veio com este sonho pra cá, de conseguir um pedaço de terra e de melhorar de vida, mais as coisas não foi tão fácil assim, mais as coisas não foi tão fácil assim, foi muito difícil quando nos chegamos aqui, por que era muito difícil, vim de Cuiabá pra cá, a estrada totalmente de chão, muito areia, um deserto de mata pra tudo quanto é lado, era mata, a estrada era deserta (Senhora M. 2014).
Segundo a entrevistada além de ter passado dificuldades no caminho, quando chegou à Rondônia não conseguiu terra como esperava, teve que trabalhar na terra de fazendeiros, esse período durou dez anos até conseguir comprar sua própria terra.
Diversos fatores negativos submeteram muitos migrantes: famílias que não beneficiadas com lotes por meio dos Projetos de colonização; sem possibilidades para comprá-los; contemplados com lotes de terras improdutivas; ausência de incentivos como financiamentos, estradas, mercado para venda dos produtos; aquisição de doenças e deficiência nos atendimentos médicos; a expulsão das terras ou venda a preços ilusórios para a formação de latifundiários.
Estes tiveram que se submeter a trabalhos temporários, como meeiros, em fazendas na derrubada de mato, outras voltaram para seus Estados de origem ou migraram para outros. Houve diversas ocorrências em que a esperança do migrante em ter a tão almejada posse da terra própria se transformou em ilusão.
Na verdade o que se aconteceu em Rondônia na época descrita foram questões como falta de justiça, luta por terras, assassinatos, trabalho escravo, doenças e conflitos com os povos da floresta, resumidamente a ocupação amazônica foi marcada por expropriação e violência. Violência essa que tanto foi cometida pelos migrantes, pela questão de invasão e destruição dos recursos naturais presente na mata que foram derrubadas e queimadas de forma desordenada, quanto os mesmos também foram violentados, por causa da falta de estruturas básica como estradas, escolas e hospitais, bem como também a fome, as doenças, os acidentes na derrubada da mata e, também, assassinatos e o conflito com indígenas.
2. Indígenas de Rondônia: Etnia Gavião Ikolen
Em meio às árvores, rios e animais que compõem a região amazônica há muito mais do que os olhos alcançam por meios de fotografias, ou histórias em livros, existem populações que têm suas culturas enraizadas àquele espaço, longe dos conflituosos lugares urbanos. Fazem parte dessa população os Povos Indígenas, Ribeirinhos, Quilombolas e Seringueiros que mesmo tendo seus direitos assegurados na Constituição ainda precisam batalhar para a consolidação de alguns deles.
Em busca de melhor elucidar as lutas pelas quais os povos da floresta passaram no período descrito acima, escolhemos os Povos Indígenas para ilustrar brevemente os processos e trajetórias percorridos, bem como as práticas exploratórias vivenciadas pelos Gavião Ikolen.
O povo indígena Gavião Ikolen habita a Terra Indígena Igarapé Lourdes, no Estado de Rondônia, município de Ji-Paraná, próxima a divisa com o estado de Mato Grosso, dividem essa T. I. com o povo Arara Karo.[‡] De acordo com Scaramuzza, “[…] a extensão geográfica de sua reserva corresponde a 185.534 Hectares. A homologação de seu território se deu pelo Decreto 88.609/83, cuja língua pertence à família Mondé do tronco Tupi.”.
Nesta Terra Indígena foi construída uma estrada para dar acesso às fazendas localizadas na região. Mindlin (2001) cita que de acordo com relatos dos indígenas Gavião Ikolen, eles são ocupantes antigos da margem do rio Machado (Ji-Paraná), que é afluente do rio Madeira.
De acordo com Oliveira (1990, p. 117) grande quantidades de etnias indígenas foram dizimadas, tiveram seus territórios invadidos e roubados, passaram por processos violentos, e posteriormente foram “[…] ‘cercados’ e confinados em reservas e parques, como se estes povos fossem animais selvagens a serem presos em zoológicos“. Sendo que seus territórios tradicionais foram reduzidos a porções de terra delimitadas pelo poder público. Perante o processo de colonização do estado:
A presença do índio nas terras passa a ser um obstáculo à política desenvolvimentista de integração nacional, carro-chefe e justificativa do governo federal para implementar a colonização.desse modo sobrou aos povos indígenas a pacificação e espoliação de seus territórios, para que as terras fossem liberadas e assumissem o seu caráter fundiário e de prosperidade privada (PERDIGÃO; BASSÉGIO, 1992, p. 38).
Antes de iniciar o processo de expropriação das terras em Rondônia, o povo Gavião vivia na floresta amazônica usufruindo dos recursos naturais sem destruí-los, mas com a política de ocupação criada pelo governo e com a chegada dos migrantes inicia-se a invasão, derrubada e queimada da área tradicional, os indígenas foram ficando sem os subsídios que tinham da floresta, pois acostumados a percorrer amplos espaços em busca de alimentos passaram a ter que viver em espaço menor. O colaborador, cacique Catarino Gavião descreve muito bem essa situação vivenciada por ele:
A terra aquele tempo era grande, não era demarcada, era nossa antigamente, antes de contato com homem branco, aí depois o governo demarcou a nossa terra, a terra do povo Gavião aqui município de Ji-Paraná tem 185 mil hectares de terra, esse 185,000 hectare de terra tem o povo gavião e Arara, tem duas etnias que moram na terra demarcada que a FUNAI demarcou pra nós, mas não são suficientes, que a terra é pequena para duas etnia, que nós caçamos muito, nós vivemos da caça e pesca, a gente tem que andar longe pra buscar a caça, pra nós é muito pequeno e nós precisamos de mais terra, o governo tem que dar mais terras pra nossa população, porque a população Gavião e o Arara estão aumentando (Catarino Gavião, 2014).
Com a chegada dos migrantes na década de 70, as terras que até então eram de pertencimento apenas dos povos Gavião e Arara passa a ser invadidas por seringueiros e posseiros e entre outros que também foram vítimas do processo de ocupação de Rondônia. Mesmo depois que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA- demarca o território indígena, continuam as invasões, que foram preciso alguns povos indígenas juntamente com o INCRA para tirar as famílias do território Igarapé Lourdes. O indígena Catarino Gavião relata: “[…] entrou branco invadindo nossa terra, aí quando foi em 85 e nós tiramos invasão da nossa terra, tinha 700 homens lá dentro invadindo nossa terra, plantando feijão, café e gado, e não queria sair, mas nós tivemos é coragem, nós enfrentamos o branco pra tirar da nossa terra[…]”.
Destacamos que além da invasão territorial da etnia, ainda desencadeou a exploração da força de trabalho dos indígenas da etnia Gavião pelos seringalistas e fazendeiros, que na perspectiva de Scaramuzza:
Destarte, é possível percebermos que foi a partir da década de quarenta do século XX que os indígenas Gavião começaram a ser inseridos no âmbito da sociedade não indígena, bem como a iniciar-se em atividades que eram de interesse dos não índios, como por exemplo, a coleta de seringa, que provavelmente tenha se dado nesse período (2010, p. 159).
Outro grande problema que também afetou a população indígena foi o contágio com doenças trazidas pelos migrantes. Os indígenas não tinham resistência a essas doenças, e pela ausência de um tratamento por parte do poder público, esse povos sofriam demasiadamente, muitos morreram. Catarino Gavião relata que:
[…] isso, índio não tinha antigamente, nem doença não tinha, nem malária não tinha aquele tempo depois que homem branco chegou aqui nessa Rondônia aí que o povo indígena começou a pegar malária pra sofrer, malária, hepatite essas coisa toda, não tinha não, era uma vida tranquila, hoje a gente lembra, todos os índio velhos hoje ainda lembra como vivia antigamente sem contato com homem branco né, eu não sei, não sei porque que veio contato com homem branco trouxe tanta doença para povos indígena, nós somos muito fracos com a doença de homem branco, a gente não sabe tratar quando índio pega gripe, tosse essas coisas, eles não sabem muito o que se tratar (catarino Gavião, 2014.
Famílias inteiras morreram por causa da malária, até mesmo a gripe ceifou a vida de muitos indígenas dessa etnia. A Fundação Nacional do Índio-FUNAI- levava remédios até as aldeias, mas não adiantava para muitos, pois seu estilo de vida havia sido modificado com o contato, isso custou à vida de mulheres, homens e crianças indígenas. Scaramuzza (2010, p. 159) nos diz que as situações ocasionadas durante o contato “[…] quase levaram a etnia indigna Gavião a total extinção, as doenças endêmicas, os conflitos agravados por invasores que adentravam o território indígena eram sérias problemáticas a ser enfrentadas por esta população.” Dessa forma, houve uma redução drástica da população.
Outro fator que interferiu no modo de vida do povo indígena Gavião foi o desmatamento desordenado na floresta amazônica, pois havia o incentivo do poder público para a derrubada, queimada e plantio para a agricultura. Além disso, ainda houve a exploração de madeireiras, de fazendeiros que derrubavam grandes quantidades para a plantação de pastagens. Assim, deitaram abaixo grande quantidade de árvores frutíferas, como é o caso das castanheiras que forneciam um alimento nutritivo para os povos indígenas. Segundo Catarino:
Temos a castanha chamada castanha do Brasil, pra dizer que o homem branco não pode desmatar e derrubar a floresta, porque é o castanhal que segura a floresta, o castanhal que é nativa, então tem que ter, a gente tem que cuidar muito e preservar esse castanhal que os índios tem, nós já perdemos muito nosso castanhal que a fazenda, a fazenda entrava tudo em nosso castanhal e antes de a demarcação da terra, então por isso nós perdemos o nosso castanhal, porque antes da demarcação da terra o fazendeiro derrubava, e o que sobrou que nós seguramos isso é muito importante pra nós (catarino Gavião, 2014).
A castanha faz parte do sustento das famílias indígenas, além disso, após o contato com os seringueiros o povo Gavião passou a comercializar a castanha, segundo os relatos do indígena Catarino Gavião, com dinheiro da venda da castanha eles compram roupas, utensílios, alimentos na cidade, isso ajuda muito na vida indígena. Além disso, o povo Gavião contribui com a economia do município de Ji-Paraná, pois a coleta da castanha da terra indígena Igarapé Lourdes abastece o mercado regional, além de outras regiões do país. Diante disso, desmistifica-se a ideia estereotipada do indígena que não contribuíram e não contribuem para a economia do país.
Algumas considerações
Diante dos dados observados constatamos que tanto a realidade dos povos da floresta, principalmente os povos indígenas que é nossa ênfase no estudo, quanto à realidade dos migrantes são distorcidas e nem foi considerado os motivos que levaram a praticarem as ocupações que foram incentivadas pelo governo, enquanto que aqueles também tiveram seus direitos violentados quando sem mais sem menos tiveram seus espaços invadidos e sua cultura degradada, sem contar as doenças que os índios contraíram com o contato com os não indígenas, que não tiveram como escapar e muitos morreram. Portanto a ocupação de Rondônia foi marcada por violência e expropriação.
Essa trajetória difícil vivida pelo índio é repercutida até os dias atuais, pois a visão que uma parcela da sociedade tem a respeito da cultura indígena é aquela etnocêntrica que não permite ver o “outro” como capaz, produtivo, “civilizado”, sendo que civilização possui um significado distorcido pela sociedade, pois civilizado não comete atrocidades, não acaba com vidas e culturas em nome do capital, onde os mais prejudicados são aqueles excluídos e menos favorecidos.
Temos uma história da colonização de Rondônia marcada por violências, expropriações de terras. Os migrantes que vieram em busca de uma vida melhor encontrou no estado uma realidade diferente daquela almejada. As terras foram insuficientes, considerando que a migração foi aumentando gradativamente, assim muitas famílias não tiveram seus sonhos realizados, ao contrário, iniciou-se um novo ciclo de sofrimento.
Referências
CARDOZO, Ivaneide Bandeira; VALE JUNIOR, Isael Correa (orgs.). Diagnóstico etnoambiental participativo, etnozoneamento e plano de gestão Terra Igarapé Lourdes. Porto velho (RO): Kanindé. 2012, p. 20
NEVES, Josélia Gomes. Cultura escrita em contextos indígenas. 2009. 367 p. Tese (Doutorado em Educação Escolar). Universidade Estadual Paulista. Araraquara, 2009.
_____________. Currículo Intercultural: processo de aplicação da Lei 11.645 /2008 nas escolas públicas da Amazônia. Revista Partes: SP. Disponível em: http://www.partes.com.br/2013/05/15/curriculo-intercultural/. Acesso em: 17 de outubro de 2013.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Amazônia: Monopólio, expropriação e conflitos. Campinas, SP: Papirus, 1990.
PERDIGÃO, Francinete; BASSEGIO, Luiz. Migrantes Amazônicos. Rondônia: a trajetória da ilusão. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
SOUZA, Murilo M. O. de; PESSÔA, Vera Lúcia S. A Contra-Reforma Agrária em Rondônia: colonização agrícola, expropriação e violência. In: V Encontro de Grupos de Pesquisa: Agricultura, Desenvolvimento Regional e Transformações Socioespaciais. UFSM. 2009. Disponível em: http://w3.ufsm.br/gpet/engrup/vengrup/anais/1/Murilo%20Mendonca_NEAT-UFU.pdf. Acesso em: 05 de março de 2015.
SCARAMUZZA, Genivaldo Frois. Lugar, Educação e Identidade em Transformação na Amazônia. In: AMARAL, José Januário de Oliveira; LEANDRO, Ederson Lari (orgs.). Amazônia e Cenários Indígenas. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2010.
Referência do artigo:
KUZMA, J. M; SILVA, A. B. GARCIA, G. R. B. O Alto Preço do Desenvolvimento Amazônico: relatos do processo de colonização em Rondônia. Revista Virtual P@rtes. 2016.
* Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Campus de Ji-Paraná. Membro do Grupo em Pesquisa em Educação na Amazônia (GPEA). Julianakusma@hotmail.com.
* Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Bolsista da coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior (CAPES). Pedagogia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia-UNIR. armelindabs@hotmail.com.
[*] Graduado em licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Campus de Ji-Paraná. Membro do Grupo em Pesquisa em Educação na Amazônia (GPEA). garciarbg.21@gamil.com
[†] A BR-364 recebeu o nome de Marechal Rondon em homenagem ao instalador da Linha Telegráfica Cuiabá-Porto Velho.
[‡] As duas etnias ocupam o território da Terra Indígena Igarapé Lourdes, mas as aldeias são separadas, diferente de outras T. I. do Estado de Rondônia que convivem povos distintos na mesma aldeia, que foram “empurrados” para esses espaços devido a colonização e a expropriação de seus territórios tradicionais.