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Olhares sobre documentos que fundamentam a História em situação escolar: CBC e PCN´s e os reflexos na prática escolar

Olhares sobre documentos que fundamentam a História em situação escolar: CBC e PCN´s e os reflexos na prática escolar

Lucas Cardoso de Moura*

RESUMO

Este artigo tem como objetivo refletir sobre os documentos oficiais que fundamentam a História em situação escolar em escolas públicas do estado de Minas Gerais, Brasil. Busca identificar as abordagens sobre as diferenças sociais e culturais, multiculturalismo, eurocentrismo. Para auxiliar na análise recorre-se a autores tais como: Santos (2009), Grosfoguel (2008), Silva (2000), Silva e Guimarães (2007), dentre outros. Utiliza-se também das notas campo registradas ao longo da disciplina Estágio Curricular Supervisionado I, realizada no curso de História da FACIP/UFU.

Palavras Chave: Currículo Escolar, Ensino de História, Estágio Supervisionado, Eurocentrismo, Multiculturalismo.

ABSTRACT

This article aims to reflect on the official documents that underpin the history in school situation in public schools in the state of Minas Gerais, Brazil. Identify the approaches on the social and cultural differences, multiculturalism, Eurocentrism. To assist in the analysis resorts to authors such as: Santos (2009), Grosfoguel (2008), Silva (2000), Silva and Guimarães (2007), among others. It is used also of the notes field recorded along the course Internship Overseen I held in the course of history of FACIP/UFU.

KEYWORDS: School curriculum, teaching of history, supervised internship, Eurocentrism, Multiculturalism.

INTRODUÇÃO

A escrita deste texto buscou refletir sobre os seguintes questionamentos:  Como os  documentos oficiais que regem o currículo são estruturados? O que eles dizem sobre as diferenças sociais, culturais e econômicas? Qual a perspectiva dos documentos? O que eles têm em comum? Está organizado em quatro partes. Na primeira registramos a estrutura dos documentos. Na segunda, refletimos sobre o multiculturalismo. Na terceira, identificamos as marcas do eurocentrismo. Na quarta relacionamos o que dizem os documentos com a História em situação escolar. Por fim, tecemos algumas considerações.

ESTRUTURA DOS DOCUMENTOS

Os Parâmetros Curriculares Nacionais  (PCNs) foram publicados em 1997. O documento registra temas que devem ser trabalhados, não delimita conteúdos. No caso dos PCNs de História, é registrado um olhar sobre a história da disciplina no Brasil. Ressalta a importância do trabalho com diferentes fontes e linguagens. O documento ressalta que o ensino de história deve ser vinculado a realidade social e cultural do aluno:

A História tem permanecido no currículo das escolas, constituindo o que se chama de saber histórico escolar. […] Nesse diálogo tem permanecido, principalmente, o papel da História em difundir e consolidar identidades no tempo, sejam étnicas, culturais, religiosas, de classes e grupos, de Estado ou Nação. (BRASIL, 1998, P. 29)

É possível evidenciar permanências no ensino de História: o seu papel na formação de identidades. Com a aprovação e publicação dos PCNs, verificou-se, por parte dos professores, a dificuldade em trabalhar com o documento. Dessa forma os estados nacionais buscaram diferentes estratégias para garantir que os PCNs fossem trabalhados no cotidiano das escolas brasileiras. No estado de Minas Gerais foi criado o  documento intitulado Conteúdo Básico Comum (CBC).

O CBC de História foi publicado em 2008. Os autores especialistas na área de história que produziram o documento são: Lana Mara de Castro Siman – Coordenadora, Luiz Carlos Villalta, Maria Therezinha Nunes. Tem por objetivo direcionar o professor para algumas prioridades de conteúdos que devem ser trabalhados em sala de aula. Em sua estrutura traz algumas discussões teóricas em relação a vários campos da história como: história social, história cultural, ensino de história e outros.

MULTICULTURALISMO NOS DOCUMENTOS

Lembramos que o multiculturalismo é um termo polissêmico, pode ser entendido com uma perspectiva crítica transformadora, ou apenas assimilacionista, na qual entende-se que existe uma diversidade de cultura, mas que os “outros” devem assimilar a cultura dominante.

Parte do princípio de que a sociedade possui um emaranhado de culturas misturadas e mescladas entre si, mas, que em seu âmbito possui uma cultura que é a padrão, a cultura e sociedade branca. É nesta perspectiva que indagamos a ideia de multiculturalismo, que só traz a ideia de respeitar as diferenças e nunca problematizá-las. Desta maneira o que temos é apenas uma tolerância entre os indivíduos, e a afirmação de uma cultura dominante, a cultura branca, europeia, heterossexual, e capitalista.

Em ambos os documentos trazem orientações sobre o multiculturalismo, mas nenhum deles busca a problematização da questão multicultural. O que se tem é o respeito pela diversidade, conceito que não é suficiente para solucionar ou pelo menos melhorar a questão de preconceitos em relação a sociedade brasileira e também mundial, uma vez que o padrão europeu é  considerado como referência. Para deixarmos ainda mais claro a questão de se problematizar a palavra diversidade retomamos as palavras do professor Peter Mclaren:

Este livro segue o trabalho de multiculturalistas, na tentativa tanto de desbancar os ataques conservadores ao multiculturalismo como os paradigmas liberais sobre este; tais paradigmas, em minha opinião, simplesmente representam ideologias neoliberais e conservadoras sob um manto discursivo de diversidade. (MCLAREN, 2000, p.20)

Concordamos com Silva (2000, p.87) ao afirmar: “Identidade e diferença são resultados de atos de criação, não são elementos da natureza, não são essências, não são coisas que estejam simplesmente aí, à espera de serem reveladas ou descobertas, respeitadas ou toleradas”

Em particular sobre o processo de ensinar e aprender História indagamos: como ensinar história no campo multicultural que vivemos nas escolas? Para respondermos esta questão devemos ressaltar a importância dos documentos que baseiam as políticas públicas, devemos investir em uma melhor preparação dos profissionais da educação, não apenas dos professores, mas também de toda a escola. Em um âmbito mais geral devemos procurar formar cidadãos pensadores sobre os diferentes campos de suas realidades, que consigam transformar seus diferentes campos de vivências:

Por último, acreditamos que a construção de uma proposta curricular temática e multiculturamente orientada, de uma perspectiva crítica e transformadora, depende de muito mais que uma reforma nos textos das diretrizes curriculares. Depende, entre outros fatores, de políticas de formação e profissionalização docente. Exige de nós, professores de história, sensibilidade, postura crítica e reflexão sobre nossas ações, sobre cotidiano escolar, sobre as relações sociais e culturais que experienciamos no século XXI.  (SILVA, GUIMARÃES, 2007, p.64)

Os autores ressaltam a necessidade de investir na formação de professores e na profissionalização docente, e dessa forma, as mudanças nas práticas escolares podem se fazer mais presentes. No caso do multiculturalismo concordamos com McLaren (2000) ao declarar que o discurso da diversidade e da inclusão é, muitas vezes, predicado com afirmações dissimuladas de assimilação e consenso, que servem como apoio aos modelos democráticos neoliberais de identidade, buscando assimilar as diferenças, tornando a diferença semelhante. É preciso ir além.  Devemos mudar as abordagens sobre a diversidade, devemos tratá-las como diferenças que devem ser problematizadas. Precisamos ainda tentar uma estruturação em geral de nossa sociedade e não apenas de uma pequena parcela, buscando mudanças nos diferentes documentos que baseiam nosso sistema educacional. E, por fim, buscar na história e em outras disciplinas a formação do indivíduo como cidadão e também como sujeito ativo na sociedade, que possa proporcionar mudanças em sua realidade social.

 

AS MARCAS DO EUROCENTRISMO NOS DOCUMENTOS OFICIAIS

A palavra eurocentrismo tem haver com a Europa sempre no centro das discussões, mesmo quando se referem, por exemplo, ao estudo da América Espanhola ou Portuguesa partem da concepção Europeia e não das regiões colonizadas. O eurocentrismo deve ser repensado, pois interfere em diversos estudos, traz a ideia de maniqueísmo, de tudo que vem da Europa é verdadeiro, bom e tudo que vem de outras regiões do mundo como África e América são ruins ou falsas. Santos (2009), refere-se a um pensamento abissal, uma linha imaginária que separa os colonizadores dos colonizados. O pensamento do Norte detém o conhecimento e o direito, enquanto o Sul é o universo das crenças e dos pensamentos incompreensíveis. Para superar esse pensamento abissal, o autor propõe um pensamento pós-abissal.

Em ambos os documentos, PCNs e CBC fica claro a ideia de eurocentrismo, em estudos de América e África se parte das concepções europeias e não americanas ou africanas. Destacamos, a seguir um dos objetivos do CBC que expressa o conteúdo que deve ser estudado no ensino fundamental em relação a expansão marítima e a colonização da América portuguesa.

3. Os primeiros europeus: os portugueses do Reino

3.1. Identificar e caracterizar a cultura europeia e portuguesa nos séculos XV e XVI. 3.2. Analisar o contexto e motivações para o início da colonização portuguesa no Brasil. (MINAS GERAIS, 2008, p.22)

 Iremos citar um exemplo do documento das PCNs, para percebemos que os dois documentos tratam e trazem em si o eurocentrismo.

estudar a História e o contexto de como foram construídas e denominadas as clássicas divisões da História em Pré-História e História, que repercutem na dificuldade do estudo da História de povos que não desenvolveram a escrita; – estudar os contextos em que a História foi dividida em períodos,como Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna, ou Brasil Colônia, Brasil Império etc.; (BRASIL, 1998, p.97)

Para concluirmos este tópico devemos ressaltar que para que as mudanças ocorram devemos lutar juntos, tanto professores e toda a sociedade, pois as heranças deixadas pela colonização não foi apenas capitalista em sentido econômico, mas capitalista na cultura padrão branca, heterossexual, machista entre outros aspectos que estão enraizados em nossa sociedade. Assim finalizamos este tópico com a busca por mudanças, que podem se transformar em realidade, depende apenas de lutarmos e desconstruirmos tais aspectos europeus. Isso não significa negar a influência europeia na formação do povo brasileiro, mas trabalhar, de forma igualitária, outras influências que marcaram nossa formação tais como as matrizes africanas e indígenas.

 

CONTROVÉRSIAS ENTRE OS DOCUMENTOS OFICIAIS E A PRÁTICA ESCOLAR

Por meio das observações realizadas em um escola pública periférica localizada na cidade de Ituiutaba, MG, Brasil, percebemos alguns aspectos nos currículos que não estão presentes na prática escolar dos estudantes, desta maneira iremos ressaltar diferenças em relação ao que dizem os documentos e a realidade escolar. Os PCNs enfatizam:

– utilizar as diferentes linguagens. verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e corporal . como meio para produzir,expressar e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados,atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação; (BRASIL, 1998, p.7)

Identificamos que o documento traz orientações para que os alunos tenham contato com os diferentes tipos de atividades artísticas, como: atividades plásticas, desenhos, contato com os diferentes tipos de tecnologias como acesso a informática, produções públicas, ou atividades musicais. Por meio das observações no decorrer do Estágio, não foi possível evidenciar a presença do uso destas linguagens na sala de aula.

Em muitos aspectos os documentos possuem perspectivas interessantes, mas na prática estes objetivos não são desenvolvidos. As vezes a escola se preocupa muito mais com que o aluno veste, ou se preocupam em não deixar os alunos comerem guloseimas, assim  percebemos que as escolas precisam avançar muito, pois em muitos aspectos o objetivo não é desenvolver ou construir o conhecimento com os alunos, e sim controlar os alunos. Em muitas das vezes os alunos se sentem oprimidos por um sistema educacional que não se detém a evolução do estudante, mas prioriza o controle por meio da opressão.

Com algumas observações em algumas escolas percebemos que as mesmas mais parecem um sistema carcerário do que uma escola. Não se possui um lugar de recreação, olhamos para todos os lugares e só percebemos grades e fechaduras, a todo o momento um inspetor ou um supervisor está presente, fazendo diversas pressões nos alunos. A maioria das escolas possui um tipo de ensino, ou um modelo de se lhe dar com os alunos com atitudes conservadoras e que já estão ultrapassadas, as escolas e o sistema educacional quer um resultado dos alunos que não se oferece em suas realidades cotidianas, ou seja, o estado quer um retorno que não oferecem.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS              

Concluímos que os diferentes documentos que analisamos neste trabalho, os PCNs e o CBC possuem uma teoria interessante e pertinente, mas na prática não percebemos nem sessenta por cento do que é proposto por esses documentos, ou seja, a prática esta defasada e precisa de uma reestruturação. Sabemos que para ocorrer às devidas mudanças não será fácil, mas precisamos unir escola e comunidade para melhorarmos a situação de nossos alunos que serão o futuro do Brasil e consequentemente o futuro da nação mundial.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. SANTOS, Boaventura Sousa e MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. Edição Almedina S/A, Coimbra, 2009.

GUIMARÃES, Selva e SILVA, Marcos A. Ensinar história no século XXI: em busca do tempo perdido. Campinas, SP: Papirus, 2007.

MCLAREN, Peter. Multiculturalismo Revolucionário – Pedagogia do dissenso para o novo milênio. Porto Alegre: Artes Médicas do Sul, 2000. (Introdução)

SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

SANTOS, Boaventura Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. SANTOS, Boaventura Sousa e MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. Edição Almedina S/A, Coimbra, 2009.

DOCUMENTOS:

Parâmetros Curriculares Nacionais, PCN´s, 1998. Brasil.

Conteúdo Básico Comum, CBC, Minas Gerais. 2008. Brasil.

Como ser citado: MOURA.L.C. Olhares sobre documentos que fundamentam a História em situação escolar: CBC e PCN´s e os reflexos na prática escolar. P@rtes (São Paulo). Outubro de 2016.

 


*Lucas Cardoso de Moura é graduando do curso de História da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal da Universidade Federal de Uberlândia – FACIP/UFU. mouralucascardoso@hotmail.com.

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