O QUINTO ELEMENTO OU A QUINTA FORÇA?
Margarete Hülsendeger
O universo nos torna humildes. A natureza esconde muitos de seus mistérios mais interessantes. Mas os cientistas são arrogantes o suficiente para achar que podem solucioná-los.
Lisa Randall (Batendo à porta do céu)
Em 1997 estreava “O Quinto Elemento”, um filme escrito e dirigido pelo francês Luc Besson. Em seu elenco, Bruce Willis, Gary Oldman, Milla Jovovich, entre outros. Na produção, os quadrinistas Jean Giraud e Jean-Claude Mézières e no figurino, o estilista Jean-Paul Gaultier.
A trama ocorre em 2263 quando uma ameaça alienígena só poderá ser evitada pela conjugação de quatro pedras sagradas, representando os quatro elementos – água, ar, fogo e terra – além do quinto elemento, corporificado pela extraterrestre Leeloo (Milla Jovovich). O personagem de Bruce Willis (Korben Dallas) era o herói da história, cabendo a ele encontrar as pedras, proteger Leeloo e pôr fim à ameaça extraterrestre.
A história era bem bobinha – uma mistura de gêneros (fantasia científica, ação, comédia e Techno-thriler) – e, em alguns momentos, bastante inverossímil – aliás, como a maioria dos filmes de ficção científica. No entanto, para uma sessão da tarde, comendo pipoca, pode se tornar uma escolha interessante, principalmente pelo visual e o humor.
Nesse momento, depois de ler os três parágrafos anteriores, você deve estar se perguntando: “O que isso tem a ver com a Física?”. A história em si pouca coisa, mas alguns detalhes do enredo até têm alguma relação. Por exemplo, os quatro elementos.
Esse conceito tem sua origem no Ocidente, na Grécia antiga, entre os filósofos pré-socráticos. Segundo Aristóteles, os quatro elementos comporiam tudo o que existe na superfície da Terra, determinando, inclusive, o comportamento e a natureza dos corpos. Assim, o ferro e os metais seriam constituídos principalmente pelo elemento Terra sendo atraídos por ela, enquanto os seres humanos teriam nas suas constituições os quatro, porém, em quantidades diferentes. Doenças, e até mesmo o tipo físico, eram determinados a partir da presença ou ausência de qualquer um desses elementos. Assim, uma pessoa era considerada “colérica” porque em seu corpo predominava o elemento fogo, enquanto outra poderia ser “sanguínea” se o elemento predominante fosse o ar.
Atualmente, o modelo padrão da Física não se baseia na existência dos quatro elementos, mas em quatro forças fundamentais – gravidade, eletromagnetismo, força forte e força fraca. A primeira explica porque os corpos caem e a Terra gira em torno do Sol. A segunda descreve os fenômenos elétricos e magnéticos. E as duas últimas atuam em escala atômica, explicando o comportamento das partículas subatômicas e a coesão da matéria. Assim, é possível perceber que, apesar das diferenças conceituais, existe uma relação importante entre os quatro elementos dos gregos e as quatro forças fundamentais da Física: as duas concepções têm o objetivo de explicar os fenômenos naturais.
“Tudo bem” – você deve estar querendo dizer. – “E o quinto elemento mencionado no filme, ele existe realmente ou é uma invenção?”
Para os gregos? Com certeza ele existia e era denominado de quintessência ou elemento “perfeito”. A substância da qual era constituído chamava-se éter. No entanto, esse quinto elemento não era encontrado na Terra, mas apenas no plano cósmico ou celeste, ou seja, na Lua, no Sol e nas estrelas. Foram as observações de Galileu, da superfície da Lua e das manchas solares, – tornando evidente a “imperfeição” cósmica – que lançaram as primeiras dúvidas sobre o conceito de “elemento perfeito” permitindo que ele fosse mais tarde derrubado.
E hoje, como essa ideia é tratada? Eu diria que com cautela e otimismo.
Cautela porque, mesmo que a Física não fale mais em “quinto elemento”, não está descartada a existência de uma quinta força ou interação[1]. O problema é que até o momento o assunto se encontra na fase da formulação teórica. Para que essa ideia seja levada a sério é preciso realizar experimentos rigorosos que confirmem a presença de uma partícula responsável por esse tipo de força.
Contudo, o otimismo entre os cientistas é muito grande. Afinal, se essa partícula realmente existir ela poderá explicar porque os corpos, mesmo distantes por milhões de quilômetros, podem se “comunicar”. Esse fenômeno, chamado atualmente de “emaranhamento quântico”, vem assombrando os físicos desde o tempo de Newton, pois nunca foi encontrada a sua causa. E mesmo que hoje os cientistas considerem esse comportamento “normal” – quando se trata de partículas subatômicas – seria melhor, ou mais simples, poder medi-lo e analisá-lo sem precisar recorrer a teorias que até mesmo alguns físicos consideram “mirabolantes”.
O espetacular de tudo isso é que, em 2010, os cientistas que trabalhavam no acelerador de partículas Tevatron, nos E.U.A., quase conseguiram detectar essa partícula. A má notícia é que se observou apenas um pico de energia, portanto, um evento rápido e de difícil reprodução. A boa notícia, no entanto, é que os experimentos até agora realizados permitiram eliminar as forças já conhecidas. Assim, quando essa quinta partícula resolver reaparecer, os cientistas têm esperanças de conseguir identificá-la.
É óbvio que Luc Besson, quando escreveu e dirigiu “O Quinto Elemento”, não pensou em nada disso. Entretanto, assim como já ocorreu outras vezes, a ficção e a ciência mostraram estar mais próximas do que imaginávamos. Afinal, é preciso reconhecer que por diversas vezes a ficção se antecipou à ciência, atuando como uma espécie de oráculo do futuro. De qualquer maneira, o importante quando se trata do estudo dos fenômenos naturais é – como disse o escritor inglês Arthur Clarke (1917-2008) – descobrir os limites do possível, mesmo que para isso seja preciso aventurar-se um pouco mais à frente deles, indo até o impossível.
[1] Na verdade, a Física moderna não usa mais as expressões “força e interação”. Hoje o conceito utilizado é o de “campo” que seria uma espécie de perturbação criada em torno de qualquer corpo e podendo ser sentido por outros corpos.
HÜLSENDEGER, MARGARETE . O QUINTO ELEMENTO OU A QUINTA FORÇA?. REVISTA PARTES, SÃO PAULO, 04 ago. 2016.