Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

A banca de jornal

Crédito da foto: http://morguefile.com/search/morguefile/2/newspaper/pop

Gilda E. Kluppel

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Ele, dono de uma banca de jornal, no centro da cidade, costuma analisar as pessoas pelos jornais e revistas que compram. Sempre gostou de leitura, herdou do pai a banca de jornal, instalada em um ponto estratégico da cidade. Precisou diversificar as vendas, conforme a necessidade do mercado, ampliou a variedade de produtos, de refrigerantes até guarda-chuvas, transformando a banca em uma loja de conveniência. Culpa a internet pela diminuição da venda de jornais e revistas, agora os leitores apressados necessitam apenas de informações atualizadas e sintéticas.

Mantêm expostas, num quadro de vidro, as capas de revistas antigas “O Cruzeiro”, “Manchete” e “Grande Hotel”. Aprendeu a se interessar por leitura ao frequentar, quando criança, a banca de jornal do pai. Um espaço mágico para deliciar-se com as inúmeras revistas em quadrinhos, entre elas, “O Recruta Zero” e “Batman”, as suas preferidas, além das belas coleções em fascículos para encadernar. Pretendeu ganhar o prêmio Nobel quando iniciou a coleção de “Os Cientistas”, em que fazia parte da revista o fascículo, o kit e o manual de instruções, ainda guarda as caixas de isopor com as peças utilizadas para realizar os experimentos. Motivo de admiração dos colegas da escola, as figurinhas, conseguia receber por primeiro as novas remessas para completar vários álbuns.

Durante a adolescência espiava, escondido do pai, os livros de Cassandra Rios, afinal, uma escritora chamada de maldita, despertava o seu interesse. Lamenta que muitas revistas desapareceram quando, no tempo da ditadura, a banca tornou-se alvo da repressão, por vender publicações da chamada imprensa alternativa, entre elas “O Bondinho” e “O Pasquim”.

Lembra que, naquele tempo, as pessoas costumavam conversar mais, toda a segunda-feira, seguramente, a discussão girava em torno dos resultados da rodada de final de semana do futebol. Acredita que as pessoas dispunham de mais tempo, hoje a maioria tem pressa e a conversa que interessa é a realizada pelo smartphone.

Talvez pelo fato do bate papo com os clientes se tornar escasso, habituou-se a enquadrar as pessoas conforme as revistas e os jornais comprados. Esse é o seu passatempo preferido, encontra uma lógica para as personalidades e as preferências. Formou um tipo de arquivo subjetivo das pessoas que analisa. Entre características pessoais, sensíveis, preocupadas, ansiosas, mentirosas, carinhosas, fúteis, amorosas, entre outras. E também de acordo com a ideologia, esquerda, conservadora, extrema-direita.

Toma ares de investigador, sempre encontra um cliente que o intriga, da última vez, um senhor sóbrio, aparentando aproximadamente cinquenta anos que caminha lentamente, sempre acompanhado de um velho cão. Ele costuma vestir-se com roupas escuras e compra revistas de todos os gêneros, não se prende a um determinado formato ou linha ideológica. Toda a vez em que tenta conversar com o senhor, recebe um olhar de repreensão. O homem não gosta de falar e não se expõe. Assim, não conseguia classificá-lo em nenhum de seus arquivos.

Mais uma vez, a imaginação superou a realidade, ao descobrir, quando folheava uma revista, a foto do homem e o enigma desvendado, tratava-se de um pesquisador que realizava um trabalho sobre a mídia impressa. Não mais um suspeito de um delito ou um criminoso minucioso. Ainda envolvido pelos antigos livros de bolso, principalmente a fascinante obra de Agatha Christie, na qual ocasionava um grande prazer a procura pelo criminoso. Logo, a realidade torna-se banal, distante de seus livros de suspense. Percebeu que, ao sentir-se sozinho, voltava a magia da banca de jornal e necessidade da revelação de supostos mistérios, muito bem engendrados em sua imaginação.

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