OS DESAFIOS DE SER PROFESSOR DE HISTÓRIA EM UM ESPAÇO MULTICULTURAL: REFLEXÕES A PARTIR DO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO
José Fernandes da Cruz Neto*
RESUMO
Este artigo, tem como objetivo refletir sobre os desafios da prática docente a serem enfrentadas pelo professor ao ensinar História na educação básica. O texto é resultado de reflexões realizadas a partir da experiência proporcionada pela disciplina Estágio Curricular Supervisionado oferecida pelo Curso de História da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal da Universidade Federal de Uberlândia – FACIP/UFU. O Estágio foi efetivado na Escola Municipal Machado de Assis, localizada na cidade de Ituiutaba, MG, Brasil no ano de 2015, com estudantes do terceiro ano do Ensino Médio. A temática das aulas foi relacionada à Revolução Cubana. Concluiu-se é importante o professor problematizar as diferenças que marcam a sala de aula e que ao ensinar História é importante considerar os saberes do jovens estudantes, bem como mobilizá-los a buscar aprofundar seus conhecimentos. Para isso, as diferentes fontes e linguagens podem ser um aliado do professor.
Palavras chave: Ensino de História; Estágio Curricular Supervisionado; Multiculturalismo.
ABSTRACT
This article has the objective to reflect over the challenges of the teaching practice of a history teacher. This article is the result of the experience acquired during the discipline of Internship IV, offered by the History course of the Faculdade de Ciências Integradas do Pontal da Universidade Federal de Uberlândia – FACIP/UFU. The Internship happened at Escola Municipal Machado de Assis, located at the city of Ituiutaba, MG, Brasil in the year 2015, with students from the third grade of elementary school. The classes approached the themes of the Cuban revolution. IT is possible to conclude that it is important that the teacher problematize the differences presents in the classroom and while teaching history, it is important to considered the knowledge of the students, as well as mobilize them and deepen their knowledge. To do that the teacher must use different approaches to connect the teacher and the students.
Key Words: Internship, History teaching, multiculturalism
Introdução
Ao longo de vários anos e precisamente desde o século XX, grandes debates e problemáticas acerca da educação são levantados por educadores, professores e pesquisadores. Nesse artigo, considero além dessas reflexões, o relato sobre a experiência que vivida no segundo semestre de Estágio IV, na Escola Municipal Machado de Assis, da cidade de Ituiutaba-MG, no ano de 2015, no terceiro ano do Ensino Médio. Defini como objetivo do texto refletir sobre o processo de ensinar e aprender história no ensino médio, tendo como conteúdo histórico a Revolução Cubana
A escola e os sujeitos
Desenvolvi o estágio na Escola Municipal Machado de Assis, que se localiza na cidade de Ituiutaba, no Estado de Minas Gerais. O professor supervisor possuía mais de 20 anos de experiência na Educação Básica. Observar suas aulas foi fundamental para o meu processo de formação. No período das observações foi possível perceber os desafios enfrentados pelo professor no processo de “ensinar” e “aprender” História.
Nesse sentido, considero fundamental partir do pressuposto que “ensinar” não é algo homogêneo e muitos menos monopolizado, além do professor “dito” detentor do saber” é importante considerar que os estudantes são sujeitos de saberes. Concordo que o professor não é o detentor de um saber absoluto ou correto, mas um “mediador” e um produtor e reprodutor de conhecimentos. Um sujeito que recorre a vários saberes no cotidiano de suas aulas.
O estágio, foi dividido em duas principais fases; a primeira de observação de algumas aulas do professor em diferentes turmas; e a segunda na produção e desenvolvimento de uma sequência didática. Dessa forma, pude conhecer e conviver com diferentes sujeitos da escola.
Desde o início do estágio IV, ampliei o contato com os estudantes dessa instituição. Identifiquei várias diferenças que caracterizam o corpo discente da escola. Era recorrente ouvir por parte de professores e especialistas sobre a importância de considerar a diversidade, porém não evidenciei ações concretas que problematizasse as diferenças.
Nesse sentido, tomo como princípio, a reflexão de Mclaren (2000) quando alerta os educadores para a necessidade de incorporar e ir além da diversidade. Pois em meio ao complexo e turbulento movimento de diferentes sujeitos , procurei desenvolver um olhar atento às particularidades e subjetividades. Não atentar a tais questões poderia recair em pré-conceitos e em uma generalização.
Nessa perspectiva, busquei o cuidado em tratar e entender o termo multiculturalismo nessa realidade, pois poderia como afirma Mclaren (2000) fazer um discurso da diversidade e da inclusão que é, muitas vezes, predicado com afirmações dissimuladas de assimilação e consenso, que servem como apoio aos modelos democráticos neoliberais de identidade, buscando assimilar as diferenças, tornando a diferença semelhante. Então, procurei sempre dar voz e compreensão às diferenças e subjetividades de cada aluno que ao longo de meses tivemos o prazer de conviver.
Optei por trabalhar com os jovens estudantes na turma “C” do terceiro ano do ensino médio. Uma turma, como toda escola, com seus diferentes sujeitos: diferença de gênero, classe social, raça e etnia etc. Em comum esses sujeitos são jovens. Concordo com Dayrell e Carrano (2014) ao afirmarem que é necessário considerar a condição juvenil. Para os autores, condição juvenil refere-se a maneira de ser a situação de alguém perante a vida e a sociedade, refere-se como a sociedade atribuiu significados a esse momento da vida de cada sujeito. Ao entender esse “ser jovem” pude pensar na perspectiva que Dayrell e Carrano (2014) ao reforçarem que esses jovens não são feitos na escola – apesar da escola contribuir à isso- eles tem suas particularidades, subjetividades, espaços diferentes, os quais contribuem para formação de seu ser. Na continuação deste texto apresento algumas reflexões sobre uma sequência didática trabalhada com estes jovens estudantes.
O desenvolvimento da sequência didática: algumas considerações
Uma das condições colocadas pelo professor supervisor foi que continuasse seguindo o planejamento da turma. No período de desenvolvimento das regências o conteúdo a ser trabalhado era a Revolução Cubana. Com o apoio do professor supervisor (da escola campo de estágio) e do professor orientador (da universidade) produzi uma sequência didática abordando a Revolução Cubana de forma geral e o foco principal consistiu em mobilizar os estudantes a compreenderem conceitos que acreditamos ser importantes na formação crítica e cidadã de cada estudante. Esses conceitos foram: REVOLUÇÃO, GUERRILHA E DITADURA.
Em acordo com o professor supervisor fiquei responsável pelo desenvolvimento da sequência didática que foi composta por 3 aulas de 50 minutos. A primeira etapa da primeira aula, além da minha apresentação fomentei um diálogo com os estudantes considerando a realidade política no Brasil atual. Para estimular o debate questionava o que eles estavam acompanhando nas redes sociais. Ao longo do debate procurei enfatizar os conceitos de Revolução, Guerrilha, Ditadura. Após o debate inicial pedi que reunissem em grupos de quatro estudantes e construissem um glossário no qual definiam os conceitos discutidos. Os alunos, portanto, diante de nossa proposta, mostraram-se interessados, fazendo questão de enfatizar aquilo que eles compreendiam dos conceitos propostos. Acredito que a proposta foi de grande valia, pois os estudantes sentiram-se protagonistas. A atividade apresentou sinais da cultura histórica dos jovens estudantes e que é imperativo que o professor conheça e dialogue com essa cultura.
A segunda etapa de nossa aula, se deu em apresentação do conteúdo, ou seja a Revolução Cubana, sempre salientando os momentos que os conceitos que eles tiveram oportunidade de definir estava presente no tema. Dessa forma, entregamos à cada um dos alunos um texto que produzi amparado em estudos realizados na disciplina História da América, abordando o contexto histórico da Revolução Cubana. Ainda assim, a aula aconteceu com uma leitura metódica do texto, sempre pausando em algumas palavras ou conceitos que eles não tinham conhecimento e discutindo os mesmos com os estudantes. Dessa maneira, acredito que essa segunda etapa, contou com a participação dos estudantes. Perguntas e questionamentos, foram feitos por uma grande parcela dos jovens discentes, no entanto alguns grupos estiveram mais dispersos nessa etapa de apresentação do conteúdo.
Na terceira aula iniciei fazendo uma retomada do que tínhamos visto nas últimas aulas em relação ao conteúdo trabalhado. Recorri a um mapa geopolítico levado à sala de aula para melhor localização dos locais que tínhamos nos referido. A proposta desta aula consistiu em relacionar a história local com a história global, para isso recorri a imprensa local, destacando como os jornais da cidade de Ituiutaba, MG, Brasil abordaram a Revolução Cubana (1959).
Considero que a utilização da imprensa (jornais e revistas) como qualquer outra fonte, são importantes registros de dimensões históricas do passado e do presente. Por meio deles é possível captar tendências das mudanças, das rupturas, das continuidades, por exemplo, dos projetos políticos, dos movimentos sociais, etc. Com a modernização dos meios de comunicação de massa e a velocidade da circulação de informações do mundo inteiro. Isto requer do professor uma permanente atualização e, como leitor crítico, cidadão, deve proceder à análise e crítica na sala de aula, sempre com o cuidado de situar a matéria no contexto de sua produção. Os jornais e revistas são importantes aliados do professor, fornecem materiais diversificados que ampliam o ensino e a aprendizagem. Possibilitam um enfoque interdisciplinar.
Esse momento, teve uma apresentação de jornais da cidade de Ituiutaba-MG, no ano de 1959, em suas representações e notícias feitas sobre a Revolução Cubana. Os estudantes leram as notícias sobre a Revolução Cubana veiculadas nesses periódicos. Apresentei alguns sujeitos que compunham esses jornais. Procuramos estabelecer relações entre a história local e os acontecimentos internacionais, no caso, a Revolução Cubana. Nessa aula, os estudantes participaram ativamente. Questionaram sobre amplitude desses jornais, se eles eram de grande circulação. Percebi, entretanto, poucos conhecimentos prévios dos estudantes ao trabalhar com fontes históricas, pois não sabiam do potencial desses periódicos para se construir narrativas históricas, nem mesmo acreditavam que esse tipo de fonte poderia ser trabalhado em salas de aula.
Para finalizar a sequência pedi para que retomasse os grupos da primeira aula e que refizessem a atividade do glossário, incorporando os saberes históricos apropriados ao longo das últimas aulas. Essa atividade permitiu a identificação das mudanças propiciadas pelo diálogo empreendido nas últimas aulas. Desde o primeiro contato e exposição sobre tema, evidenciei diferenças atenuantes em cada estudante.
Considerações finais
A experiência proporcionada pela disciplina Estágio Curricular Supervisionado possibilitou reflexões acerca dos desafios da profissão docente. Evidenciei que a escola é um espaço caracterizado pela diferença. Essa diferença é produzida e não natural. Concordo com Silva (2000), ao afirmar que a Identidade e a diferença são resultados de uma construção, uma criação, elas não são neutras e muito menos não dependentes de criticidade. Tais construções devem ser problematizadas nas aulas e não contentarmos com uma educação multicultural na versão assimilacionista que prega apenas a tolerância e na melhor das hipóteses o respeito. Isso é na verdade uma fuga do debate e da aceitação de diferenças no campo escolar, sendo o multiculturalismo que está posto nos currículos uma saída para não evidenciar as diferenças.
Compartilho com Mclaren (2000) quando assevera que o termo multiculturalismo foi criado para indicar uma política de tolerância, em que se prezava as diferenças culturais. Pois a grande questão é que o multiculturalismo se tornou algo de aparelhamento, assimilação, a ideia em que, se deve “respeitar” as diferenças, sendo assim não necessita mais as lutas e questionamentos. Nesse sentido, entendo que as diferenças no campo educacional e no currículo é que devem fazer parte do processo educativo. Portanto, vou ao encontro da proposta de Silva (2000):
Um currículo e uma pedagogia da diferença deveriam ser capazes de abrir o campo da identidade para as estratégias que tendem a colocar seu congelamento e sua estabilidade em xeque: hibridismo, nomadismo, travestismo, cruzamento de fronteiras. Estimular, em matéria de identidade, o impensado e o arriscado, o inexplorado e o ambíguo, em vez do consensual e do assegurado, do conhecido e do assentado. Favorecer, enfim, toda experimentação que torne difícil o retorno do eu e dos nós ao idêntico (SILVA, 2000, p.15).
Na perspectiva de uma educação que preza as diferenças e não um multiculturalismo que é assimilacionista, podemos pensar uma educação intercultural, que leve em conta uma interação de culturas diferentes e seus sujeitos. Ressalto os estudos de Cadau (2014), que leva essa ideia de educação intercultural como contraposição de um ensino monocultural. Pensando nessa perspectiva no campo do ensino de História, ainda prevalece as marcas de um currículo eurocentrico. Um desafio é ressaltar as histórias silenciadas de outros tantos sujeitos como por exemplo dos africanos e afrodescendentes e indígenas da América.
Particularmente sobre ensinar História, foi evidente a importância de considerar os saberes dos jovens estudantes, buscar o interesse dos mesmo e mobilizá-los para o processo de ensino e aprendizagem. Nesse processo a incorporação de diferentes fontes e linguagens pode ser fundamental. Concordo com Guimarães (2012) ao salientar que ao incorporar diferentes linguagens no processo de ensino de história, reconhecemos não só a estreita ligação entre os saberes escolares e a vida social, mas também a necessidade de (re)construirmos nosso conceito de ensino e aprendizagem. As metodologias de ensino, na atualidade, exigem permanente atualização, constante investigação e contínua incorporação de diferentes fontes em sala de aula. O professor não é mais aquele que apresenta um monólogo para estudantes ordeiros e passivos que por sua vez “decoram” o conteúdo. Ele tem privilégio de mediar relações entre os sujeitos, o mundo e suas representações e o conhecimento, pois as diversas linguagens expressam relações sociais, relações de trabalho e poder, identidades sociais, culturais, étnicas, religiosas, universos mentais constitutivos de nossa realidade sociohistórica.
Referências Bibliográficas
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DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo. Juventude e Ensino Médio: quem é esse aluno que chega à escola. In: DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo; MAIA, Carla Linhares (Orgs.). Juventude e Ensino Médio. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2014.
SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
ARAÚJO, Cinthia. O trabalho da tradução no saber histórico escolar: diálogos interculturais possíveis. In: MOREIRA, Antonio Flávio, CANDAU, Vera Maria (Orgs.). Currículos, disciplinas escolares e culturas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
MCLAREN, Peter. Multiculturalismo Revolucionário. Porto Alegre: Editora Artmed, 2000.
GUIMARÃES, Selva. Didática e Prática de ensino de História: experiência, reflexões e aprendizados. Campinas, SP: Papirus, 2012.
CRUZ NETO, J. F. Os desafios de ser professor de História em um espaço multicultural: reflexões a partir do estágio curricular supervisionado. Revista Virtual P@rtes, Julho de 2016.
*José Fernandes da Cruz Neto é graduando do Curso de História da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal da Universidade Federal de Uberlândia – FACIP/UFU. josehistoriaufu@hotmail.com.