Por Iara Machado
Vivemos uma crise social, econômica e política, mas sobretudo, cultural, pois a Cultura perpassa toda e qualquer ordem social e suas representações. Desta forma faz-se necessário que ela seja reconceitualizada como uma dimensão (e não uma esfera separada de outras ) que perpassa toda a vida: as formas de ser, de saber e a natureza. Para tanto é preciso ver a Cultura como: Filosofia, pois esta devolve à cultura o seu sentido de valor, através do qual, as questões estéticas interrompem o processo mercadológico, à medida que devolve o sentido às expressões coletivas, resgatando assim, a dimensão simbólica da política. Pois produz formas de viver, pensar e imaginar a vida de forma alternativa à ordem mercadológica que se faz no tempo do capital, da venda, e da quantidade de receptores passivos da obra de arte. Portanto, significa ver a cultura como estetização da vida, exigindo também uma reconceitualização da Arte, em que esta deixa de ser apenas uma representação da vida para ser a própria vida. Isto implica que toda e qualquer linguagem pode ser vista como arte ultrapassando, assim, a ideia de que arte se restringe a fazer música, dança, teatro e possa ser encontrada em tudo que o homem faz desde o pão, a casa, as roupas, pois tudo que faz o representa.
A arte deixa de servir ao artista para servir ao homem, possibilitando a liberdade de construção de seu próprio discurso para se tornar sujeito de sua própria história. A recepção passa a ser fruição, e a produção se transforma em criação e processo, ou seja, conhecimento. Trata-se, de uma articulação entre Arte, Estética e Conhecimento para produzir uma cultura voltada para a compreensão, reprodução e transformação do sistema social que inclui pensar a cultura também como: – Um conjunto de projetos que busque criadores e participantes para além de espectadores incluindo as diferentes formas de conceber e conhecer o mundo baseadas em distintos sistemas de símbolos que são pré-requisitos da Cultura. Portanto, não importa o que é arte, mas o que ela pode proporcionar nas instituições de Cultura, de Educação, nos espaços públicos, etc.. para a vida das pessoas. – Projeto político pois propõe que o Estado seja um agente de interesses públicos e ajude a defender tudo o que na vida simbólica das sociedades não pode ser comercializado, como por exemplo: os direitos humanos, as inovações estéticas, a construção coletiva do sentido histórico. – Vinculada a natureza, ou seja Cultura Viva, porque integra todas as dimensões da vida – corpo (corpo e mente) e ambiente.
A cultura longe de ser uma entidade ou em fenômeno separado existe nas e através das pessoas, das quais é inseparável, pois “conduz, retém e engendra tudo” (TOURÉ). Nas palavras do dramaturgo hondurenho Murillo–Selva: “a cultura é como a vida mesma; deixaremos de fazê-la somente quando deixarmos de ser”. – Como Patrimônio Espiritual entendido como “aquilo que faz como que um povo seja o que é” (Le Gof), incluindo a uma só vez a união do que se conhece como patrimônio imaterial, material, e natural, pois o imaterial se faz pelo material e vice -versa e na relação destes com a natureza. Este conjunto é o que dá forma a malha simbólica que envolve a sociedade unindo corpo, mente e meio ambiente, ou seja: conteúdo, forma e ideia. Assim deve-se ressaltar que a ideia de patrimônio imaterial na perspectiva das políticas para a diversidade, muitas vezes significa antagonismo, mas também negociações e transações, como se estivessem petrificadas no tempo, como um mero objeto. Desta forma, muitas vezes funciona como um novo nome para o que antes era chamado de folclore ou popular, que faz com que seja visto como memória do passado ou apropriação do contemporâneo (que vale lembrar não deixa também de ser uma tradição daquilo que se chamou moderno).
Assim,, as políticas para o patrimônio imaterial muitas vezes são uma oportunidade, outras um engodo. Compreendê-las como parte de um patrimônio cultural espiritual é dar a ver seu valor imaterial e material como “coisas da arte” e o que estas “coisas” versam enquanto “coisas do pensamento”, ou seja, de uma estética entendida como “um regime histórico específico de pensamento da arte, de uma ideia do pensamento segundo a qual as coisas da arte são as coisas do pensamento” (RANCIÈRE) e que deve nortear toda a Cultura.