Em questão Meio Ambiente

CONSIDERAÇÕES DOS ASPECTOS AMBIENTAIS A RESPEITO DOS EFLUENTES E RESÍDUOS SÓLIDOS GERADOS NO PROCESSAMENTO DE PELES BOVINAS

Elida Lucia da Cunha[1]*

Resumo: O presente trabalho visa elucidar o processo industrial do couro, nas suas várias etapas de tratamento e elencar os principais efluentes gerados no processo, com foco em seu potencial poluidor. Trata-se de uma revisão bibliográfica da temática em questão, viabilizada por livros, revistas, artigos e outros encontrados na Scielo e na Caps. Foi constatado que algumas etapas do processo apresentam a geração de grandes quantidades de efluentes com potencial poluidor, principalmente o cromo, o qual afeta diretamente o solo e fauna ictiológica.

Palavras chave: Couro. Efluentes. Potencial poluidor.

Abstract: This work aims to elucidate the leather manufacturing process in its various stages of treatment and list the main waste generated in the process, with focus on its pollution potential. This is a literature review of the subject in question, made possible by books, magazines, articles and others found in the Scielo and Caps. It has been found that some process steps  present the generation of large amounts of effluent with pollution potential, especially chromium, which directly affects the soil and fish population.

Keywords: Leather. Efluent. Pollution potencial.

Introdução

         A produção industrial do couro é um ramo da indústria muito significativo para a economia do país. O couro tratado é usado em vários segmentos do comércio, pois é um artigo moderno, duradouro e sobretudo com estética impecável.

É possível pensar por si só, que o uso do couro já é um meio de redução de resíduos, gerados pela indústria alimentícia de carne bovina. Mas, em função dos vários produtos químicos utilizados, não trata-se de uma produção “limpa”.

         O meio ambiente sofre consequências, em função do descarte de efluentes gerados a partir do processamento do couro. A etapa que envolve o cromo é a mais significativa, em quesitos ambientais, pois exige tratamento diferenciado, que muitas vezes, é realizado de modo inefetivo ou insatisfatório pelos curtumes.

Processo industrial do couro

         O curtimento de couro é uma das atividades mais antigas da humanidade, isso se verifica na época dos primórdios humanos, onde a caça era essencial para a sobrevivência e prosperidade do grupo.  O clima mudava de tempos em tempos e nas estações frias aumentava a dificuldade para se manter quente e restringia as condições para procura de alimento. Descobre-se então que os animais de grande porte não serviam apenas como fonte de alimentação, as peles começam a ser usadas como roupa para se proteger do frio.

         As peles, em geral, têm uma durabilidade muito baixa devido à ação de microrganismos presentes na matéria orgânica, e logo se deterioravam ficando com cheiro insuportável, restringindo seu tempo de uso. Os antepassados descobriram como reduzir o processo natural de deterioração. Quando se colocava as peles para secar ao sol elas ficavam rígidas, porem o odor sumia, tornando-as utilizáveis por mais tempo.

         Um fator importante do desenvolvimento no curtimento de pele é a utilização para confecção de tendas, onde fogueiras feitas de fumo acabavam curtindo e conservando-as, esse processo é utilizado até hoje em porções da china. Outra forma também desencadeada pelos antigos homens é o curtimento ao vegetal. As peles eram postas de molho em poços cobertos por árvores, as folhas, galhos e cascas caiam dentro do poço e liberavam suas “substâncias curtidoras” e as peles iam sendo curtidas. Essa forma dominou o mercado de curtimento de pele por muito tempo.

Perfil da indústria de couro

         O couro é o elemento fundamental que rege as indústrias de curtumes. Por muitos anos a indústria de produção de couro é reconhecida como cadeia couro-calçadista, mas este parâmetro vem perdendo espaço no mercado durante os últimos anos e o destino do produto final das peles toma novos rumos no mercado.

         Sacchelli (2010), presidente da CICB[2] ressalta que o perfil da cadeia produtiva de couro atualmente é outro. A indústria de calçados deixou de usar o couro na fabricação das peças. Nos Estados Unidos 70% dos calçados que são comercializados hoje tem origem sintética. No Brasil também houve mudanças nesse sentido. Observa-se que a cadeia produtiva de couro agora é empregada na indústria automobilística, moveleira e de artefatos e superou a ameaça na diminuição do uso do couro.

         A importância econômica da cadeia produtiva de couro para o Brasil é sem dúvida relevante, tanto no que diz respeito a exportações quanto à geração de empregos.

Aspectos ambientais do processamento do couro

         A indústria de curtume é uma grande geradora de resíduos em função da obtenção de seu produto final que é couro. Para tanto, utiliza grandes quantidades de água nos processos de lavagem e produtos químicos para o curtimento a fim de estabilizar as fibras colágenas e tornar o couro imputrescível.

         Em curtume de porte médio, cuja produção é 3000 peles salgadas/dia é utilizado cerca de 25 a 30 m³  de água por tonelada de pele ou 630 litros/pele salgada, em média, portanto o consumo é aproximado de 1900 m³ de água/dia, equivalente ao consumo diário de uma população de 10 500 habitantes. Esse consumo pode variar em decorrência dos processos e do gerenciamento utilizado. (GANEM, 2007).

Efluentes líquidos

         Os efluentes líquidos são oriundos dos vários banhos pelos quais as peles passam para receber o curtimento. A etapa de ribeira é a mais poluente devido ao emprego de grande quantidade de produtos. As águas residuais contêm cal em grandes proporções, que a deixa alcalina e esbranquiçada, e matéria orgânica animal como pelos, gordura, músculos e sangue. Esses efluentes são ricos em proteínas, sais e aminoácidos, podem conter biocidas, conservantes e inseticidas. (GANEM, 2007).

         As águas do curtimento são ricas em sais, ácidos, cromo e algumas proteínas, são turvas devido à coloração promovida pelo cromo. No processo de acabamento, os constituintes das águas residuais são além dos sais, corante e ainda, certo teor de cromo. (GANEM, 2007).

         O tratamento das águas residuais se inicia com a segregação dos efluentes das etapas do processamento (ribeira, curtimento e acabamento) o que proporciona o reaproveitamento. As águas que contém cromo são necessários tratamentos específicos para separação do metal, mas nem sempre é feito. (GANEM, 2007).

Efluentes gasosos

         O odor desagradável dos curtumes é característico e incomoda a população, no entanto esse odor não vem diretamente das peles, é utilizado o sulfeto de sódio e amônia que liberam gases sendo responsáveis pelo mau cheiro nas empresas curtidoras.

         Durante a fase molhada do processamento (banhos) são liberados gases amoníacos e gás sulfídrico, altamente tóxico, além de compostos orgânicos voláteis (COV). Esses gases podem ser removidos com uso de soluções depuradoras (GANEM, 2007).

Resíduos sólidos

         Os resíduos sólidos são provenientes das etapas da ribeira, em que as peles passam pelas refilas e descarnadeira. Esses resíduos são compostos por aparas, carnaças, gordura e músculos. Em todo o processamento do couro são gerados de 415 a 695 kg de resíduos por tonelada de pele salgada. (GANEM, 2007).

         O cuidado é requerido com resíduos em que contém cromo porque é um metal de difícil degradação no meio ambiente, é importante que o gerenciamento desses resíduos seja feito corretamente caso contrário pode ocorrer à contaminação e comprometimento do solo e de águas superficiais. (GANEM, 2007).

         Boas práticas de gerenciamento de todos os resíduos gerados no processamento de peles em curtumes são essenciais para se atingir o desenvolvimento sustentável. O cromo é o que envolve maior atenção pelo motivo de não ser biodegradável e ter alto risco de toxidade.

Toxidade do cromo

         A toxidade aguda pode ocorrer com apenas uma única dose, após contato oral, nasal ou dermal. Sendo vômito, diarréia, choque cardiovascular e perda de sangue no trato gastrointestinal, os principais sintomas causados por envenenamento e que geralmente aparecem nas primeiras 24 horas. A toxidade crônica ocorre lentamente por exposição contínua a um composto em baixas concentrações. Alguns dos sintomas causados por envenenamento de Cr são: rinite e sinusite crônica, atrofia da mucosa nasal, alterações na pele. Sistema circulatório, trato gastrointestinal também são gravemente afetados.

         Praticamente todos os compostos de Cr apresentam grande poder mutagênico devido seu acesso direto as células e por ser um grande oxidante, sendo assim carcinogênicas para os órgãos respiratórios humanos. Para a vida aquática, a toxidade do cromo varia com a temperatura, pH, espécie, estado de oxidação, concentração de oxigênio. (RIBEIRO et al., 2009).

Bioacumulação e danos ao meio ambiente

         Segundo Ribeiro (2009) o aumento das concentrações de cromo no ambiente afeta principalmente os corpos hídricos. Os animais aquáticos, incluindo desde as algas até organismos superiores são os mais prejudicados por difusão passiva. O cromo acumula-se nas brânquias e vísceras cerca de 10 a 30 vezes mais quando comparados ao acumulo no coração, pele, escamas e músculos. Plantas que crescem em solos contendo altas concentrações de cromo o retêm em suas raízes e somente uma pequena parcela é transportada para as partes superiores das plantas, sendo improvável a bioacumulação nestas partes.

         Os efeitos em longo prazo da bioacumulação do cromo são imprevisíveis, porque este metal é de baixa degrabilidade ou não se decompõe, assim vai se acumulando na cadeia alimentar e no meio ambiente. (JORDÃO et al., 1999).

            A presença do cromo nos corpos hídricos causa impactos desfavoráveis que comprometem a saúde humana que consome a água e se alimenta de peixes que se desenvolvem nestes locais. A bioacumulação em humanos pode apresentar efeitos imediatos, efeitos crônicos pela acumulação por longos períodos de tempo e, ainda mais preocupante, consequências genéticas para gerações futuras. (RIBEIRO et al., 2009).

Considerações finais

         A partir da revisão literária apresentada, é possível notar que são gerados efluentes significativos nas várias etapas de processamento do couro, os quais merecem atenção especial antes de serem descartados no ambiente.

         A amônia e o gás sulfídrico, (Ganem, 2009) liberados de forma gasosa nas etapas de ribeira, pode trazer consequências significativas ao trato respiratório das pessoas que moram nas proximidades das empresas curtidoras e/ou principalmente aos trabalhadores das mesmas.

         O cromo, (Ganem, 2009) contido na etapa líquida do acabamento, é o resíduo mais preocupante e com maior potencial poluidor, dentre todos usados no processo, justamente pelo fato de não ser biodegradável. Os efluentes com resquícios de cromo devem passar por várias etapas de processamento, as quais servem para retirada do excesso de cromo da água, que é descartada no corpo hídrico mais próximo.

         O fato é que se ainda houver resquícios de cromo na água descartada, não é suficiente para matar para provocar a morte da fauna ictiológica, principalmente, porém como é uma substância não biodegradável, acumula-se ao longo da cadeia alimentar, e peixes maiores pescados podem conter grandes concentrações, assim provocar intoxicações graves em humanos e outros animais.

         Considerando o tema do trabalho é verificado que o couro movimenta com muito vigor a economia do país, exportando bilhões de dólares anualmente. Em questões ambientais o preço também é muito alto, tanto no consumo de recursos como a água quanto na geração de resíduos e efluentes, o que sacrifica de modo muito significativamente a sustentabilidade.

Referências

SACCHELLI, Umberto Cilião. Novo perfil da indústria de couro. Centro de Indústrias de Curtumes do Brasil. 2010.

CICB. Análise prévia das exportações de couro em agosto de 2011. Disponível em: http://www.cicb.org.br/index.php/component/content/article/23-noticias/agosto-2011/50. Acesso: 22/07/2011

PACHECO, J.W.F. Curtumes. São Paulo: CETESB. 2005. Série P + L.

FIGUEIREDO, José Miguel. Setor dos curtumes. Plano Nacional de Prevenção dos Resíduos Industriais (PNAPRI). Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (INET). Lisboa. 2000. Disponível em: http://netresiduos.trace.pt/resources/docs/guias _sectoriais/curtumes/sectorcurtumes.pdf. Acesso: 19/07/2011.

GANEM, Roseli Sena. Curtumes: aspectos ambientais. Biblioteca Nacional Câmara dos deputados. 2007.

Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1281. Acesso: 19/03/2011.

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JORDÃO, C.P.; SILVA, A.C.; PEREIRA, J.L.; BRUNE, W. Contaminação por cromo de águas de rios provenientes de curtumes em Minas Gerais. Química Nova, v. 22, n. 1, p. 47, 1999. Disponível em http://www.icp.csic.es/cyted/Monografias /MonografiasTeneria/capituloi.pdf acesso em: 22/07/2011.

RIBEIRO, Iane Crisley Modanese; et al. O cromo e o meio ambiente. Química Ambiental. Centro Universitário Franciscano – UNIFAE. Curitiba. 2009. Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAco0AF/cromo-meio-ambiente. Acesso: 25/11/2011.

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TAVARES, Fleury. Centro de Indústrias de Curtumes do Brasil. 2011. Disponível em: http://www.cicb.com.br/noticias-do-mercado-do-couro.php. Acesso: 15/03/2011

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* Especialista em Educação Ambiental e Sanitária, pela Faculdade Católica de Anápolis. Graduada em Ciências Biológicas, pela Universidade Estadual de Goiás – UEG. Docente na Faculdade do Norte Goiano – FNG, Universidade Estadual de Goiás – UEG e colégio Impacto, Porangatu-GO. Email: elidabio@live.com

[2] Centro de Indústrias de Curtumes do Brasil. Fundado em 1957 no Rio de Janeiro.

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