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Resenha do livro de Leandro Konder: O que é dialética

RESENHA DO LIVRO DE LEANDRO KONDER: O QUE É DIALÉTICA. SÃO PAULO: BRASILIENSE, 2008.

Guilherme Leonardo Freitas Silva*

Guilherme Leonardo Freitas Silva – Biólogo e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. e-mail: jskalibur@yahoo.com.br

O livro inicialmente traz a origem da dialética com berço na Grécia antiga, onde era considerada a arte do diálogo. Mais tarde, ela passou a ser considerada na arte do diálogo como um meio de argumentação por meio de uma tese.

Para Aristóteles, Zênon de Eleia (490-430 a.C.) foi o criador da dialética. Porém outros consideram que foi Sócrates (469-399 a.C) o primeiro fundador. Durante uma discussão sobre a filosofia, que na época estava sendo considerada inculta como atividade, Sócrates desafiou os generais Lachés e Nícias para definirem o que era bravura. Também desafiou o político Calichés para que definisse o que era política e justiça, pois queria demonstrar que só a filosofia, por meio a dialética, poderia entender a essência daquilo que faziam, assim como, as atividades que se propunham a fazer.

A dialética passou por várias concepções e atualmente significa um modo de pensarmos as contradições existentes na nossa realidade, ou seja, uma forma de pensar que a nossa realidade vive em permanente transformação. Mudamos para permanecer e permanecemos mudando.

Nesse sentido, Heráclito de Éfeso (540-480 a.C.) é o que mais se aproxima no sentido literal palavra da dialética, pois seus manuscritos tudo está em constante mudança: vida ou morte, sono ou vigília, juventude ou velhice, são realidades onde uma se transforma em outra. Um dos fragmentos mais famosos escrito por ele é por que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio? Porque na segunda vez não será o mesmo o homem e nem o mesmo rio onde ele estará se banhando, pois ambos estarão mudados. Por essas concepções Heráclito era considerado pelos gregos obscuro, abstrato, unilateral.

No entanto, as concepções de Parmênides vieram a prevalecer sobre Heráclito, pois considerava as mudanças como um fenômeno superficial, e que na essência do ser era profunda e imutável, a metafísica.

A concepção metafísica prevaleceu historicamente por muitos anos, pois correspondia exatamente o as classes dominantes queriam, ou seja, amarrar as concepções, valores, conceitos da sociedade, para impossibilitar que essa, ceda à tentação de mudar o regime vigente na época.

Portanto a dialética foi suprimida temporariamente da história, mas não foi extinta. Aristóteles (384-322 a.C.), depois de quase meio século da morte de Heráclito, reintroduziu as concepções dialéticas, embora menos radical do que seu antecessor, mas é a ele que deve-se a sobrevivência da dialética, o lado dinâmico e mutável da realidade.

Na Idade Média ficou praticamente esquecida, pois a ideologia dominante da época era monopolizada pela Igreja. Mesmo nos mosteiros os padres levavam uma vida muito parada e monótona, enfraquecendo os escritos sobre a dialética. Assim a dialética teve que lutar para permanecer no campo filosófico. Houve filósofos que tentaram mudar esse paradigma como Guilherme de Occam (1285-1349), impondo uma nova visão a partir do século XIV, sacudindo os hábitos feudais.

A partir do século XV, por consequência da revolução comercial, o século XVI foi a época do Renascimento e das descobertas. As artes e as ciências começaram a repensar a questão do movimento como reflexão, assim surgiram ideias como do astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543), que contrariou a ideia de Ptolomeu que a Terra não era imóvel e nem o centro do universo, ela girava em torno do Sol. Galileu (1564-1642) e Descartes (1596-1650) descobriram que as condições ideais dos corpos era o movimento e não o repouso. Pico della Mirandolla (1463-1494), sustentou que o homem era um ser inacabado, diferente dos deuses e anjos que eram perfeitos e imutáveis. Giordano Bruno (1548-1600) enfatizou o homo faber, o homem capaz de ter domínio sobre as forças naturais e consegue modificar o mundo.

A dialética se encontra em vários se encontra em vários autores do século XVII como Leibniz (1646-1716), Spinoza (1632-1677), Hobbes (1588-1679) e Pierre Bayle (1647-1706). A partir da segunda metade do século XVII as concepções dos filósofos começaram a mudar, tanto pelo amadurecimento do processo histórico, devido a Revolução Francesa, como as condições dos filósofos tiveram transformações sociais. O Iluminismo não trouxe tantas contribuições para o avanço da dialética.

No entanto, podemos considerar que Denis Diderot (1713-1784) teve uma parcela de contribuição para a dialética. “Sou como sou porque foi preciso que eu me tornasse assim. Se mudarem o todo, necessariamente eu também serei modificado. O todo está sempre mudando” – escreveu ele. Ao lado de Diderot, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) deu uma grande contribuição para a dialética na época, pois observava a estrutura da sociedade do seu tempo e as contradições que ocorriam em classes dominantes e dominadas.

Nos séculos XVIII e XIX, com a revolução francesa, expandiu os conflitos políticos na esfera social, e isso se instaurou na filosofia também. Na Prússia oriental, surge um dos maiores metafísicos da história, Immanuel Kant (1724-1804). O centro do pensamento de Kant foi sobre a questão do conhecimento. O que é conhecimento? O filósofo coloca uma reflexão da razão pura onde existem certas contradições no pensamento. Outro filósofo contemporâneo de Kant, foi Hegel (1770-1831), que sustentava a ideia da questão central da filosofia era o ser mesmo e não o do conhecimento. Hegel propõe uma superação da dialética, que nada mais é do que uma negação da realidade, a conservação de algo ideal para realidade e a elevação dela para um nível superior. Por exemplo com o trabalho: a matéria prima é quebrada, mas ao mesmo tempo é conservada, e assume uma nova forma. Hegel é considerado idealista, deixando de lado os movimentos da realidade material.

Entretanto, surge o alemão Karl Marx (1818-1883), materialista, que concordava com o Hegel que o trabalho era a mola que impulsionava o desenvolvimento humano, porém criticou a unilateralidade da concepção sobre o trabalho intelectual, deixando de lado o físico e material. “Divisão de trabalho e propriedade privada, são termos idênticos: um diz em relação à exploração do trabalho escravo a mesma coisa que o outro diz em relação ao produto de exploração do trabalho escravo” – dizia Marx. A contradição ocorria na alienação do trabalhador frente ao seu trabalho. Os marxistas consideram que uma das formas de superar a divisão da sociedade em classes é dar início a um processo de desalienação do trabalho, por meio da luta de classes promovendo uma revolução socialista.

Marx com ajuda de Friedrich Engels (1820-1825), examinou a história social e escreveu o “Manifesto Comunista” em 1848, onde demonstrou que toda a história, desde da existência do homem inserido trabalho, tinha sido uma história de luta de classes. Examinando o modo de produção capitalista, Marx escreve “O capital”, demonstrando a expansão do mercado capitalista e como isso acaba ocupando todos os espaços sociais. Todos os valores vão de deteriorando, se transformando em mercadoria, por meio do dinheiro tudo pode ser comprado, comercializado por um preço.

Na dialética marxista, o conhecimento é totalizante, e a atividade humana é um processo de totalização, onde nunca alcança uma etapa final. A verdade é o todo, como Hegel já dizia. Para enxergar o todo precisamos ter uma visão do conjunto. A síntese é a visão do conjunto que permite o homem descobrir a estrutura significativa da realidade com qual ele enfrenta. Para conseguirmos o nível da totalização mais abrangente devemos nos recorrer à filosofia da história.

Para análise dialética Marx coloca que precisamos fazer uma viagem do mais complexo (ainda abstrato) ao mais simples e feito o retorno do mais simples ao mais complexo (já concreto), como ele diz: “O concreto é concreto porque é a síntese de várias determinações, e a unidade da diversidade”. Marx pretendia escrever um livro sobre dialética, chegando até anunciar o projeto, mas não lhe restaram tempo para isso.

Engels formulou o que ele chamou de “princípios da dialética da natureza”, que poderia ser reduzida em três: a lei da passagem da quantidade para qualidade (e vice-versa); lei da interpenetração dos contrários; lei da negação da negação.

A primeira refere-se que as coisas não mudam sempre no mesmo ritmo, elas podem passar por períodos lentos (pequenas alterações quantitativas), por períodos de aceleração (alterações qualitativas); a segunda refere-se que tudo é interdependente de tudo, cada aspecto depende um do outro, não temo como se não pensar em conexões; e a terceira quer dizer que não se perde o conflito com afirmações e negações, teses e antíteses, pois como sabemos tanto a afirmação quanto a negação podem e devem ser superadas: a negação da negação. Apesar de Engels ter proposto esses princípios muitos estudiosos fizeram críticas quanto a a concepção dialética dentro de uma ótima materialista. Dentre eles Bernstein (1850-1932) criticou o marxismo, voltando-se para o idealismo de Kant, dizendo que o marxismo havia sido ultrapassado.

Muitos estudiosos após Marx e Engels não conseguiram assimilar a dialética materialista, deturpando ou criando novas ideias sobre a dialética, como por exemplo Stalin criando uma deformação antidialética do marxismo. Apesar disso surgiram importantes marxistas na década de 1920 e 30, como por exemplo, Georg Lukács(1885-1971), que voltou a temática da totalidade, para permitir que a dialética enxergue por trás das aparências das coisas, Antonio Gramsci (1891-1937) caracterizou o marxismo como absoluto e Walter Benjamim (1892-1940) que alertou sobre o espírito dialético insiste em “escovar a história do contrapelo”.

Uma das características essências para a dialética é o espírito crítico e autocrítico, assim os dialéticos devem sempre estar atentos a rever situações e reverter interpretações que se baseiam na sua atuação, como Marx disse a sua filha ao entregar um questionário perguntando qual era o lema que ele preferia: “Duvidar de tudo”.

O método dialético nos incita rever o passado a luz do presente, questionando o presente em nome do futuro. A dialética causa ojeriza nos comodistas, arrepia os preconceituosos e causa perturbação nos pragmáticos. Marx na décima primeira tese sobre Feuerbach escreve: “Os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo; trata-se, no entanto, de transformá-lo”.

Portanto na obra de Leandro Konder, traz um breve histórico sobre a dialética que serve tanto para aqueles que iniciam seus estudos sobre a dialética como aqueles que já escrevem sobre o assunto e desejam se aprofundar historicamente e filosoficamente.

* Biólogo e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. e-mail: jskalibur@yahoo.com.br

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