“SEGUNDO AMOR”
Margarete Hülsendeger
Afinal, a felicidade e o amor se parecem. Não se tenta ser feliz, não se decide amar. É-se feliz, ama-se.
Mia Couto (A confissão da leoa)
O título engana. Pelo menos a mim enganou quando li apenas a chamada da notícia. Então, se alguém pensou que se trata de uma nova oportunidade para amar e ser amado, lamento, não é bem assim. Não no sentido tradicional, pois não se trata da busca de uma relação que implique compromisso e o cultivo de sentimentos de afeto, amizade e, é claro, amor. Trata-se, na verdade, de sexo. Apenas sexo. Sem amarras ou culpa.
Secondlove é um site onde as pessoas podem se cadastrar, utilizando pseudônimos e, a partir daí, disponibilizar fotos postadas na internet para aqueles que tiverem interesse em iniciar esse tipo de “relacionamento”. O curioso – e daí a novidade – é que esse site em especial está direcionado para homens e mulheres já compromissados, ou seja, casados ou em uma relação estável. A responsável pela versão brasileira – ele já existe na Holanda, Bélgica e Espanha – alega que o objetivo não é incentivar a traição, mas somente “flertes on-line”. Segundo ela, estudos comprovam que um em cada três adultos comete adultério pelo menos uma vez na vida e que, na maioria dos casos, esse comportamento seria uma forma de fugir da rotina e assim satisfazer as fantasias que não consegue realizar com seu/sua companheiro/companheira. Como esse tipo de comportamento, geralmente, envolve colegas trabalho ou do círculo de amizades, uma das partes acaba sempre descobrindo, o que provoca o fim do casamento. Se, no entanto, houver anonimato e os encontros forem marcados pela internet as chances de uma das partes descobrir se reduz e a relação “oficial” fica preservada.
Não se pode negar a lógica dessa estratégia, mesmo que, para alguns, seja uma lógica distorcida. Se os envolvidos têm algo a perder, não haverá interesse de trazer a público esse tipo de “atividade”. Assim, o casamento se mantém, realizam-se as fantasias e todos saem satisfeitos. Afinal, já diz o ditado popular “o que os olhos não veem, o coração não sente”. Simples. Prático. E, na minha opinião, completamente absurdo.
Por que absurdo? Talvez, eu seja antiquada e até mesmo uma romântica incurável, mas não acredito em relações construídas tendo como base o engano e a mentira, pois um relacionamento apoiado nesses dois quesitos está fadado ao fracasso. Contudo, em ‘”tempos líquidos”, expressão cunhada pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, esse tipo de iniciativa não deveria me surpreender. A manutenção de um relacionamento ou a preservação dos sentimentos do outro não são características desses tempos onde nada é feito para durar e tudo parece estar sempre escorrendo por entre os dedos.
O “mercado da traição” – economicamente bastante atrativo, só na Europa movimenta mais de 800 milhões de euros – aposta na insatisfação permanente que parece dominar a nossa sociedade. Como explica Bauman, as relações terminam, muitas vezes, antes mesmo de começar e as pessoas acreditam que resolvem suas dificuldades cortando vínculos, quando, na verdade, o que estão fazendo é criar mais problemas. Para si e para os outros. A palavra amor foi banalizada a ponto das pessoas não saberem mais o seu real significado. Trair, então, é apenas mais um passo nesse caminho da vulgarização do amor, com relações humanas cada vez mais flexíveis, nas quais o atributo mais importante é a capacidade de conectar e desconectar, comportando-se com o outro como se ele fosse algum tipo de equipamento que precisa ser constantemente atualizado.
Não sei se essa situação é irreversível. O que sei é que secondlove não é o único site com esse tipo de proposta. Além dele, existe o canadense Ashley Madison, com um lucro de 91 milhões de euros por ano e, o campeão do mercado, o grupo francês Meetic, com um faturamento de 164,8 milhões de euros só em 2012. Nenhum deles cobra “taxa de manutenção” das mulheres, apenas dos homens, e seus valores podem variar R$ 35 a R$ 75. Esses dados, mais as declarações de seus usuários – “Casado carente, 29 anos, deseja ter um flirt e depois ver o que acontece” ou “Adoraria um encontro romântico ou excitante e depois ver se queremos sexo” – não deixa muita margem à dúvida de que estamos vivendo não só “tempos líquidos”, mas “amores líquidos” (outra expressão de Bauman). “Amores” sem compromisso e culpa, mas também sem respeito. “Amores” que ao não conseguirem se comunicar, por insegurança ou medo, escolhem o caminho mais fácil: a traição encoberta pelo anonimato que só a internet pode oferecer.
Este texto, devido a sua temática, poderia ser concluído com uma daquelas frases polêmicas de Nelson Rodrigues sobre o casamento ou as mulheres, mas opto por algo mais otimista, pois ainda acredito na existência do amor verdadeiro. Assim, encerro com um trecho do livro Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke: “Ter amor, de uma pessoa por outra, talvez seja a coisa mais difícil que nos foi dada, a mais extrema, a derradeira prova e provação, o trabalho para o qual qualquer outro trabalho é apenas uma preparação”.
HÜLSENDEGER, Margarete Jesusa Varela Centeno . SEGUNDO AMOR. REVISTA VIRTUAL PARTES, SÃO PAULO, 05 mar. 2016.