Crônicas Gilda E. Kluppel Gilda E. Kluppel

A vendedora de bilhetes

A vendedora de bilhetes

 

Gilda E. Kluppel

 

 

Gilda E. Kluppel é professora de Matemática do ensino médio em Curitiba/PR, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Quando ouvi pela primeira vez, no calçadão da Rua XV de Novembro, a voz potente da vendedora de bilhetes de loteria levei um susto. “É a cobra 33, corre hoje”. Outras vezes, ficava incomodada ao passar por aquela esquina, pois uma quadra antes escutava a descomunal e inconfundível voz. Até que acostumei a sorrir ao avistar a “mulher da cobra”. Ela conseguiu a proeza de nos fazer apreciar os reclames de bilhetes. Afinal, foram décadas soando a “cobra 33” e a “borboleta 13”. Ela já fazia parte do cenário, desde o tempo do telefone com disco até os modernos aparelhos celulares.

Ainda ouço os anúncios das vendedoras de bilhetes no centro da cidade, mas a voz da legítima “mulher da cobra” silenciou. No local, onde transeuntes apressados habituaram-se a ouvir as cobras e as borboletas, agora existem outras vendedoras que tentam seguir os mesmos passos. Parece que fez escola, pela possibilidade de encontrar algumas versões da “mulher da cobra” na esquina em que ela trabalhou por quase quarenta anos. A sua chamada se tornou referência para as vendedoras de bilhetes, inspiradas na original, inclusive no modo de vestir, imitam a famosa expressão para atrair os fregueses.

Após algum tempo sem ouvir a conhecida voz, soube um pouco mais sobre a vida da “mulher da cobra” através de uma reportagem no jornal. Teresinha dos Santos, a mulher atrás daquela voz. Uma mulher de muita fibra e coragem. Devido ao trabalho, poucos a conhecem pelo verdadeiro nome. Essa catarinense chegou ainda criança em Curitiba e com o pão de cada dia garantido, pelo uso de suas cordas vocais, criou seis filhos sozinha, desde a morte do marido em 1988.

Aprendeu o ofício com uma amiga, que arrumou alguns bilhetes para ela vender e ensinou como soltar a voz a plenos pulmões. E daí seguiu em frente, parecendo destemida ao caminhar pelo calçadão da Rua XV de Novembro, principal artéria da cidade, com a tarefa de vender a sorte.

Eu perdi a oportunidade de conhecê-la melhor, por não ter o costume de “fazer uma fezinha”, imaginei não encontrá-la novamente. Mas, a necessidade de trocar um presente recebido obrigou-me a andar por uma rua, na qual não passava há tempo. Reconheço o rosto, avistado durante anos a fio em cada passagem pela mesma esquina. Lá estava ela, em frente à loja, sentada em uma cadeira. Ela não vende mais bilhetes de loteria, emprestou a sua ferramenta de trabalho para uma ótica.

Causa satisfação saber que a voz continua a fornecer o seu sustento e hoje tem a oportunidade de uma vida mais tranquila e estável. Percebo que, muito além de uma voz, ela representa um exemplo de simplicidade e perseverança.

Para quem não reside em Curitiba e tem a curiosidade de ver e, principalmente, ouvir a voz que transformou a Teresinha numa pessoa conhecida na cidade, basta acessar o link abaixo. Dos bons tempos em que a “mulher da cobra”, em plena atividade, ainda trabalhava como vendedora de bilhetes de loteria.

http://www.youtube.com/watch?v=kNLderV_K0o&feature=player_embedded#!

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