Implicações do termo Etnomatemática segundo Gerdes e Knijinik
Jonatha Daniel dos Santos[1]
Resumo: Trata-se de um estudo bibliográfico onde se busca por meio dos olhares sobre Etnomatemática, especificamente de Paulus Gerdes e Gelsa Knijnik, evidenciar suas definições, seus campos de pesquisas, bem como a linha tênue que, a princípio, foi possível estabelecer algumas convergências e divergências. Percebe-se que os autores utilizados para a análise deste texto, corroboram para um ideal de aproximação que vincula o espaço escolar ao seu contexto social onde que isso se dá por meio da Etnomatemática.
Palavras-Chave: Etnomatemática, Convergências e Divergências, Gerdes, Knijink.
Abstract: This is a bibliographical study which is sought by the looks on Ethnomathematics, specifically Paulus Gerdes and Gelsa Knijnik, show your settings, their research fields as well as the fine line that at first it was possible to establish some convergences and divergences. It is noticed that the authors used for the analysis of this text, to corroborate an approach that links the ideal school environment to its social context in which it is the through Ethnomathematics.
Keywords: Ethnomathematics, Convergences and Divergences, Gerdes, Knijink.
Etnomatemática segundo Gerdes e Knijink
A proposta deste texto, é discutir as implicações do termo etnomatemática segundo a abordagem conceitual de Paulus Gerdes e Gelsa Knijink. A partir destas implicações pontuar suas inferências para o campo da pesquisa educacional, bem como para a própria escola. Deste modo, iniciamos as problematizações com os preceitos de Gerdes sobre a problemática em questão, pontuando, posteriormente, as discussões de Knijink a partir do uso do termo no campo em que a autora atua.
Paulus Gerdes
O autor idealiza, por meio da Etnomatemática, mudanças no currículo escolar, “onde é necessário multiculturalisar o currículo de matemática para poder melhorar a qualidade de ensino, para poder aumentar a autoconfiança social e cultural de todos os alunos”. (GERDES, 1991, p.05, grifos do autor)
Gerdes (1991) problematiza a “gênese do conceito de etnomatemática no seio de matemáticos e professores de matemática”. Ele retrata que a matemática no ensino colonial se apresentava em geral como algo “europeu” e como uma criação exclusiva da “raça branca”.
Neste sentido, o autor evidencia a insatisfação de professores e didáticos de matemática nos países do “terceiro mundo” por essa matemática estar desvinculada da realidade social. Gerdes (1991, p.29) faz um relato sobre as várias denominações que pesquisadores e pesquisadoras começaram a sugerir ao estudar estas outras matemáticas, como exemplo: Sociomatemática de Zaslavsky utilizada em 1973; Matemática espontânea de D’Ambrosio em 1982; Matemática informal de Posner em 1982; Matemática oral dos autores Carraher, 1982 e Kane, 1987; Matemática oprimida de Gerdes em 1982; Matemática não-estandardizada usada por Carraher em 1982, por Gerdes em 1985 e por Harris no ano de 1987; a Matemática escondida ou congelada de Gerdes usada nos anos de 1982 e 1985, bem como a Matemática Popular/ do povo de Mellin-Olsen no ano de 1986. Estas tendências têm início em países do terceiro mundo, sendo que mais tarde encontraram vozes em outros países.
Dentro dessa perspectiva de mudança, o autor com o seu envolvimento em Moçambique, país que se tornou independente em 25 de Junho de 1975, Gerdes problematiza o interesse de reaver as práticas culturais da população moçambicana para uso no espaço escolar. Para tanto o autor e também professor discute suas ideias na perspectiva das investigações etnomatemáticas. Assim, baseado a partir de possibilidades em mudanças no contexto escolar por meio da cultura, Gerdes (1991, p.05) afirma que os estudos etnomatemáticos buscam analisar
[…] tradições matemáticas que sobreviveram à colonização e actividades matemáticas na vida diária das populações, procurando possibilidades de as incorporar no currículo; elementos culturais que podem servir como ponto de partida para fazer e elaborar matemática dentro e fora da escola.
Deste modo, percebe-se que o autor possui o discurso de resgatar as tradições matemáticas dos grupos culturais, que perante a colonização foram sendo segundo ele “escondidas” e impostas por convenções eurocêntricas na sociedade, bem como no espaço escolar.
É importante resaltar que o autor mencionado, em suas pesquisas busca através dos conhecimentos matemáticos arquitetar como os distintos povos produzem suas próprias matemáticas, ou seja, através da matemática ocidental, vem demonstrando como pode-se visualizar os conhecimentos de grupos e povos a partir da matemática acadêmica.
Assim, numa perspectiva mais atual, Gerdes (2010, p.142) relata que
A etnomatemática é a área de investigação que estuda as multifacetadas relações e interconexões entre ideias matemáticas e outros elementos e constituintes culturais, como a língua, a arte, o artesanato, a construção e a educação. É a área de investigação que estuda a influencia de fatores culturais sobre o ensino e a aprendizagem da matemática.
Para Gerdes (2000) a matemática não é produto de uma esfera cultural particular, mas uma experiência humana comum a todos os povos. O autor concorda que estudar as ideias de outras culturas permite perceber o entendimento do que se constitui a atividade matemática. Desse modo,
A etnomatemática também se dedica ao estudo do saber-fazer e dos conhecimentos matemáticos adquiridos e desenvolvidos na atividade prática pelos vendedores nas ruas, pelos trocadores de dinheiro, pelos cesteiros, pelos pintores, pelas costureiras, pelas tecelãs, pelos jogadores de diversos esportes, pela cozinheira (GERDES, 2010, p.142).
Nessa perspectiva, Gerdes (2000) ressalta que estudos etnomatemáticos ampliam o entendimento (intercultural) do que são matemáticas. O autor ressalta que o pensamento matemático só é inteligível ao adotarmos uma perspectiva intercultural. O autor continua dizendo que “não pode haver uma visão unificada, pois a visão monolítica e dominante não consegue se sustentar. Ao mesmo tempo, no outro extremo, também não é possível pregar o relativismo cultural absoluto da matemática”. (p.222). Para o autor a Etnomatemática está contida na Matemática, Etnologia (Antropologia Cultural) e também na Didática da Matemática (GERDES, 1991).
Segundo o autor (2010, p.142-143) “a etnomatemática mostra que ideias matemáticas existem em todas as culturas humanas, nas experiências de todos os povos, de todos grupos sociais e culturais, tanto de homens como de mulheres”. Dentro desta perspectiva cultural, é evidenciado que
[…] todos os povos, de todos os tempos, podem contribuir para esta matemática universal. Todos os povos têm o direito de poder aprender e usufruir o saber acumulado e de poder contribuir para o seu enriquecimento. Reside aqui uma dimensão ética e moral da reflexão Etnomatemática. (GERDES, 2010, p.144)
Então, numa perspectiva curricular educacional, a “etnomatemática mostra uma condição indispensável na integração e incorporação no processo de ensino- aprendizagem dos conhecimentos, do saber e do saber fazer da cultura do povo ao qual a criança pertence”. (GERDES, 2010, p.147). O autor considera que considerando o seu espaço social na escola, a autoconfiança aumentara uma vez estará inserida em sua cultura.
Deste modo, o autor, em suas pesquisas, busca, por meio do conhecimento matemático, conceber etnomatemáticas, que paralelas à matemática escolar, podem ser vistas com um olhar mais cultural e embasado em ética. Assim, entende-se que Etnomatemática é vinculada a matemática.
Gelsa Knijnik
A autora tem apresentado ao longo dos anos grandes discussões e contribuições para o campo da educação matemática, incluindo a etnomatemática, no que condiz em suas formulações teóricas bem como a utilização em práticas pedagógicas culturais.
Knjinik (1996, 2006) apresenta sua pesquisa realizada no Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST estudo realizado em virtude de sua tese de doutorado. A autora vem mostrando como este grupo social tem em si seus próprios conhecimentos que decorrem da cubagem da terra até a cubagem de madeira. Essa necessidade, como o da cubagem, é observado nas mais distintas sociedades, ou seja, é refletida a partir da necessidade que os grupos têm para realizar determinadas atividades. Neste entendimento convém ressaltar, que um dos entrevistados ressalta para autora, quando indagados sobre os conhecimentos gerados pelo grupo social, o mesmo relata que “a gente só aprendeu como se faz”, ou afirmações do tipo: “ É assim que o pessoal faz”.(KNIJNIK, 2006, p.64)
Indo nessa visão, outro fato interessante, que fez parte de objeto de estudo da autora, é observado quando a mesma ministrou aulas de matemática para homens e mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST na turma A do curso de Magistério do Departamento de Educação Rural – DER, onde a “prática social de cubação da terra foi à escolhida pelo grupo como primeiro objeto de estudo”. Numa fala de um entrevistado, foi lhe perguntado o motivo deste interesse – explica que a medição de terra interessa, por causa da posse e distribuição da terra pelo governo, e que se esperar pelas pessoas do governo, que dura 6 meses para medir a terra, “eles não podem se dar o luxo de passar fome em cima da terra esperando. “Então eles tem que mediar a área, então eles vão usar o que eles sabem, para medir a área (2006, p. 67)
No decorrer de sua pesquisa e dentre as suas discussões nesse grupo social, e analisando as suas ideias matemáticas, utilizadas para o seu convívio social, a autora utiliza-se da perspectiva etnomatemática para realizar análises quanto ao conhecimento matemático do grupo estudado, onde se apropria da expressão Abordagem Etnomatemática, que não é contraditória a Etnomatemática, sendo conceituada a partir de suas pesquisas. Para tanto, Knijnik (2006, p.148) utiliza a expressão para designar a
[…] investigação das tradições, práticas e concepções matemáticas de um grupo social subordinado (quanto ao volume e composição de capital social e econômico) e o trabalho pedagógico que se desenvolve com o objetivo de que o grupo interprete e decodifique seu conhecimento, adquira o conhecimento produzido pela matemática acadêmica e estabeleça comparações entre o seu conhecimento, analisando as relações de poder envolvidas no uso destes dois saberes.
Percebe-se que a autora trabalha com perspectivas quando analisa a abordagem etnomatemática, onde pela primeira busca por meio da investigação verificar concepções que o grupo social detém em si da matemática, percebida através da ótica dada a importância de perceber a matemática social, decodificando o seu conhecimento e estabelecendo comparações com a matemática acadêmica, para então verificar a relação de poder envolvidas nestes saberes. Neste sentido, numa segunda perspectiva, revela se a importância do trabalho pedagógico dentro do espaço educacional, uma vez que os conhecimentos que distintamente são produzidas, ou seja, a matemática concebida historicamente pelo grupo social e a matemática acadêmica, onde tais saberes possam colaborar com os estudantes em sala de aula, necessários como exemplo para a medicação das terras, cubagem da terra e madeira bem como outras necessidades do cotidiano.
Nesse sentido, Knijnik (2006, p.120) também ressalta que a etnomatemática estuda e problematiza os discursos, onde conforme a autora,
A etnomatemática estuda os discursos eurocêntricos que instituem a matemática acadêmica e a matemática escolar; analisa os efeitos de verdade produzidos pelos discursos da matemática acadêmica e da matemática escolar; discute questões da diferença na educação matemática, considerando a centralidade da cultura e das relações de poder que a instituem, problematizando a dicotomia entre cultura erudita e cultura popular na educação matemática.
Deste modo, os discursos eurocêntricos precisam ser (re) discutido, de forma a analisar os seus efeitos de produções de verdade dentro da escola, estudados suas diferenças na educação matemática e as relações da cultura popular e cultura acadêmica. Dentre os desafios que constituem a etnomatemática, como o citado acima, Knijnik (2010, p.32) alerta para o desafio que diz sobre a diversidade cultural, onde propõe alguns questionamentos, os quais podem-se exemplificar:
Como entendê-la, sem cair na armadilha de uma visão essencialista da diferença? Como lidar com a diversidade de culturas, sem folclorizá- las? Aqui, o que está em jogo é evitar o elogio ao exótico, ao diferente (é claro) “de nós”.[…] O que esta em jogo é evitar a folclarização dos saberes subalternos, e também o seu duplo, a “ gueto-ização”.
Percebe-se no discurso de Knijnik sua preocupação quanto a super valorização das distintas culturas, no sentido de não folclorizá-las, visto da dimensão que se tem ao trabalhar dois pensamentos matemáticos, como dito, a matemática acadêmica e matemática popular. A autora relata que foi pela sociologia da educação, onde aprendeu a
[…] “por sob suspeita” o pensamento relativista muito influente na Antropologia, o que me ajudou a evitar uma atitude de glorificação dos saberes e práticas matemáticas camponesas, apontando para a complexidade da relação erudito-popular, também quando pensada no âmbito do currículo escolar. (KNIJNIK, 2006, p.158).
Além disso, a autora trabalha intensivamente com aspectos acerca do popular e legítimo, evidenciando sua ideia sobre cultura baseada em Geertz (1978), Bourdieu (1987) bem como sobre os aspectos da teoria do relativismo cultural e teoria da legitimidade cultural inserido a partir de Gringnon & Passeron (1992) e Calclini (1983,1988).
Partindo de uma visão pós moderna, a autora mostra a Etnomatemática a partir dos jogos de Linguagem, onde permite
[…] que se compreendam as Matemáticas produzidas por diferentes formas de vida como conjuntos de jogos de linguagem que possuem semelhanças entre si. Assim, não há superconceitos que se pretende universais e que possam servir como parâmetros para outros. (KNIJNIK, et al, 2012, p.31)
Desse modo percebe-se que em suas obras que a autora trata a Etnomatemática como sendo uma alternativa para matemática. Com suporte na Filosofia da Linguagem de Wittgenstein, Knijnik manifesta a existência de práticas, chamadas por ela de matemáticas. Desse modo, ressalta que os estudos etnomatemáticos vêm em constante movimento, sendo alicerçados em distintas visões que se baseiam em diferentes teorias.
Breves Considerações
Na análise realizada foram percebidas algumas convergências e divergências entre os autores. No que diz respeito as suas convergências, percebe-se a importância de valorizar outros modos de conhecimentos produzidos por etnias Indígenas, Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST e outros grupos dos quais ainda mesmo com as transformações globais e a inserção de um pensamento analítico de conhecimento, se resguardam diante dos seus saberes tradicionais. Assim, convém ressaltar que a etnomatemática vem da perspectiva de valorizar os conhecimentos que foram e são produzidos pelos humanos.
No que se tratam das possíveis divergências é analisado a partir da ênfase dada ao comparar a matemática com Etnomatemática, onde se percebe outras definições e/ou conceitos. Ao analisar os estudos de Gerdes percebe-se que o autor demonstra trabalhar com Etnomatemática juntamente com a Matemática, ou seja, o autor parece confirmar nos seus estudos a legitimidade da matemática acadêmica e, por ela e com ela, trabalha buscando desenvolver as Etnomatemáticas dos distintos povos pesquisados. Deste modo, conclui-se que a matemática e Etnomatemática são paralelas. Por outro lado, nos estudos de Knijnik a autora parece evidenciar que a Etnomatemática é uma Matemática, ou seja, a Etnomatemática é uma matemática produzida por grupos sociais que usam seus saberes para realizar suas atividades.
Referências
GERDES, Paulus. Etnomatemática: cultura, matemática, educação. Maputo: Instituto Superior Pedagógico, 1991.
, Paulus. Geometria dos trançados borá na Amazônia peruana. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2010.
, Paulus. Sobre a produção de conhecimentos matemáticos em países da África central e austral. In: Idéias Matemáticas de povos culturamente distintos Mariana K. L. Ferreira (Org.). São Paulo: Global, 2002.
KNIJNIK, Gelsa. Educação Matemática, culturas e conhecimento na luta pela terra. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006.
,Gelsa. Exclusão e Resistência: educação matemática e legitimidade cultural. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
Knijnik, Gelsa. Wanderer, Fernanda. GIONGO, Ieda Maria. DUARTE, Claudia G. Etnomatemática em movimento. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.
[1] Mestre em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Email: dholjipa@gmail.com