DIÁLOGO COM PROFESSORAS: INVESTIGANDO OS DES/CONHECIMENTOS DOS CONTEÚDOS EXIGIDOS PELA LEI 11.645/2008 NA PERSPECTIVA INDÍGENA
Armelinda Borges da Silva*
Josélia Gomes Neves *
Resumo: O texto em tela trata da apresentação de um estudo desenvolvido no ensino fundamental, anos iniciais, em escolas públicas do município de Ji-Paraná, em Rondônia. O objetivo principal foi investigar a prática pedagógica em relação aos conteúdos exigidos pela Lei 11.645/2008, com foco na temática indígena no âmbito do Projeto de Pesquisa: “História e cultura indígena como conteúdos de aprendizagem: como anda a implementação da Lei 11.645/2008 nas escolas públicas da Amazônia?” Esta atividade vinculou-se ao Programa Institucional de Bolsas e Trabalho Voluntário de Iniciação Científica – PIBIC/UNIR/CNPq, ciclo 2013-2014. Dentre os aportes teóricos utilizados destacam-se as contribuições de Teixeira (1995), Neves (2013), Candau (2006) e Hall (2006). A metodologia adotada utilizou a técnica de entrevistas semiestruturadas. Os resultados da pesquisa informam que há pouca experiência em relação à temática indígena, os conhecimentos são empíricos e superficiais, à base do improviso. As principais fontes de informação utilizadas são o livro didático e as pesquisas realizadas na internet. Há necessidade de mais investimento na formação docente referente à Lei 11.645/2008, considerando a pouca experiência observada no trabalho docente, bem como a elaboração de material didático mais qualificado de feição intercultural.
Palavras-chaves: Lei 11.645/2008, Diferenças culturais, Diálogo, Interculturalidade.
DIÁLOGO CON PROFESORAS: INVESTIGANDO LOS DES/CONOCIMIENTOS DE LOS CONTENIDOS EXIGIDOS POR LA LEY 11.645/2008 EN LA PERSPECTIVA INDÍGENA
Resumen: El texto en tela se refiere a la presentación de un estudio llevado a cabo en la escuela primaria, años iniciales, en escuelas públicas del municipio de Ji-Paraná, Rondônia. El principal objetivo fue investigar la práctica pedagógica en relación con los contenidos exigido por la Ley 11.645 / 2008, centrándose en las cuestiones indígenas dentro del proyecto de pesquisa: “Historia y cultura indígena como contenidos de aprendizaje: ¿cómo anda aplicación de la Ley 11.645/2008 en las escuelas públicas de la Amazonia?” Esta actividad se vinculó al Programa Institucional de Bolsas y Trabajo Voluntario de Iniciación Científica – PIBIC/UNIR/CNPq, ciclo 2013-2014. Dentre los aportes teóricos utilizados se destacan las contribuciones de Teixeira (1995), Neves (2013), Candau (2006) y Hall (2006). La metodología adoptada utilizó la técnica de entrevistas semiestructuradas. Los resultados del estudio indican que hay poca experiencia en relación con las cuestiones indígenas, el conocimiento es empírico y superficial, basado en la improvisación. Las principales fuentes de información utilizadas son el libro de texto y las búsquedas realizadas en internet. Existe la necesidad de más inversiones en la formación docente en relación con la Ley 11.645/2008, teniendo en cuenta la poca experiencia observada en el trabajo docente y, así como la elaboración de material didáctico más cualificado de característica intercultural.
Palabras clave: Ley 11.645/2008. Diferencias culturales. Diálogo. Interculturalidad.
Introdução
Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante de uma estrela que virá numa velocidade estonteante e pousará no coração do hemisfério sul na América, num claro instante […][1]. Caetano Veloso
Nessa pesquisa apresentaremos o resultado parcial do Projeto de Pesquisa: “História e cultura indígena como conteúdos de aprendizagem: como anda a implementação da Lei 11.645/2008 nas escolas públicas da Amazônia?” Esta atividade foi desenvolvida no âmbito do Programa Institucional de Bolsas e Trabalho Voluntário de Iniciação Científica – PIBIC/UNIR/CNPq, no período de junho de 2013 a junho de 2014.
Teve como objetivo geral verificar a prática pedagógica referente a implantação da Lei 11.645 de 2008 na escola. Apresenta uma reflexão sobre as falas das professoras de escolas públicas do município de Ji-Paraná – Rondônia, ao todo sete, pertencentes a três escolas, duas da rede municipal e uma estadual, todas trabalham com os anos iniciais do 1° ao 5° ano, fazendo uma análise para investigar se a prática pedagógica das professoras vai ao encontro das exigências da Lei 11.645/2008.
Optamos por coletar os dados por meio da técnica da entrevista semi estruturada, possibilitando maior flexibilidade às entrevistadas no decorrer da entrevista. Procedendo de acordo com as orientações de Bogdan e Biklen (1994), nesse contexto “[…] a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo.” (p. 134) Sendo um recurso muito proveitoso para a análise dos dados e a compreensão da visão de mundo do/da colaborador/a.
Todas as professoras entrevistadas assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, possibilitando a utilização dos dados coletados, algumas permitiram ser identificadas, outras optaram por manter as iniciais do nome, mas utilizaremos os termos “Professora X”. “Professora Y”, “Professora N”, com o intuito de manter o mesmo estilo de tratamento.
1 – Investigação sobre a prática das professoras, referente a temática indígena
O Estado de Rondônia é habitado por diversas etnias indígenas, sendo que no município de Ji-Paraná pesquisado também há duas presentes: os Gavião-Ikolen e os Arara-Karo. Vale ressaltar que há indivíduos das duas etnias que residem no meio urbano, os moradores das Aldeias também realizam atividades comerciais na cidade.
Dessa forma, estão presentes no dia-a-dia da realidade dos não indígenas Ji-Paranaenses, apesar disso, acredita-se que ainda permanecem alguns estereótipos permeados pela falta de informação sobre suas histórias e culturas por parte dos não indígenas. Assim constitui-se a pesquisa por meio de entrevistas semi estruturadas para investigar se a história e cultura indígena são trabalhadas por professores e professoras das séries iniciais do ensino fundamental em Ji-Paraná.
Durante o trabalho de campo foi possível constatar um ponto muito importante, mesmo morando na Amazônia, que é habitado por diversos povos indígenas no Estado; também com o fato de existir duas etnias no município de Ji-Paraná; sendo que já moram aqui a tanto tempo e a maioria das entrevistadas já são professoras há mais de quinze anos; mesmo a LDBEN, em seu artigo 26 que fala que o currículo precisa ser constituído por “[…] uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela” permanece um desconhecimento enquanto cidadãs rondonienses e enquanto profissionais.
O desconhecimento leva ao agir por agir, sem aprofundamento teórico. Constatando esses pensamentos através das falas das professoras quando indagado o que conhecem sobre os povos indígenas e a questão da formação continuada:
Eu sei muito pouco, o que eu sei é o que eu pesquiso em livros, pela internet, pra fazer a minha aula, então eu sei muito pouco sobre a área indígena, não é uma área que eu procuro me aperfeiçoar […] Então, nós professores precisamos dessa formação continuada sobre esse assunto. Porque às vezes nós deixamos a desejar em sala de aula com os alunos por que também por falta de conhecimento do professor, né, de ter uma formação adequada pra trabalhar sobre esse tema com os alunos. Falta mesmo a formação, como trabalhar, o que passar o que ser trabalhado, eu acho que está faltando isso né. Porque os dados que a gente busca são muito antigos na internet, muito repetitivo. (PROFESSORA W)
Também expôs que não fez cursos sobre a temática. Já ouviu falar da lei 11.645/2008, mas não tem conhecimento sobre ela, nem a estudou. Através da fala da Professora W foi possível constatar que apesar de considerar necessário a formação continuada, não tem interesse pela temática. Faz-se uma comparação com a reflexão abaixo, que evidencia alheamento:
[…] Por exemplo, a floresta amazônica não passa para o antropólogo — desprovido de um razoável conhecimento de botânica — de um amontoado confuso de árvores e arbustos, dos mais diversos tamanhos e com uma imensa variedade de tonalidades verdes. A visão que um índio Tupi tem deste mesmo cenário é totalmente diversa: cada um desses vegetais tem um significado qualitativo e uma referência espacial. […] (LARAIA, 1986, p. 67).
O fato de não conhecer e não pertencer a um povo explorado ao longo dos séculos, que luta pelo cumprimento de seus direitos leva a um desinteresse pelo seu estudo, não se vê a necessidade de lutar pelos direitos do outro, pelos seus anseios, pela história desde a colonização que os massacrou e dizimou a maioria dos povos. Não há mobilização para por em prática os conteúdos exigidos pela Lei 11.645/2008, sendo considerado que há conteúdos menos e mais importantes para serem abordados.
A professora N expõe que seu conhecimento relacionado à temática indígena consiste principalmente no que lê nos livros didáticos de história e geografia. Sendo que há uma infinidade de assuntos que poderiam investigados, pois:
[…] representam uma magnífica soma de experiências históricas e sociais diversificadas, de elaborados saberes e criações, de arte, de música, de conhecimento, de filosofias originais, construídos ao longo de milênios pela pesquisa, reflexão, criatividade, inteligência e sensibilidade de seus membros. […] Sua variedade e sua originalidade são um patrimônio importante não apenas para eles próprios e para o Brasil mas, de fato, para toda a humanidade […] (BRASIL, 1998, p. 22)
A Professora X também relata ter pouco conhecimento em relação aos povos indígenas. Constata-se isso em sua fala: “Sobre os povos indígenas, a gente sabe, é o que a gente vê, o que a gente lê sobre, sabe que os povos indígenas vêm numa luta muito grande pra se manter, né, pra se manter como um povo, cultura, não é fácil.” (Professora X) É trabalhada a temática indígena em um contexto geral e não sabe especificar quais etnias há no município de Ji-Paraná, também por falta da disponibilidade de material que retrate o conteúdo.
Esta fala remete que “[…] não basta pensar o Currículo de forma genérica, daí a necessidade de vinculá-lo à expressão “Intercultural” como uma marcação política de contraposição ao Currículo tradicional e monocultural […]” (NEVES, 2013, p. 2). Dessa forma, percebe-se que não é trabalhada a interculturalidade no currículo, sendo trabalhada a cultura indígena de forma generalizada, abordando principalmente o que traz o livro didático e pesquisas sem muito aprofundamento na internet.
Sendo comprovando pela fala da Professora N: “É, às vezes a gente pesquisa outras coisinhas na internet, mas nada aprofundado. Só que nos livros deles não vem separados as tribos daqui, vem no geral”. Não há aprofundamento por falta de informações mais exatas sobre a prática cultural e a história dos povos indígenas locais, também expõe que trabalha os conteúdos do livro, mas não é uma área que procura se aprofundar. Não foi possível compreender a que pesquisas referem as professoras, por não serem claras as explicações. A Professora N foi a única a relatar que conhecia a Lei:
Essa Lei, nós estudamos ela uma vez, eu não trabalhava aqui nessa escola, eu trabalhava em outra, a gente fez, é, os professores, nós fizemos um grupo de professores da escola, porque estava todo mundo desnorteado, né, que mandaram a lei tal, a gente fez um grupo de estudo, com leitura, estudo da Lei pra gente ficar mais por dentro. (PROFESSORA X )
Também já participou em dois anos seguidos de uma formação oferecida pela Secretaria Municipal de Educação, mas falava da inclusão no geral e não teve um aprofundamento específico da temática indígena. As professoras J e Y já fizeram um curso de 8 horas, realizada pela Secretaria de Educação, falou sobre a temática Afro-Indígena. Não lembra se foi em função da Lei 11.645, também não conhecia a Lei. As professoras X, W e X disseram não conhecer o que diz a lei e nem fizeram algum curso em relação ao tema discutido.
O diálogo com as sete professoras evidenciou que sobre a temática indígena há muitos desconhecimentos sobre os conteúdos exigidos pela Lei 11.645/2008, além da fragilidade dos materiais disponíveis para o desenvolvimento do trabalho. Com unanimidade falaram que utilizam o livro didático como principal referência para o ensino da história e da cultura indígena e pequenas pesquisas na internet como complemento, sem aprofundar,
Confirmando pela fala da professora “[…] os dados que a gente busca são muito antigos na internet, muito repetitivo” (Professora W). O material didático aborda questões gerais da história e da cultura indígena, pois o livro que é utilizado em Rondônia pode ser utilizado em qualquer Estado do país, portanto, não discute as questões locais. Outro ponto importante que foi constatado foi a falta da formação continuada, pois falaram que não é dado suporte ou preparo adequado para o cumprimento da Lei, para discutir o que deve ser trabalhado, de acordo com os conteúdos exigidos pela Lei.
2 – Concepções das professoras, referente aos conhecimentos sobre a história e a cultura indígena e alguns ensaios de interculturalidade.
Neste espaço serão abordados os conhecimentos das professoras sobre a história e a cultura indígena. No qual foi constatado que a causa propulsora para se trabalhar a questão indígena são as ocasiões na qual são provocadas. Citando o exemplo de quando se teve a presença indígena na sala de aula da Professora N, que sentiu-se motivada a provocar uma discussão com os estudantes. Então relata que houve a presença de estagiários indígenas, acadêmicos do Curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural da Unir, de Ji-Paraná, que fizeram observação de sua aula, então disse que:
[…] interessante, veio aqui na escola uns estagiários, e a gente passou a conhecer um pouquinho mais a respeito deles, através deles, mais nada que a gente tenha lá, ido nesse lugar. Eles vieram na minha sala estagiar, contaram um pouco da tribo deles, o que eles fazem. Basicamente o que eu sei foi a respeito disso, mas das tribos indígenas daqui não estou lembrando. (PROFESSORA N)
Por causa da presença dos estagiários indígenas na aula da professora, houve uma provocação, que lhe oportunizou pensar na importância de discutir a história indígena na prática do currículo escolar. As contribuições dos indígenas ao falar sobre os primeiros habitantes do Brasil foi bem proveitosa, provocando uma boa discussão. Os estudantes e as estudantes se mostraram bem atenciosos com a explicação e com a presença dos indígenas na sala, pois não tiveram outra oportunidade de ter esse contato com indígenas.
O predomínio do ensino que aborde somente uma cultura considerada majoritária exclui a possibilidade de ter acesso a uma diversidade cultural imensa que há no país, pois “Hoje esta consciência do caráter monocultural da escola é cada vez mais forte, assim como a da necessidade de romper com ela e construir práticas educativas em que a questão da diferença e do multiculturalismo se faça cada vez mais presente.” (CANDAU, 2006, p. 40) O ensino intercultural pode proporcionar um ensino diversificado, que não se limite somente a uma prática que discuta somente uma cultura dominante. A através da prática da Lei 11.645/2008 pode-se contribuir para a aprendizagem da diversidade cultural presente no país.
Um ponto positivo e relevante a destacar é que algumas professoras relataram que trabalham a desconstrução da imagem estereotipada dos indígenas. Como evidenciado na fala da Professora X:
[…] Tem muita criança que já vem com isso na cabeça, índio só sabe andar pelado e dormir, pior que a maioria acostuma passar, mais a gente costuma trabalhar. O tanto que quando eu pergunto pros meus alunos assim: quem foram os primeiros habitantes de Ji-Paraná? Não, do Brasil, falo de Ji-Paraná, eles procuram mil e uma coisa, mas nunca fala que é o índio, né, quando eu falo, não, como no Brasil inteiro e os primeiros habitantes foram os índios, em Ji-Paraná não é diferente, faz parte, né, ‘mas é professora’, é mesmo, pra colocar com eles que o espaço era do índio e o branco que foram chegando e invadindo, até a fichinha deles cair pra entender.
A professora provoca a reflexão das crianças, com intuito de conhecer sua visão e posteriormente expõe como aconteceram os fatos, desmistificando algumas ideias equivocadas. As duas professoras citadas abaixo trabalham na mesma escola, e acreditam que os/as estudantes veem os indígenas da mesma forma que os não indígenas. A professora J é bem confiante ao afirmar que os indígenas conquistaram seu espaço na sociedade em meio as lutas por seus direitos. Fala que “As crianças não demonstram preconceito em relação aos indígenas, pois conquistaram seu espaço na sociedade, não são diferentes e as crianças também os veem dessa maneira.”, acredita que não haja preconceito por parte das crianças não indígenas.
A Professora Y destaca as características positivas dos indígenas e fala de como vivem na atualidade. Relata que já trabalhou em uma escola no Estado do Mato Grosso, onde havia estudantes indígenas e não indígenas, trabalhava com estudantes da etnia Suruí. Consideravam “[…] todos iguais, se comportavam como os não indígenas, brincavam juntos sem preconceito ou diferença”. Já visitou a aldeia deles, “[…] levam uma vida semelhante a nossa, andam de carro, tem televisão, antena parabólica, são estudados e bem instruídos, lutam por seus direitos, possuem meios tecnológicos. Sabem chegar e conversar, tem formação, são estudados, procuram se capacitar, se igualam a nós.” Portanto, quando há o convívio com os indígenas, há mais propriedade para gerar discussões, há um interesse maior em buscar mais informações. Então aborda a discussão com os estudantes de que os indígenas não são aqueles que só ficavam no mato, excluídos de tudo que a sociedade tem acesso.
É de fundamental importância que seja abordado sobre o indígena na atualidade, não girando em torno somente da imagem do indígena do passado, que mora na floresta, que não usa roupas. Isso remete-se ideia equivocada de que para ser indígena precisa manter as mesmas características de 500 anos atrás, lembrando da concepção do sujeito do Iluminismo citado por Hall:
O sujeito do Iluminismo estava baseado na concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo — contínuo ou “idêntico” a ele — ao longo da existência do indivíduo. […] (HALL, 2006, p. 11)
Hall (2006) fala de uma crise de identidade, onde os sujeitos não tem uma identidade fixa ou permanente, assim, assumem diferentes identidades em diferentes momentos. Dessa mesma forma, pode ser considerados os povos indígenas, que podem assumir diferentes identidades, optar em aderir aos costumes ocidentais, tanto nos bens materiais como culturais, continuar com seus costumes, ou ressignificá-los, pois não há uma fixação de pensamentos e práticas.
Da mesma forma, “[…] os indígenas não estão perdendo sua cultura, mas refazendo-a constantemente, inclusive a partir do contato.” (BERGAMASCHI; GOMES, 2012, p. 58) Da mesma forma que as culturas ocidentais evoluem, passam por processos de transformação, nas culturas indígenas também ocorre o mesmo processo.
A Professora Y também já trabalhou no distrito de Nova Colina, teve estudantes indígenas e não indígenas. Relatou que na comemoração do dia do índio, a diretora da escola convidou alguns indígenas para fazerem uma exposição de artesanato, para mostrarem seu trabalho desenvolvido. Então expressou que “Precisamos abordar a cultura indígena, pois faz parte da nossa história, somos descendentes deles, estão presente na região, no município, se movimentam na cidade.” A história dos indígenas faz parte da vida dos não indígenas, tanto no passado como no futuro, através de suas contribuições à sociedade nacional e local.
Embora não tenha realizado estudos aprofundados, há vários saberes presentes na fala da Professora Y, aborda não somente as questões do passado, mas o indígena da atualidade, de suas contribuições para a sociedade.
A Professora X, cita que “Sempre que a gente vê alguma coisa, a gente lê a respeito, discute com os alunos, até pra acabar com preconceito, que muitos alunos já trazem, né, de casa mesmo a respeito […]”A professora falou que no decorrer da conversa, quando ela vai explicando sobre os indígenas, os/as estudantes começam a ver com outros olhos, pois o conhecer transforma os preconceitos existentes, que ao ser trabalhado, é possível modificar a visão errônea que as crianças já trazem sobre os indígenas, passando a conhecer um pouco da realidade. Assim, “[…] podem possivelmente contribuir para a desconstrução de imagens inferiorizadas, subalternizadas e para o estabelecimento de novas representações sobre os índios na atualidade.” (NEVES, 2013, p. 10), pois com as discussões, a professora vai desmistificando as visões estereotipadas que as crianças trazem de seu meio cultural.
Quando provocadas sobre o conhecimento que tem sobre os povos indígenas, a Professora L relata que:
São nativos da América, tiveram suas terras invadidas, muitos morreram em conflitos e guerras contra os exploradores. São organizados por tribos, cada tribo tem sua própria língua, costumes, cultura. Os indígenas são povos que tem um vasto conhecimento sobre a natureza e seus benefícios. Sei de toda sua história, os enfrentamentos, as percas, as contribuições que deram e os considero como os verdadeiros donos das terras que hoje ocupamos.
Embora a fala da professora revele conhecimentos sobre a história indígena, relatando sobres a exploração sofrida por eles desde a colonização europeia, suas contribuições para a sociedade, sendo os primeiros habitantes da terra, percebe-se que utiliza termos que estão em desuso como tribo, sendo relatado pela maioria das professoras entrevistadas.
Segundo Teixeira (1995) houve um processo brutal de extermínio dos indígenas após a chegada dos portugueses, extinguindo povos, línguas. Dentre as causas destacam as caças de índios para escravizá-los, as epidemias de doenças contagiosas trazidas pelos colonizadores, diminuição do meio de subsistência devido a redução dos territórios dificultando a caça e a coleta e a assimilação forçada ou induzida aos costumes dos colonizadores.
Na aula de artes, a professora Y já trabalhou a pintura indígena, falando que os povos indígenas tem suas pinturas de diversas formas, em diferentes desenhos, dependendo da etnia, se criança, jovem, adulto, mulher, homem, a pintura tem um significado dentro da cultura deles. A professora pediu para as crianças fazerem desenhos no caderno, pois não pediu para fazerem pinturas corporais por que talvez fossem alérgicos as tintas ou os pais não gostassem. Nota-se que há uma resistência em trabalhar uma atividade que foge dos padrões, pois “O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. […]” (LARAIA, 1986, p. 72). Assim, não é dado prioridade na abordagem do ensino da cultura indígena, por ter a forma cultural dominante como superior, deixando a outra de lado, por não considerar relevante.
A Professora Z, ao falar sobre seus conhecimentos sobre os povos indígenas, destaca se “o que a gente pode falar é o que a gente vê na televisão, o que a gente vê nos livros. Aqui a gente tem alunos também, bastante alunos indígenas. E assim, a gente procura sempre trabalhar o respeito a cultura deles, as diferenças.” Foi constatado que há estudantes indígenas nesta escola, esta professora já teve uma boa experiência com um estudante indígena, utilizando a presença do menino para reforçar a valorização das diferenças culturais existentes no município.
Então foi investigado se a escola tem algum modo de trabalhar, de acolher esses estudantes indígenas, a afirmação foi:
Depende muito, eu acho que é de professor para professor, não tem um projeto específico para trabalhar, mas assim, quando a gente recebe a gente procura sempre valorizar as culturas deles. Eu mesma tive um aluno, e eu sempre procurava assim, ele era muito tímido, porque geralmente eles são muito tímidos, né. Principalmente por tá em outro ambiente, no meio de outras pessoas, com culturas diferentes, né. E daí eu procurava sempre assim colocar pra ensinar a língua dele, sabe, na sala, e aí aquilo foi chamando a atenção dos alunos assim, e na hora do recreio todo mundo procurava “quero o Gilberto, quero o Gilberto, fala, me ensina isso”, então ele foi se interando assim e foi ótimo pra ele isso. E depois que eu fiz isso na sala, chamei atenção, pra eles ensinar outra língua pras crianças, precisa de ver como que ele interagiu com os outros.(PROFESSORA Z)
Foram aproveitados os conhecimentos do menino indígena como exemplo da diversidade e da diferença entre o modo cultural vivenciado por sua família e do restante da sala. Depois disso, os coleguinhas passaram a fazer-lhe perguntas de como se falava certas palavras na linguagem materna dele, faladas pela etnia Gavião. Percebe-se que nessa ocasião houve um processo de interculturalidade entre os saberes da cultura que predomina na sala e a cultura do estudante indígena. A professora foi provocada pela ocasião de ter um estudante indígena em sua sala, reforçou que dá ênfase em trabalhar o respeito aos indígenas e a cultura deles. O professor/a deve provocar a reflexão das crianças em relação as contribuições indígenas, tendo um vasto campo a ser estudado:
[…] sensibilizá-los para conhecer que o suposto primitivismo dos ameríndios esconde sabedorias em termos de harmonia na educação das crianças, de respeito aos mais velhos, de preocupação espiritual na utilização dos recursos do mundo, dentre outras tantas contribuições culturais que correspondem às ideias de igualdade social, coletivismo e ecologia, que pautam nossas democracias neoliberais contemporâneas. Há um universo inesgotável de conhecimentos a serem explorados pela curiosidade dos estudantes, e a escola deve criar esse ambiente de produção intelectual capaz de integrar as lógicas (e cosmológicas) ameríndias e suas ciências tradicionais em diálogo simétrico com os paradigmas da ciência oficial. (BERGAMASCHI; ZEN; XAVIER, 2012, p. 20)
A ausência de informação, ou as ideias equivocadas podem levar a ter uma visão estereotipada da realidade vivenciadas pelas populações indígenas, bem como a imagem do índio de um modo genérico, também trabalha o currículo de uma forma excludente, “[…] não basta pensar o Currículo de forma genérica, daí a necessidade de vinculá-lo à expressão “Intercultural” como uma marcação política de contraposição ao Currículo tradicional e monocultural […]” (NEVES, 2013, p. 3). Através da abordagem da história e da cultura indígena no currículo associada a formação continuada, poderá fomentar discussões que vá ao encontro a realidade vivenciada pelos indígenas, mesmo antes da colonização até as lutas atuais. Sendo de suma importância que o currículo escolar tenha incluído essas discussões, com intuito de provocar, tanto estudantes como professores e professoras.
Da mesma forma que a professora citada anteriormente, esta também já teve estudantes indígenas em sua sala, fala da importância do estudo da cultura indígena:
A história e a cultura indígena fazem parte do currículo nacional de Ensino. Nosso Estado possui vários povos indígenas, como os Araras, Gaviões, Suruís. Naturalmente elas [as etnias citadas] são incluídas nas minhas aulas. Já tive aluno indígena, onde o mesmo até expôs um pouco da história e cultura dos Araras.
Houve o aproveitamento dos saberes do estudante indígena para se trabalhar um pouco da cultura da etnia indígena do menino, isso contribuiu para reforçar a sua autoestima de pertencer a uma cultura própria, muitas vezes menosprezada pela sociedade não indígena.
3 – Analisando os dados obtidos
Assim, a análise dos dados coletados nas entrevistas permitiu interpretar que a Lei 11.645/2008 é pouco conhecida pelas professoras e também não há formação adequada referente à temática indígena. As professoras reconhecem e reforçam a importância da formação continuada, pois a referida Lei foi implementada, mas não é oferecido subsídios para dar condições ao cumprimento das exigências da Lei.
Percebe-se nas falas das professoras que há pouca experiência em relação à temática indígena, restringindo principalmente quando há a presença de estudantes indígenas nas escolas e alguns conhecimentos empíricos e superficiais, sobretudo da ordem do improviso, sem ação planejada, pois só se trabalhou quando foi provocada pelos acontecimentos, se não é provocada não se dá ênfase em discutir. Sendo que as principais fontes de informação utilizadas são o livro didático e as pesquisas realizadas na internet, os quais deveriam ser apenas um complemento ou suporte nas atividades acaba sendo a principal fonte de informação.
É necessário repensar essa prática, pois não há como passar despercebida a presença indígena no estado de Rondônia e no município de Ji-Paraná, permeada por diversas razões, bem como cita o artigo 26 da LDBEN (1996) onde diz que o currículo deve ter uma base comum em todo país e uma parte diversificada dependendo das características regionais; Também devido a obrigatoriedade do cumprimento da Lei 11.645/2008; Além disso, vale ressaltar a importância de se trabalhar em prol do respeito à diversidade cultural, às diferentes formas de se expressar, de viver, tendo obrigação com a localidade amazônica em relação a esses povos que são cidadãos pertencentes a Amazônia, que dão características próprias a região.
Esses questionamentos levam ao pensamento empírico de que o desinteresse, o desconhecimento e a recusa em abordar a referida Lei estão relacionados aos resquícios das tensões ocasionadas desde o período migratório para a região amazônica que ocasionou o contato e conflitos entre os povos que chegaram e os povos que já habitavam a região. Isso relacionado a disputa em trabalhar os conteúdos clássicos, deixando outros temas de fora, que seriam de igual importância ou até mais relevantes a abordagem no contexto amazônico.
Considerações Finais
De acordo com a pesquisa realizada, observa-se que há a necessidade de se investir na formação docente em relação a Lei 11.645/2008, pois há pouca experiência e apenas alguns conhecimentos em relação a temática indígena. Reforçando também a necessidade de investir na qualidade do material didático disponível, pois todas as professoras entrevistadas utilizam o livro didático e a internet como fontes de informação, que muitas vezes trazem informações gerais, que não especificam as particularidades de cada etnia, trabalhando o índio genérico. Na qual também não reforçam o indígena da atualidade, se prendendo principalmente a imagem do indígena do período da colonização do país.
Assim, a deficiência na formação reflete no cumprimento das exigências da Lei 11.645/2008, sendo que os conteúdos são trabalhados de forma ampla, sem especificar a cultura, os costumes dos povos da região, ficando presas as características comuns dos povos indígenas brasileiros, o que compromete o cumprimento da Lei 11.645/2008 na redução do preconceito para com os povos indígenas, aparentando ser envolto por uma recusa da escola em discutir as diferenças culturais, que deveria ser primordial, sobretudo por estar no contexto amazônico.
Referências
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BERGAMASCHI, Maria Aparecida; ZEN, Maria Isabel Habckost; XAVIER, Maria Luisa Merino de Freitas (orgs.). Povos indígenas & educação. 2. ed. Porto Alegre, RS: Mediação, 2012.
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TEIXEIRA, Raquel F. A. As línguas indígenas no Brasil. In: LOPES DA SILVA, Aracy; GRUPIONI, Luís Donizete Benzi. (orgs.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília/MEC, 1995.
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Referência do artigo:
SILVA, Armelinda B.; NEVES, Josélia G.. Diálogo com Professoras: investigando os des/conhecimentos dos conteúdos exigidos pela Lei 11.645/2008 na perspectiva indígena. Revista Virtual P@rtes. 2015.
* Formada em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Campus de Ji-Paraná. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Educação na Amazônia – GPEA. armelindabs@hotmail.com.
* Doutora em Educação Escolar. Professora e pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia – Campus de Ji-Paraná. Líder do Grupo de Pesquisa Educação na Amazônia – GPEA. josélia.neves@pq.cnpq.br; joseliagomesneves@gmail.com.
[1] VELOSO, C. Um índio. Disponível em: http://letras.mus.br/caetano-veloso/44788/ Acesso: 26/03/2015.