Vivian Santana Paixão
Resumo
Este trabalho objetiva fazer uma reflexão sobre as concepções de política e poder no pensamento de Hannah Arendt. Para a autora, o poder está associado à capacidade de iniciar e de desenvolver ações com os outros, estando fortemente relacionado com a liberdade. Nessa mesma linha, a política é uma instância de fundação do mundo comum e de resistência à sua destruição.
Palavras-chave: poder, política, Hannah Arendt, ação, liberdade.
Introdução
Poder e política são dois temas que foram amplamente abordados pela cientista política Hannah Arendt. Em várias de suas obras, ela discorreu sobre esses assuntos, mostrando a relação entre eles e a forma que ambos podem ser utilizados para o bem público.
Ao longo do trabalho, será visto que, de acordo com a autora, o poder não é um gesto individual, mas de um grupo, e que sem a participação dos cidadãos, o poder pode se tornar obrigação, mando e pavor, mas não ação. A ação política tem como fundamento a liberdade e não o controle do indivíduo. O poder, ao ser formado por palavras e iniciativas, faz a política ter o potencial de união e transformação de realidades. Ele existe quando os homens agem unidos e perde força no momento em que eles se separam.
Hannah Arendt explica que o poder surge no momento em que um grupo de pessoas se reúne e age de comum acordo. Com esta junção de poder e ação, a autora dispõe o poder nos limites do espaço político.
O espaço político, definido por Arendt, é aquele em que a ação e o discurso entre os sujeitos sociais acontecem juntos. A ação ocorre por meio da particularidade de cada agente, sempre que este deixa no espaço político seus propósitos e ideias. A ação acontece através do fazer político em conjunto e da troca de opiniões.
O Poder na visão de Hannah Arendt
O princípio do pensamento de Hannah Arendt é a dor. O trauma causado pelo nazismo e suas práticas de extermínio, nos campos de concentração da Alemanha, reflete-se em toda sua obra. Na sistematização de poder feita pela autora, fica nítida a sua experiência com o regime totalitário. Em Arendt, a reflexão sobre esse tema tem como base sua história de vida e não a defesa de ideologias nem a continuação de um padrão de poder governamental.
E assim como a lei de países civilizados pressupõe que a voz da consciência de todo mundo dita “Não matarás”, mesmo que o desejo e os pendores do homem natural sejam às vezes assassinos, assim a lei da terra de Hitler ditava à consciência de todos: “Matarás”, embora os organizadores dos massacres soubessem muito bem que o assassinato era contra os desejos e os pendores normais da maioria das pessoas. No Terceiro Reich, o Mal perdera a qualidade pela qual a maior parte das pessoas o reconhecem – a qualidade da tentação. Muitos alemães e muitos nazistas, provavelmente a esmagadora maioria deles, deve ter sido tentada a não matar, a não roubar, a não deixar seus vizinhos partirem para a destruição (pois eles sabiam que os judeus estavam sendo transportados para a destruição, é claro, embora muitos possam não ter sabido dos detalhes terríveis), e a não se tornarem cúmplices de todos esses crimes tirando proveito deles. Mas Deus sabe como eles tinham aprendido a resistir à tentação. (Arendt, 2000)
Arendt, em todas suas análises, defende o poder como sendo a dimensão de criar homens livres, e essa liberdade é a capacidade de agir com os outros. Ela colocou a categoria da ação para se refletir sobre o poder. Para a autora, o poder é constituído de ação, condição humana e espaço público. É importante ressaltar que para Hannah Arendt “a condição humana não é o mesmo que a natureza humana, e a soma total das atividades e capacidades humanas que correspondem à condição humana não constituem algo que se assemelhe à natureza humana” (Arendt, 1983).
O poder se relaciona ao uso livre do espaço público e não à sua normatização jurídica. Arendt situa o poder no âmbito do sentido e na esfera da linguagem, por isso não o confunde com a força e a violência.
A autora propõe retornar à tradição greco-romana, que fundamenta o conceito de poder no assentimento e não na violência. Essa tradição é encontrada em Atenas e na Roma antiga, pois tanto o conceito de isonomia, no primeiro caso, como o conceito de civitas, no segundo, lidam com uma ideia de poder cuja base não se relaciona à obediência e não identifica o poder com dominação. Apesar de utilizarem o termo “obediência” – mas sempre obediência às leis em vez de aos homens – o que eles entendiam era “apoio às leis para as quais os cidadãos haviam dado o seu consentimento” (Arendt, 2001). Assim, segundo Arendt, “é o apoio do povo que confere poder às instituições de um país, e este apoio não é mais do que a continuação do consentimento que trouxe as leis à existência” (Arendt, 2001). Outra característica do conceito arendtiano de poder é que ele está vinculado ao momento da fundação de uma comunidade, dando existência às suas leis. Para a autora alemã,
o poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que alguém está ‘no poder’, na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um certo número de pessoas para agir em seu nome (Arendt, 2001).
Esta definição destaca aspectos importantes: o poder é um fenômeno da ação humana e um acontecimento da “ação coletiva”. Ele surge no momento em que um grupo é formado, o que corrobora com a teoria de que o poder está ligado a um momento de fundação e, pra finalizar, Hannah Arendt mostra que quando alguém está no poder é porque tem a autorização do grupo para falar em seu nome.
A ação coletiva que funda o grupo propõe que neste momento a esfera pública é criada, pois a “ação em concerto” que “funda o grupo” só pode surgir através de um compromisso público em que o acordo e o consentimento apareçam. É no momento da fundação que se legitima o poder. De acordo com Arendt, “o poder emerge onde quer que as pessoas se unam e ajam em concerto, mas sua legitimidade deriva mais do estar junto inicial do que de qualquer ação que então possa seguir-se” (Arendt, 2001).
O poder enquanto fundação define de que forma autoridade será, ao mesmo tempo, reconhecida e exercida. O poder como é um “momento fugaz” (Arendt, 1983) não garante a continuidade da comunidade política. Dessa forma, é preciso criar algo que se dedique a refletir a realidade depois do poder. Então, surge o conceito de autoridade: é a capacidade de dar ordens sem a necessidade de coação a cada nova ordem dada. A autoridade é reconhecida e atribui respeito aos seus portadores. A origem desse respeito aparece no ato fundacional, isto é, no poder. Ou seja, a autoridade é a institucionalização do poder.
Já que poder significa consentimento e apoio às instituições, logo não existe governo baseado na violência e onde há violência, o poder não existe mais. Não se trata, no entanto, de qualquer consentimento, mas aquele cuja base está em um acordo entre homens livres e iguais.
O poder não pertence a uma pessoa, mas a um grupo, e só existe enquanto o grupo estiver unido. Dessa maneira, nota-se que o poder em Arendt, é o resultado da ação humana e pressupõe o espaço público, que a autora alemã acredita ser o espaço do poder cuja finalidade é fazer com que haja a interação entre os indivíduos livres. Além disso, o poder não consiste na vontade alheia para os fins desejados, mas na formação de uma vontade comum baseada no consenso, isto é, do resultado do diálogo entre os cidadãos na esfera pública.
Hannah Arendt acredita que aquele que, por algum motivo, se isola e não participa da convivência humana, renuncia ao poder, tornando-se impotente, por mais importantes que sejam suas ações. Assim, a geração do poder não é um trabalho, mas a consequência da ação conjunta entre os homens, que revela a singularidade de cada indivíduo.
A Política do ponto de vista arendtiano
Hannah Arendt, a partir do surgimento dos campos de concentração, ligou o totalitarismo ao mal. O seu ponto de vista mostra que cidadãos comuns podem realizar ações cruéis sem qualquer motivação em cometer maldades. Isso fica claro quando a autora discorre sobre a personalidade de Eichmann no livro Eichmann em Jerusalém.
Nesta obra, fica evidente que um homem simples pode fazer ações maldosas sem ter a menor intenção, querendo, simplesmente, cumprir as ordens dadas por seus superiores. Ele não praticou o mal motivado pela ambição, ódio ou doença psíquica. Foi esse acontecimento que levou Arendt a usar o termo banalidade do mal. O indivíduo que praticante o mal banal não sente culpa; ele age como uma engrenagem do mal.
Vi um sujeito que como ele mesmo disse nunca maltratou pessoalmente um judeu. Um eficiente funcionário que se serviu ao III Reich, poderia igualmente ter sido diligente, servidor de qualquer outro regime que lhe pagasse um salário, reconhecesse seus méritos, promovendo-o regularmente e ao fim da carreira, pagasse a merecida aposentadoria, numa palavra “Um homem banal”. (Arendt, 2000)
Tendo em vista este fato, a autora indica a retomada da política como sendo a fundadora do mundo comum, resistindo à sua destruição. Para ela, a política é a responsável pelo surgimento do novo, como ação plural, apresentando-se não somente como uma alternativa, mas também sanando necessidades.
O conceito de política para Hannah Arendt é que a mesma implica não só a possibilidade de começar, de criar algo novo, mas também que a ação política não acontece no isolamento, sempre é uma ação em conjunto, sendo um acordo entre iguais. Dessa forma, mesmo que o começo seja fruto do trabalho de um único agente, há a necessidade de outros participantes para que a ação aconteça e seja concluída. Para a autora, “A política trata da convivência entre diferentes. Os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças.” (Arendt, 1998)
Para Hannah Arendt, a política ocidental, que nasceu com os gregos, é denominada de “vida activa” (Arendt, 1983), que tem como base atividades vitais como forma de realização de uma vida qualificada. Vida qualificada que se constitui no encontro e no confronto das pluralidades através do discurso, do debate livre em um espaço público. A criação do mundo resulta da ação que tem como ponto de partida as relações políticas, tornando a ação discursiva, que mobilizava os cidadãos em torno da política, como característica principal dos seres humanos.
A pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso e da ação para se fazerem entender. (Arendt, 1983)
No entanto, o mundo grego constituiu uma estrutura política hierárquica, na medida em que acreditava que o bom funcionamento da pólis dependia do fato de que cada homem cumprisse o seu papel. Desta maneira, a sociedade grega se dividia em um plano inferior da vida humana, que Arendt chama de labor, cuja característica principal é a satisfação das necessidades biológicas. O labor era o centro das relações produtivas que se estabeleciam no espaço privado, cujo objetivo era a manutenção das necessidades biológicas e fisiológicas de sobrevivência (comer, dormir e a manutenção do corpo), trabalhos feitos pelos escravos, pelas mulheres e crianças, que faziam a manutenção do lar, espaço dedicado ao cuidado da vida biológica. A autora enfatiza que “como o processo natural da vida reside no corpo, nenhuma outra atividade é tão imediatamente vinculada à vida quanto o labor” (Arendt, 1983). Em um segundo lugar, ficaria a dimensão do trabalho direcionado a artesãos e comerciantes e realizado, por meio de instrumentos, em certos locais específicos da cidade. No primeiro plano da vida ativa, está a ação que é definida através da política e das ações provenientes dela, atividade dos cidadãos e realizado em praça pública.
Para Hannah Arendt, o que torna o homem um ser político é sua capacidade para a ação; ela o auxilia a se reunir com seus iguais e a agir em comunhão, almejando objetivos comuns que antes não teriam condições de supor. Para que a ação exista é necessário que os homens se comuniquem, interajam e se expressem por meio do discurso no espaço público, sendo este, o principal local para a concretização da ação e da liberdade. A ação é a atividade que faz parte do universo político, que tem como fator essencial a competência para iniciar algo novo.
A política, assim aprendemos, é algo como uma necessidade imperiosa para a vida humana e, na verdade, tanto para a vida do indivíduo como da sociedade. Como o homem não é autárquico, porém depende de outros em sua existência, precisa haver um provimento da vida relativo a todos, sem o qual não seria possível justamente o convívio. Tarefa e objetivo da política é a garantia da vida no sentido mais amplo. Ela possibilita ao indivíduo buscar seus objetivos, em paz e tranquilidade, ou seja, sem ser molestado pela política — sendo antes de mais nada indiferente em quais esferas da vida se situam esses objetivos garantidos pela política, quer se trate, no sentido da Antiguidade, de possibilitar a poucos a ocupação com a filosofia, quer se trate, no sentido moderno, de assegurar a muitos a vida, o ganha-pão e um mínimo de felicidade. (Arendt, 1998)
É importante salientar que para a cientista alemã, o espaço político é o lugar das aparências: os sujeitos não fazem política com suas fragilidades e preocupações pessoais, mas sim levando a público a sua capacidade de agir e de convencer. O espaço político é considerado pela autora como um artifício humano em que os cidadãos podem ser iguais e, ao mesmo tempo, serem apresentados como seres plurais. A geração de poder e a implantação da liberdade são os elementos mais marcantes do espaço político. De acordo com Arendt “para a pergunta sobre o sentido da política existe uma resposta tão simples e tão concludente em si que se poderia achar outras respostas dispensáveis por completo. Tal resposta seria: o sentido da política é a liberdade.” (Arendt, 1998)
A ação é possível a partir do princípio de isonomia, que garante a igualdade precisamente porque os homens não são iguais, sendo este o espaço da liberdade que se relaciona como a razão de ser da política. A política é um espaço não geográfico, mas mesmo assim atua como espaço para a ação e o discurso a partir do conceito de isonomia. Assim, liberdade e política não são separadas, pois estão associadas à capacidade do homem agir. Contudo, a ação política só pode ser vista como liberdade se não sofrer qualquer forma de funcionalização e de instrumentalização, como ocorre nas atividades do labor e do trabalho, em que o valor não estaria, ao contrário da ação política, no desempenho em si mesmo, mas sim em um resultado, uma finalidade a ser alcançada quando o processo de produção termina.
Considerações Finais
Conhecer os conceitos de poder e política em Hannah Arendt é de extrema importância para entender o seu pensamento e sua visão de mundo. É interessante perceber que, mesmo tendo sofrido os horrores do nazismo, a autora continua acreditando que há possibilidade de existir um mundo mais justo onde os homens unidos possam fazer diferença na sociedade em que vivem.
Para a autora, o poder se relaciona com a possibilidade dos indivíduos agirem em conjunto, formando homens livres. Ressalta-se que para ela, o poder é constituído de ação, condição humana e espaço público.
Seguindo os mesmos pressupostos, a política para Hannah Arendt implica não só a possibilidade de criar algo novo, mas também no fato em que a ação política só acontece quando existe uma ação em conjunto, sendo um acordo entre iguais.
Para finalizar, diferente do que muitos acreditam, para a autora estudada, poder e política são práticas fundamentais para a melhoria da esfera pública e para a transformação do homem em cidadão com deveres e direitos.
Referências Bibliográficas
ARENDT, Hannah. O que é política? Tradução de Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1998.
______. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro:
Forense, 1983.
______. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução
de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
______. Poder e violência. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2001.
Artigos e revistas
ABREU, Maria Aparecida Azevedo de. A relação entre lei e poder em Hannah Arendt.
AGUIAR, Odílio Alves. A dimensão constituinte do poder em Hannah Arendt.
PERISSINOTTO. Renato M.. Hannah Arendt, poder e a crítica da “tradição”.
TORRES, Ana Paula Repolês. O sentido da política em Hannah Arendt.
Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732007000200015&lang=pt
Acessado: 27 de julho de 2014
Trabalho para a disciplina
Comportamento, Subjetividade e Cultura da Mídia
oferecida pelo Prof. Dr. Dimas Kunsch
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