Mara Rovida*
Taurinos são seres ruminantes. Mastigam seus sentimentos, engolem, regurgitam, fazem malabarismos bucais para enfim processá-los. Com lentidão e força, muitas vezes explosiva, sentimentos ou pensamentos são subitamente expressos. Surgem assim insights maravilhosos de um tipo bem particular de mastigação, a bovina.
Sem glamour, sem magia, é assim que a particularidade desses seres ruminantes torna tangíveis inventos, mesmo os intelectuais ou líricos. Foi num processo desses que a crônica cheia de impressões e boas perspectivas sobre a arte da docência foi elaborada.
Um texto simples e poético. Uma visão singela, mas cheia de entusiasmo pela carreira retomada depois de anos de pausa para a dedicação do item segundo, aquele depois do hífen – já desaconselhado pelas normas ainda em debate da nossa língua – de professor-pesquisador.
Redação rabiscada em papel de rascunho e cuidadosamente dobrada para não escapar pelo caminho. Colocada na bolsa, esta sim mágica por caber o mundo, parecia segura. Dias se passaram, o pequeno pedaço de ideia seguia firme pelas Marginais e Rodovias. Agarrava-se para não sair voando em cada entrada ou saída de carteiras, bolachas, garrafinhas d’água, canetas, agendas ou qualquer outro acessório de uso obrigatório e até compulsório.
Não esquecida, apenas adiada. A redação final seria, enfim, digitada numa página brilhante de tela inteligente. Mas, misteriosamente, o rascunho poético de prosa empolgada havia sumido. A síntese digestiva da taurina professora não estava mais em seu rascunho de registro.
Nunca havia perdido uma ideia assim, já sintetizada. Um sentimento crescente foi se formando no canto da boca, desperdício.
* Mara Rovida é jornalista, doutora em Ciências da Comunicação pela USP e membro do Grupo de Pesquisa do CNPQ Comunicação e Sociedade do Espetáculo.