UM CHÁ MALUCO
Margarete Hülsendeger
Cómo podía yo sospechar que aquello que parecía tan mentira era verdadero…[1]
Julio Cortázar
Quando “Alice” chega ao chá oferecido pelo “Chapeleiro Louco”, ela se depara com uma festa maluca da qual também participam a “Lebre de Março” e o “Arganaz”. A bizarice do “evento” aumenta quando “Alice” começa a ser desafiada com enigmas lógicos que acabam se revelando completamente incoerentes. Irritada, ela abandona o chá dizendo que aquela era a festa mais estúpida que já tinha participado.
Alguns estudiosos acreditam que Lewis Carrol, sendo um professor de matemática, teria, em muitas de suas histórias, feito referências a conceitos matemáticos. No caso do “Chá dos Loucos” pode-se, por exemplo, encontrar entre as várias frases aparentemente incoerentes do “Chapeleiro”, da “Lebre” e do “Arganaz” alusão ao que, na matématica, se denomina “relação inversa” – Não é nada a mesma coisa! (…) Ora, nesse caso também podias dizer que “Vejo o que como” é a mesma coisa que “Como o que vejo”! Assim, no fantástico “País das Maravilhas”, criado por Carrol, nada parece ser o que é. Algo aparentemente absurdo pode se transformar em um conceito matemático.
Na física, por mais estranho que pareça, também vamos nos deparar com situações muito semelhantes. Uma dessas situações extraordinárias é considerada pelos físicos o “mistério central” da mecânica quântica. Estou me referindo ao a um fenômeno chamado “dualidade onda-partícula”.
Durante muito tempo, um corpo ou era matéria ou era onda. Se fosse matéria – uma bola, por exemplo – ao bater em um parede seria refletido por ela. Se, no entanto, fosse onda poderia contornar essa mesma parede – ou se espremer por um buraco – e continuar se propagando sem nenhum problema. Em outras palavras: enquanto um corpo material é barrado por um obstáculo, uma onda pode contorná-lo sem qualquer dificuldade.
Hoje, contudo, sabe-se que o comportamento das partículas não segue esse padrão estabelecido pelo senso comum. Como se fosse um dos muitos enigmas do “Chapeleiro Maluco”, os físicos têm se deparado repetidas vezes com a mesma situação bizarra: uma única partícula atravessando dois buracos (ou fendas) ao mesmo tempo. Não se trata de uma partícula dividindo-se e cada parte atravessando um buraco. Nada disso! É a mesma partícula atravessando dois buracos simultaneamente!
Quando isso ocorre a partícula não está se comportando como se fosse matéria, mas como onda. Esse fenômeno, no entanto, só acontece enquanto ninguém está observando. Quando se passa a observá-lo – o que em física significa medir – tudo se passa como o esperado: ao serem enviadas partículas em direção a dois buracos, uma partícula atravessa um único buraco de cada vez. A explicação dos físicos para esse estranho comportamento tem a ver com o “colapso da função de onda”[2]. Em outras palavras: deixadas à própria sorte, cada partícula vai passar pelos dois buracos ao mesmo tempo. Portanto, é a medição – serem observados – que as força a “escolher” um dos buracos.
Maluco? Pode ser. Isso realmente acontece? Sim. Existiria outra explicação para algo tão estranho? Sim! Essa explicação chama-se “teoria do multiverso”.
Nessa teoria, cada partícula só passa por um dos buracos. O comportamento ondulatório só irá ocorrer quando a partícula interagir com seu “clone” que está passando por outro buraco em um universo paralelo. Então, para quem acredita na “teoria do multiverso” o comportamento dual (onda-partícula) da matéria seria o resultado de uma interação entre duas dimensões diferentes, cada uma delas contribuindo com a sua partícula. Nós apenas conseguimos ver o que ocorre em nosso universo, ignorando completamente o outro (ou outros) universo, por isso tudo nos parece tão estranho. Se passarmos a aceitar a existência de outros universos além do nosso, o bizarro torna-se normal, podendo-se, inclusive, criar teorias sobre ele.
Tenho certeza que a essa altura você deve estar pensando que as loucuras do “Chapeleiro Maluco” são insignificantes quando comparadas com as loucuras da mecânica quântica. A questão, no entanto, não é encarar como se tudo fosse algum tipo de maluquise, mas como outra forma de perceber o mundo. Um mundo onde a loucura e a normalidade podem conviver sem nenhum problema. Um mundo no qual o “Chapeleiro Maluco” pode ser um físico quântico, lidando com enigmas que estão longe de serem completamente compreendidos.
[1] “Como podia suspeitar que aquilo que parecia muito uma mentira era verdadeiro…” (tradução livre)
[2] Ver o texto “O gato que ri”
HÜLSENDEGER, Margarete Jesusa Varela Centeno . UM CHÁ MALUCO. REVISTA VIRTUAL PARTES, 06 mar. 2015.