Por Luiz Claudio Ferreira Edição:Portal EBC
Um escândalo financeiro de repercussão em todo o mundo, que envolve a filial suíça do banco HSBC, tem chamado a atenção tanto pelos valores envolvidos quanto pela relevância das descobertas e do possível desenrolar do caso. Documentos secretos revelaram que a instituição financeira atraiu 106 mil clientes, entre suspeitos de sonegação e de diversos crimes (incluindo traficantes e terroristas) em 203 países entre os anos de 1988 e 2007. A quantia somada chegou a US$ 100 bilhões. Nomes de 8.667brasileiros estão na lista. Os dados vieram à tona a partir de uma apuração do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ na sigla em inglês), que não divulgou a lista total dos correntistas suspeitos. O caso, chamado de “Swiss Leaks” (que significa vazamentos suíços, em alusão ao projeto Wiki Leaks, de Julian Assange), chamou a atenção de autoridades e organismos de controle em todo o mundo.
A entidade de jornalistas recebeu o material vazado por um ex-funcionário do HSBC, Herve Falciani, para autoridades francesas em 2008. O consórcio e o jornal francês Le Monde enviaram o conteúdo para 140 jornalistas de 45 países. A apuração dos jornalistas aponta que a filial suíça aproveitou-se das falhas nas regras fiscais do país para ajudar quem estivesse disposto a sonegar ou esconder dinheiro. A lista, segundo o ICIJ, inclui artistas, celebridades e esportistas. Apenas 65 nomes foram revelados. Estão entre os suspeitos antigos e atuais políticos da Grã-Bretanha, Rússia, Ucrânia, Geórgia, Quênia, Romênia, Índia, Liechtenstein, México, Líbano, Tunísia, República Democrática do Congo, Zimbábue, Ruanda, Paraguai, Djibouti, Senegal, Filipinas e Argélia. Sobre a divulgação parcial dos dados, o consórcio justifica que apenas nomes de “interesse público” serão revelados.
Quem são os brasileiros envolvidos no escândalo?
De acordo com o dossiê do ICIJ , o Brasil foi colocado em 9° lugar entre os países com a maior movimentação de dinheiro (7 bilhões de euros, o equivalente a cerca de R$ 20 bilhões) e em 4º em número de correntistas com operações investigadas: 8.667 correntistas ligadas a 6.606 contas. As informações disponibilizadas pelo consórcio indicam que houve uma evolução no número de contas abertas ao longo dos anos. Em 1.989 eram 427, saltou para 1379 dois anos depois, chegou a 1899 em 2.002 e, passados cinco anos, o número ficou em 1896. Entre os correntistas, estariam, segundo os dados disponibilizados, o banqueiro Edmond Safra (morto em 1999) e da família Steinbruch (que controla o grupo têxtil Vicunha).
Pós-doutor em direito tributário, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Valcir Gassen explica que as autoridades brasileiras devem aproveitar a denúncia para investigar com mais agilidade as suspeitas. “É preciso, em primeiro lugar, separar o joio do trigo. Podem haver contas legais que, por causa da morosidade da investigação, ficam sob suspeita. Para isso, a Receita Federal pode rapidamente cruzar os dados com os CPFs desses brasileiros”, explica o professor.
Gassen acredita que os dados não chegam a surpreender. Ele contextualiza que, em 1985, no processo de redemocratização do país após o regime ditatorial, o Brasil tinha se tornado a quarta pior concentração de renda do mundo. “Isso é explicado pelo fato de que a renda sempre esteve no país ligada a uma pequena parcela da população. Uma das razões disso é, sem dúvida, a sonegação tributária. A maioria ganha pouco e paga muito, enquanto que a minoria ganha muito e consegue encontrar alternativas para não pagar. Desde a redemocratização, o país aperfeiçoou a vigilância e o rigor, mas ainda está muito longe do ideal. As instituições precisam ter uma atuação mais cidadã”.
Também especialista na área, o advogado Eduardo Diamantino ratifica que as autoridades brasileiras têm uma “agenda longa a percorrer” para tornar a fiscalização mais atuante. Ele cita que o Brasil precisa ter um eficaz tratado de troca de informações com a Suíça para diminuir as chances de evasão fiscal e lavagem de dinheiro. Para ele, autoridades admitem a possibilidade de encontrar formas de repatriar esse dinheiro e uma das formas seria com algum tipo de anistia a quem mandou dinheiro para fora sem pagar os impostos devidos. “Existem projetos no Congresso para regularizar esse capital. Por outro lado, as leis se tornaram mais rigorosas para combater o crime”. Uma delas é a de número 12.683/2012, que tornou mais severas as multas para lavagem de dinheiro (aumentou de R$ 200 mil para R$ 20 milhões) e a possibilidade de punição a quem remeteu o dinheiro por qualquer origem ilícita. Antes era limitada a crimes como tráfico e terrorismo.
Por que as pessoas mandam dinheiro para Suíça?
O sigilo bancário, com contas identificadas por números substituindo nomes, foi fundamental para que os bancos privados na Suíça se tornassem uma espécie de paraíso fiscal, um chamariz para dinheiro ilegal. Não havendo rigor na identificação, pode se propiciar sonegação e lavagem de dinheiro. Nos últimos cinco anos, porém, o país tem endurecido as normas para correntistas a fim de que o país não perca credibilidade na atração de capitais regulares.
“Existe uma necessidade de transparência. A Suíça tem feito esforço muito grande para combater remessas ilegais e a imagem de um paraíso para dinheiro originário de crimes”, aponta Eduardo Diamantino, especialista em direito tributário, . Desde a última década, com um acordo denominado FACTA entre Suíça e Estados Unidos, impôs-se um novo padrão de exigência. “Os dados vazados do HSBC devem ser semelhantes a outros bancos grandes, levando-se em conta o período. Sem dúvida, isso mudou nos últimos anos”.
O professor Valcir Gassen entende da mesma forma e acredita que o país europeu tem levado a sério as medidas de identificação. “Os países, incluindo o Brasil, precisam estreitar os laços com a Suíça, o que deve fechar o cerco contra dinheiro do crime.”
O que diz o banco?
O HSBC lamentou as falhas no processo e no rigor de receber as contas com origens suspeitas. “Nós reconhecemos que os padrões de segurança na filial suíça do HSBC foram significativamente menores do que são hoje”. Em nota, a instituição financeira garantiu que mudou bastante as normas para evitar problemas como esse que abalaram a imagem e a credibilidade. “Passos significativos ao longo dos últimos anos foram dados para implementar reformas”. O texto acrescenta que clientes que não preenchiam os novos padrões rigorosos da instituição foram excluídos, “incluindo aqueles onde tivemos preocupações em relação ao cumprimento das obrigações fiscais”. O banco garantiu que promoveu uma reorientação dos negócios. “Como resultado deste reposicionamento, Swiss banco privado HSBC reduziu sua base de clientes em quase 70% desde 2007.”
Confira reportagem do Repórter Brasil sobre o caso HSBC
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=WuE65lCELGs&w=420&h=315]
O que diz o Consórcio de Jornalistas?
A divulgação dos dados para o público está ainda restrita a 140 jornalistas do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, que tem sede em Washington (EUA), e que se identifica como sem fins lucrativos. No Brasil, o repórter Fernando Rodrigues, que edita blog publicado pelo grupo UOL, é o profissional que tem conhecimento dos dados.
Nesta semana, ele explicou que apura as informações desde o ano passado e que está fazendo uma “minuciosa checagem” para publicar apenas nomes com “interesse público” a fim de não violar a privacidade desses correntistas. Segundo ele, a maioria dos nomes é desconhecida do grande público. Ele acrescentou que não tem contado com o apoio das autoridades brasileiras para checagens de dados.
O que diz a Receita Federal brasileira?
A Receita Federal admitiu, nesta semana, que pôde constatar irregularidades de contribuintes. “As análises preliminares de alguns contribuintes já revelam hipóteses de omissão ou incompatibilidade de informações prestadas ao Fisco Brasileiro”, informou em nota. De acordo com a Receita, a unidade de inteligência do órgão teve acesso à parte da lista de pessoas “supostamente” com contas na filial suíça do HSBC.
Como procedimento de investigação, a Receita garante que aprofunda a pesquisa e busca mais informações sobre a denúncia publicada pelo Consórcio de Jornalistas Investigativos para que exista punição aos envolvidos. “(A receita faz) o levantamento de possíveis valores não declarados, passíveis portanto de autuação fiscal e de representação fiscal para fins penais em razão da ocorrência de crime contra ordem tributária”. O órgão brasileiro explica que está em contato com outras instituições e que algumas das pessoas supostamente envolvidas foram investigadas anteriormente.