Crônicas Margarete Hülsendeger

Sobre a fragilidade

SOBRE A FRAGILIDADE

Margarete Hülsendeger

 

É que um morto ainda podemos enterrar. Mas o medo, isso não se pode enterrar.

Mia Couto

 

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutoranda em Teoria Literária na PUC-RS

Eu não tinha ilusões. Era apenas uma questão de tempo: um dia eu seria mais um pontinho dentro da curva. No entanto, o estranho é que, como tantos outros antes de mim, acreditava estar protegida por algum tipo de “capa de invulnerabilidade”. De uma forma um pouco romântica – ou seria ingênua? –, ainda acreditava que as coisas ruins aconteciam com os outros, nunca comigo. Infelizmente, mais uma vez, essa ideia se comprovou falsa e por dias a desesperança, o medo e a ansiedade se alojaram na minha mente, tirando o meu equilíbrio e paz de espírito.

Fui vítima de um assalto!

Em uma quase noite de segunda-feira, três rapazes (não consigo pensar neles de outra forma), com expressões ferozes, cercaram meu marido e eu e, enquanto um deles apontava uma arma para o meu rosto, os outros dois “limpavam” meu marido. Se pedirem a descrição do rapaz que me ameaçou não saberia descrevê-lo. Na verdade, daquela quase noite a imagem mais nítida é a da arma. Um objeto que só havia visto na TV e no cinema e sobre o qual sei muito pouco, a não ser o óbvio: se o dedo do rapaz tivesse pressionado o gatilho com mais força muito provavelmente não estaria aqui escrevendo este texto.

Após terem levado tudo (carteiras, documentos, celulares e, é claro, nosso carro com menos de um ano de uso!) nos vimos parados no meio da rua sem saber o que fazer e muito menos o que dizer. No meu caso, a sensação foi de vertigem. Sei que é um clichê, mas minhas pernas, realmente, viraram gelatina. Se não é o marido a me amparar, teria passado por outra humilhação, ver-me caída no asfalto, chorando feito um bebê.

Talvez alguns estejam se perguntando: mas não havia alguém para ajudá-los, quem sabe, gritando, como nos filmes, “Ladrão! Socorro! Polícia!”? Sim, havia. A rua não estava deserta, mas ninguém ousou intervir. E, francamente, não os culpo. Diante de uma arma, quem se atreveria a gritar? Eu não gritei. Meu marido não gritou. Ficamos apenas parados, com os olhos voltados para o chão, a boca fechada, a respiração presa, rezando para que os três fossem embora nos fazendo o “favor” de nos deixar com nossas “pequenas e insignificantes vidas”. A percepção do quanto somos frágeis foi assustadora.

Quem chegou até aqui deve estar pensando: “Essa mulher está traumatizada! E olha que nada aconteceu. Imagina se tivesse acontecido?”. Sim, o resultado poderia ter sido bem pior, poderia estar ferida ou morta (o mesmo com meu marido). Contudo, minimizar a violência, transformando-a em algo que poderia ter sido, mas não foi, também não é a melhor maneira de aceitar o que nos aconteceu. A questão principal, portanto, não é voltar à minha bolha de conforto e certezas; isso, eu sei, já não é mais possível. Preciso, porém, encontrar formas de não me sentir oprimida ou severamente angustiada quando tenho, por exemplo, que sair de casa. Não quero permanecer o resto da minha vida olhando sobre o ombro, desconfiando de tudo e de todos, resistindo a sair com amigos e familiares, pois fico apavorada com a ideia de que algo semelhante se repita. Não posso permitir que o medo saia vencedor!

O tempo, é claro, é sempre o melhor remédio. Como outras vítimas da violência urbana, estou aos poucos assimilando o que aconteceu. O primeiro passo foi dado quando, no segundo dia após o assalto, saí de casa às 7 h, peguei dois ônibus, e fui para a faculdade. Não vou mentir: foi muito difícil. Houve momentos que quis voltar e, literalmente, me esconder. No entanto, fico feliz em dizer que essa ansiedade inicial foi vencida e desde então tenho me mantido firme no propósito de seguir em frente.

E o medo? Mentiria ao dizer que ele desapareceu. Infelizmente, o temor de tudo voltar a acontecer está lá, mas tento mantê-lo sobre controle. E enquanto assim o mantiver, a vida prossegue, com altos e baixos, lutando as pequenas batalhas um dia de cada vez. Não considero meu lado frágil um sinal de fraqueza ou covardia. Ao contrário. Reconhecer minha fragilidade é aceitar, sem arrogância, o fato de ser apenas humana.

 

HÜLSENDEGER, Margarete Jesusa Varela Centeno . SOBRE A FRAGILIDADE. REVISTA VIRTUAL PARTES, SÃO PAULO, 09 dez. 2014

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