Por Fernando Pivetti – fernando.pivetti@usp.br
Um estudo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP analisou obras de influentes autores como Lima Barreto, João Antonio e o atual Ferréz, na formação da chamada Literatura Marginal. Os resultados mostraram que esse tipo literário, elaborado nas grandes periferias de centros urbanos, ainda que vista como antítese social do meio, reflete e é refletido pelo mundo administrado.
Pesquisador analisou obras de Lima Barreto, João Antônio e FerrézA dissertação de mestrado do professor Gabriel Alves de Campos analisou momentos marcantes de uma linhagem literária que faz frente aos valores estéticos que regem a formação da literatura brasileira. No processo, os contos dos autores Lima Barreto, João Antonio e Ferréz formaram o tripé que permitiu a investigação da natureza política dessa literatura, que propõe uma formalização das relações de classe no Brasil. “Percebi que as formas artísticas dessa linhagem coincidem com as formas sociais do trabalho, pois estão circunscritas ao universo do favor, do assalariamento e do trabalho precarizado”.
Segundo o pesquisador, o princípio mediador entre obra literária e sociedade se dá por intermédio da forma, buscando atingir um teor de verdade social. “Também podemos analisar o valor de uma obra pela tríade Literatura-História-Política. Nesse caso, a última funciona como base do triângulo, denotando a intenção do autor”. Campos afirma que, seja qual for o ponto de partida, durante o processo é possível notar que existe uma íntima correspondência entre as chamadas realidades objetiva e a figurada.
O principal eixo da pesquisa foi o estudo da forma das obras de Lima Barreto, João Antônio e Ferréz, bem como a formação do público que lê essas obras e por ele é influenciado, dando continuidade a esse tipo de literatura. “Analisei também a relação entre forma e formação constituindo um sistema cultural articulado que se convencionou chamar de literatura marginal”. Campos definiu Lima Barreto e João Antonio como os grandes influenciadores da literatura marginal. “A partir dessa definição, sai em busca de uma matriz prática contemporânea desse processo, o que me levou até Ferréz, um dos grandes autores desse processo”.
O pesquisador acredita que a ampliação das lutas de classes na literatura, abafada pela pulverização do mundo do trabalho, provoca um processo de destruição cultural e perda da capacidade de fabulação. “Percebi que, em muitos casos, esse processo é parte estruturante da ideologia da cultura brasileira e cria um mal estar generalizado naqueles que acreditam que na capacidade da arte de emancipar o meio social”.
Ação cultural coletiva
Campos afirma que a literatura marginal não é apenas um sistema literário, mas um complexo cultural que abraça identidade e nação, arte e política, moda e história. “A literatura marginal está aí para ampliar, complexificar, e até revolucionar o que antigamente era conhecido como ação cultural, revelando o contraste entre a normalidade dos fatos e a sua anormalidade essencial”.
Para o professor, a pesquisa se justifica socialmente pelo fato de exigir mais reflexão dos críticos e dos artistas contemporâneos. “Os artistas estão aí, entre a adesão e a contestação, muitos produzindo seus materiais criticando e se incorporando. A arte não pode se instituir, ser assimilada”. Ele afirma que o mundo mercantil é implacável e “negociar com ele é sempre arriscado”.
Foto: Marcos Santos / USP Imagens