Elina Rodrigues Pozzebom
Vale espionou funcionários e líderes sindiciais, denunciou André Almeida
Para André, que afirma ter trabalhado na área de segurança da empresa e vivenciado as práticas citadas, mesmo antes de ser privatizada a Vale já monitorava quem a interessasse, mas o método foi intensificado durante a gestão de Roger Agnelli, entre 2001 e 2011, e continua na atual administração.
Segundo o ex-funcionário, sempre na busca por lucros e com o intuito de neutralizar quem pudesse expor as violações de direitos humanos cometidas para esse enriquecimento – como os acidentes nos trilhos da Vale, sempre classificados como suicídios, isentando-a de pagar multas –, propinas eram pagas a funcionários de órgãos de segurança do governo, sigilos bancários eram quebrados, informações sigilosas do sistema Infoseg, do governo, eram acessadas e grampos telefônicos e dossiês contra políticos e representantes de movimentos sociais eram elaborados.
– O que a Vale gasta anualmente para monitorar seus empregados, os movimentos sociais diversos e políticos, poderia ser gasto com as comunidades se ela saísse de seu pedestal e conversasse com os movimentos – declarou.
Para o advogado do ex-funcionário, Ricardo Ribeiro, as acusações podem ser provadas por fotografias, notas fiscais e planilhas apresentadas à justiça na representação que move contra a Vale desde março de 2013. Ele foi demitido um ano antes. De acordo com Ricardo, foi “criado um FBI dentro da Vale, onde pode tudo, se investiga tudo”.
Apesar de convidada para a audiência, a Vale não enviou representante para apresentar a defesa da instituição durante a audiência. A presidente da comissão, senadora Ana Rita (PT-ES) afirmou que cobrará por escrito a manifestação da empresa e os resultados da investigação e auditoria internas que, segundo André, foram realizadas.
Código da Mineração
Dom Guilherme Werlang, presidente da Comissão Pastoral para os Serviços de Caridade, Justiça e Paz da CNBB, lamentou a falta de debate público sobre os impactos que a indústria da mineração causa às populações vizinhas às áreas de exploração. Segundo ele, o poder econômico jamais pode ser sobreposto ao valor da vida do planeta, do meio ambiente, do ecossistema e das pessoas. Também repudiou o monitoramento ilegal denunciado, que comparou com práticas que remontam ao período da ditadura brasileira e afirmou ser o diálogo a única saída para evitar perdas de ambos os lados.
O religioso disse que está bastante preocupado com a discussão do Marco Regulatório da Mineração na Câmara dos Deputados, porque, em sua opinião, tem priorizado o aspecto econômico da extração mineral, em detrimento dos aspectos sociais, ambientais, espirituais e culturais dos territórios e das populações.
– São preocupantes as ameaças que recaem sobre comunidades quilombolas, populações tradicionais, pequenos agricultores, áreas de proteção ambiental, e notadamente a mineração em áreas indígenas sem uma interação com o Estatuto dos Povos Indígenas, que espera aprovação desde 1991 – acrescentou.
Gabriel Strautman, coordenador de projetos da ONG Justiça Global, que monitora as violações de direitos humanos cometidas no âmbito de grandes empreendimentos e dá assistência jurídica aos atingidos, também apontou a necessidade de realização de debates sobre os projetos (PLs37/11 e 5807/13), em discussão na comissão especial da Câmara. Ele entende que, se nada for alterado, a proposta vai ser votada em novembro “a toque de caixa”.
O representante da Justiça Global disse ainda que a Vale é uma empresa arrogante, preconceituosa, pouco dada ao diálogo com as comunidades que estão no caminho de seu lucro e, principalmente, com os atingidos por ela. Para Gabriel, o Estado é ausente e até mesmo conivente, pois “financia as ações da mineradora por meio de financiamento público e permite a flexibilização de leis ambientais para legitimar a atuação considerada devastadora”.
Gabriel estranha a pouca cobertura dada ao caso, que veio a público em abril. “Poucos meios de comunicação falaram do problema, e até mesmo os jornalistas espionados, como Vera Durão, do Valor Econômico, nunca fizeram menção ao assunto”, salientou . Na opinião dele, o poder econômico causou o silêncio, já que a Vale pagara anúncios no jornal.
Investigações
A representação ao Ministério Público, inicialmente feita via Rio de Janeiro, foi transferida para o Pará, onde está a cargo da Procuradora da República no estado, Nayana Fadul, que também participou da audiência pública nesta quinta-feira. A investigação ainda está no início, e os debates da audiência pública, além dos documentos encaminhados por André Almeida e Gabriel Strautman, serão analisados e considerados, informou a procuradora. Além disso, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e o Ministério da Justiça, que enviaram representantes à audiência, acompanharão o caso.
Javier Mujica, delegado da Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH), lembrou que o Estado brasileiro, de acordo com a Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores dos Direitos Humanos, tem a obrigação de proteger seus cidadãos contra as violações aos direitos humanos cometidas por terceiros, incluindo empresas, assim como o dever de adotar as medidas necessárias para prevenir, investigar, castigar e reparar os abusos.
Ele sugeriu que o Senado crie uma comissão de investigação sobre o tema, e pediu que o Ministério Público, o Ministério da Justiça e a Polícia Federal façam uma investigação séria, livre de pressões e com conclusão em um prazo razoável.
A audiência desta quinta-feira, realizada com caráter interativo, esteve entre os dez assuntos mais comentados do Twitter com a hashtag #naovale.
Agência Senado