A Perspectiva do Patriarcado Na Veiculação do Filme: “Meninos Não Choram” *
Mayara Borges Freitas1
Melissa Valéria Borges Freitas2
RESUMO: O presente trabalho tem como foco central transcorrer a perspectiva do patriarcado que foi apresentado no filme “Meninos não choram” tendo como fundamentação teórica a análise que a autora Heleieth Iara Bongiovani Saffioti faz referência no texto “Não há revolução sem teoria”, IN: Gênero, patriarcado, violência – São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.
Palavras-chave: Patriarcado, Violência, Preconceito.
ABSTRACT: This works in question has as its central focus pervade the perspective of patriarchy which was featured in the movie “Boys Do not Cry” having as theoretical analysis that the author Heleieth Iara Bongiovani Saffioti references in the text “There is no revolution without theory”, IN : Gender, patriarchy, violence – São Paulo: Editora Perseus Abramo Foundation, 2004.
Keywords: Patriarchy, Violence, Prejudice.
- INTRODUÇÃO
O patriarcado segundo, Saffioti (2004) deve ser entendido como um regime de dominação e exploração que os homens possuem contra as mulheres. A autora é uma estudiosa no assunto e por meio de seu texto podemos ver o ciclo da opressão e da violência que as mulheres sofrem pelos homens.
A luz dessa teoria de autoras referendadas na temática que investigam e analisam como se dão as relações de gênero, o patriarcado e a violência, que consideraremos o filme “Meninos não Choram”, analisando as suas dimensões referentes ao preconceito, violência de gênero e o patriarcado.
No filme, percebe-se a influência do patriarcado, aqui entendido como o poder do macho na vida das mulheres. Estas se apresentam no filme vulneráveis à essa dominação, em muitas cenas do filme, os homens é que estão no poder ditam normas, hábitos e rotinas na vida das mulheres.
A personagem central, já vivenciava um conflito de identidade, pois, era do sexo feminino, mas, para esta sua identidade era do sexo masculino, e para aparentar ser como tal, cortava o cabelo, utilizava roupas masculinas e passou a namorar garotas.
Destaca-se que essa identidade da personagem central revela duas posturas: a primeira pode ser fruto de ela possuir uma identidade sexual diferenciada da sua identidade biológica e outra pode ser um próprio preconceito que esta pode sentir pelo fato de ser mulher, pois, conforme destaca Saffioti, o patriarcado às vezes é alimentado e acionado pelas próprias mulheres.
No filme, quando a personagem é questionada sobre o estupro que ela sofreu, esta demonstra nitidamente indignada, frustrada e enojada em afirmar que havia sido violentada em seu órgão sexual feminino, mas, ressalva-se que nesse mesmo momento ela estava novamente sendo vítima e reculpabilizada pela violência sexual que havia sofrido.
A monotonia das cenas, o cotidiano de vida dos seus personagens, no filme podem ser percebidos ,assim como afirma Saffiotti (2004) “a tradição opera como princípio teórico, constitutivo de umas das formas de dominação”. Bem como afirma a autora, constata-se a tradição das ações, onde as mulheres historicamente estão sob o domínio dos homens. A história de vida das personagens demonstram que desde a adolescência esta se constrói pela influência do sexo masculino.
As mulheres devem seguir o modelo de feminino já estabelecido pela sociedade em que se inserem, se adequando as normas e valores ditados por esta, muitas vezes a exceção, a regra culmina em preconceito, opressão e discriminação.
Pode-se perceber o acima exposto na história de vida da garota transexual, do filme que sofre preconceitos de toda a população de sua cidade natal, sendo, perseguida pelos vizinhos, e conhecidos da mesma.
Destaca-se que o ciclo de dominação-opressão da personagem, já inicia-se desde o seio familiar onde esta é vitima de preconceito por ter sua verdadeira identidade sexual revelada, posto que esta biologicamente é do sexo feminino, mas não se aceita como tal e inicia a busca pela sua identidade que por ser contrária ao que a tradição de sua sociedade afirma ser a identidade feminina, a personagem é oprimida e expulsa de casa e parte em direção a uma nova jornada em sua vida, em que possa assumir sua verdadeira identidade.
A protagonista conhece em um bar o grupo de amigos que será o núcleo social em que ela irá inserir-se, o grupo inicialmente, aparenta ser o local ideal para a personagem apresentar sua identidade, posto que os integrantes do grupo apresentam um comportamento machista e rude, a personagem sente receio por conta da violência e preconceito contra homossexuais que a cidade como um todo possui, além do comportamento agressivo e violento dos homens do grupo.
A personagem central inserida nesse grupo, como um homem conhece sua companheira se apaixona e também é correspondida. Destaca-se aqui que esse relacionamento é conturbado, pois envolve mentiras ( a não revelação da verdadeira identidade) e também a parceira da personagem central já possuía um relacionamento conflituoso com um dos integrantes do grupo que era possessivo e violento.
Nessa relação exposta anteriormente, do filme, pode-se destacar outra categoria que é a dominação-exploração dos personagens masculinos sobre os femininos, posto que essa se faz mais presente, os homens decidiam sobre tudo, até mesmo sobre quem as personagens femininas deviam namorar, quantos filhos deviam ter, destaca-se que o controle sempre estava nas mãos masculinas. O destino final dos personagens centrais do filme, expressa o resultado dessa dominação-exploração, posto que as personagens centrais tiveram suas vidas totalmente mudadas pelo atos cometidos pelos personagens masculinos, sofreram violência física, psicológica, sexual, moral, patrimonial , chegando até mesmo ao assassinato.
Com a descoberta da verdadeira identidade sexual da personagem, destaca-se que essa descoberta foi uma prova explicita dessa dominação – exploração do masculino sobre o feminino, a partir dessa descoberta é que a violência e a opressão a personagem começam, mas anteriormente enquanto sabiam que ela era do sexo masculino, não havia sequer limites para que esta fosse aceita no grupo, e destaca-se que foi essa liberdade dada ao personagem enquanto homem, que fez a aproximação deste com os outros personagens do filme. Mas quando a identidade sexual feminina desta foi revelada, a personagem foi vista como uma “coisa” repugnante e uma anomalia observa-se claramente o patriarcado no controle da sexualidade feminina, e o acionamento da máquina deste pelas mulheres, que também rejeitam e reprovam a sexualidade diferenciada da personagem.
O patriarcado segundo Hartmann (1979 apud Saffioti 2004) é um pacto masculino para garantir a opressão de mulheres. Contudo, essa realidade também é retrata no filme, pois a personagem central é triplamente oprimida:
- Por ser transexual, pois no ambiente em que vive a sociedade é extremamente opressora no que se refere ao homossexualismo.
- Por ser ameaçada, abusada, estuprada (que fazem com o que o estupro seja apenas um “segredinho” entre ambos), espancada e assassinada.
- Por ter que responder a perguntas constrangedoras da polícia, que no filme, se já faz presente também o abuso de poder, como se os policiais que estão investigando o caso se deliciassem com os detalhes irrelevantes e constrangedoras que a personagem foi vítima.
Como afirma Saffioti (2004) Neste tipo de regime [patriarcado], “as mulheres são objetos da satisfação sexual dos homens […]. Diferente dos homens como categoria sexual, a sujeição das mulheres, também como grupo, envolve prestação de serviços sexuais a seus dominadores”. A personagem central foi objeto sexual de dois personagens masculinos, pois foi constantemente usada, violentada e oprimida.
Saffioti considera o gênero como as representações de masculino e feminino, as imagens construídas socialmente sobre cada um, estando estas inter-relacionadas, pois, a autora destaca que não há masculino, sem o feminino e assim vice-versa. Já a autora Scott (1998), define o gênero com a o a significação das relações de poder, a forma como este é articulado. E a violência de gênero para a primeira autora destacada, abrange a violência intrafamiliar e doméstica e que esta ocorre normalmente no sentido do homem contra a mulher.
Observa-se que no filme esta dimensão do gênero, não é visualizada desta forma, pois, os papéis masculinos do filme pouco se inter-relacionavam com os femininos, ao passo que essa relação sempre se dava por meio do sexo ou para reprodução. Essa percepção do gênero conforme destaca a autora se faz com o significado de valorizar as relações sociais de sexo.
Destaca-se que a personagem pode ter vivenciado esse preconceito em sua convivência familiar, posto que habitualmente, os pais não aceitam as identidades sexualmente diferenciadas de seus filhos e os expulsam de casa ou culminam matando, agredindo ou reprimindo estes. É perceptível no filme essa situação quando a personagem muda seu cabelo e a sua companheira faz um comentário afirmando que não havia gostado e rapidamente a personagem reorganiza o cabelo da forma como sua companheira quer, isso ressalta que ela é reprimida e se molda de acordo com a vontade das outras pessoas, sem considerar em alguns casos sua vontade própria.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, o patriarcado é menos abrangente do que o gênero, pois considera uma categoria maior de ações que vão além dos aspectos biológicos. Para Saffioti o gênero não é igual ao poder, o que a autora quer chamar atenção é que o poder pode ser partilhado ou não.
A autora (Saffiotti, 2004) considera o gênero como “as representações do masculino e do feminino, a imagens construídas pela sociedade a propósito do masculino e do feminino, estando estas inter-relacionadas”.
Contudo, as mulheres do filme tendo como fundamentação teórica a autora (Saffioti, 2004) “se submetem à violência não porque ‘consistem’: elas são forçadas a ‘ceder’ porque não tem poder suficientemente para consentir.
Diante do exposto, conclui-se que o ciclo da dominação-exploração e opressão do filme é uma constante, pois percebe-se que as mulheres estão submetidas às vontade masculinas, porque não possuem poder para defesa de seus ideais e direitos, porque não eram vistas como tal, para os homens da cidade, as parcelas populacionais historicamente excluídas (mulheres, negros e homossexuais), não são cidadãos de direitos e que possuem uma subjetividade própria, mas são indivíduos que devem seguir os papéis e a tradição que historicamente é perpassada do patriarca para sua família, seguindo a hierarquia ( homens a frente das mulheres) e oprimindo aqueles que são a exceção a regra.
E por isso afligem, violentam, marginalizam e oprimem essas parcelas populacionais, como se estas não fossem, pessoas, fruto de determinantes, sejam históricas, culturais ou sociais, e pessoas com vontade e subjetividade própria com direitos e deveres a serem legitimados.
Destaca-se a alienação da máquina patriarcal, posto que esta pode ser acionada pelas próprias mulheres contra estas mesmas, ou de homens contra homens, assim como também ocorre a violência de gênero, que pode ser perpassada de um sexo pelo outro ou contra o seu próprio.
Desvendar os agravantes da violência de gênero envolvem ações que perpassem a culpabilização e revitimização de mulheres ou de homens ou de outros atores sociais, deve-se avançar no debate e reflexões sobre essa problemática, a fim de se evitar ou alienar parcelas populacionais, para que nas relações entre si, não se estabeleçam os papéis de que um domina e outro é dominado, sendo que no caso do gênero , o primeiro corresponde ao homem e o segundo a mulher. A igualdade social pode ser uma das vias de superação desta realidade, mas, questiona-se como alterar ou avançar os debates acerca de configurações sócio-históricas e culturais de dominação e opressão, de forma a tornarem estas mais igualitárias e menos discriminadoras?
É um debate que merece a visibilidade e mobilização de toda a sociedade para que se construam ações mais eficientes e eficazes de prevenção, denúncia e combate à violência, discriminação e dominação, evitando-se tendências culpabilizadoras e opressoras, através de uma concepção mais igualitária de gênero e das relações que entre estes se estabelecem.
REFERÊNCIAS
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Trad.: RUFINO, Christine Dabat ; ÁVILA, Maria Betânia. Nova Iorque. Universidade de Columbia, 1989.
PIERCE, Kimberly. Meninos não choram [filme]. Estados Unidos, 1999.
*Acadêmicas do Curso de Bacharelado em Serviço Social promovido pela Universidade Federal do Piauí.
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