Mara Rovida*
Não estava com pressa e nem poderia estar num dia como esse. Choveu forte durante a madrugada e a garoa caprichada mantinha as pistas molhadas e os para-brisas embaçados.
Esse é o típico dia de trânsito caótico. Semáforos param de funcionar – desconfio que substituem os componentes de metal por açúcar nesses equipamentos –, pequenos acidentes deixam pistas bloqueadas, pontos de alagamento dificultam o fluxo de veículos e por ai vai. Mas, um fresta de esperança pode surgir num cruzamento qualquer e o dia fica menos cinza, com toda certeza.
Passava por uma rua de pouco movimento, mas com um cruzamento daqueles bem chatinhos, onde fica difícil atravessar pela falta de visibilidade. Vários carros vinham no sentido contrário ao meu, quando um deles parou e sinalizou com o farol alto, como quem diz “pode seguir, eu espero, também estou sem pressa”. Pensei, “meu dia de sorte”. Isso é tão raro que a gente fica até sorrindo a toa.
Continuo meu caminho e viro a direita e a direita de novo. Entro numa rua estreita com carros estacionados dos dois lados. Impossível passar um veículo grande, mal tem espaço para um carro pequeno. Mas, é mão dupla e na outra direção vinha alguém. Penso, “agora vou ter de dar ré, na esquina mesmo”. Então, a magia da gentileza se repete, o farol alto indica mais uma vez “ei, pode passar, eu espero”. Como assim? Duas gentilezas dessas em menos de 200 metros?
Pois é, fico feliz que vez ou outra a solidariedade, a gentileza e a boa educação tomam conta daquela peça atrás do volante. Num espaço público marcado pela disputa e pelo conflito, quando algo assim acontece temos de comemorar!!!
* Mara Rovida é jornalista, doutoranda no PPGCOM da ECA-USP e membro do Grupo de Pesquisa do CNPQ Comunicação e Sociedade do Espetáculo.