Por Rúvila Magalhães – ruvila.avelino@usp.br
O teatro-jornal é uma vertente do teatro pouco conhecida e estudada, embora tenha importância histórica e eficácia artística. No Brasil, desenvolveu-se no Teatro de Arena de São Paulo, com incentivo do teatrólogo Augusto Boal, conhecido como criador do Teatro do Oprimido, e desempenhou papel cultural importante como tentativa de lidar com a censura no Regime Militar. Nos Estados Unidos, levou milhares de pessoas ao teatro na década de 1930. Apesar de haver alguns estudos sobre essa forma teatral, o teatro-jornal sempre sofreu muita oposição, principalmente devido a seu conteúdo político. Essas são as principais conclusões obtidas na dissertação de mestrado do jornalista Eduardo Luís Campos Lima. O estudo, realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, buscou apresentar e caracterizar os aspectos estéticos e políticos dessa forma de teatro.
Orientado por Maria Sílvia Betti, o estudo, além de caracterizar, comparou os dois momentos do mesmo fenômeno, no Brasil e nos Estados Unidos. Por meio da análise, o pesquisador pôde notar aspectos comuns nos temas e abordagens em ambos os países. A peça norte-americana estudada foi Injunction Granted (em português, Liminar é Concedida), de 1936, cujo tema era a criminalização do movimento operário. A peça brasileira escolhida foi Teatro Jornal: Primeira Edição, produzida pelo Teatro Arena de São Paulo em 1970.
Durante os anos que se seguiram à Revolução Russa (1917), o teatro apresentou-se como expressão artística importante para o debate social. “Um gênero totalmente novo que surgiu foi o jornal vivo ou teatro-jornal, forma teatral baseada na encenação de notícias”, explica Lima. Teatralizavam-se informes de sindicatos e notícias sobre a guerra civil, por exemplo. Na Rússia, essa forma de teatro foi disseminada por coletivos, tendo o Blusas Azuis como seu representante mais conhecido. Lá, o teatro-jornal foi praticado até 1934. Nessa época, o teatro russo era muito influente e os jornais vivos atravessaram o oceano, chegando aos Estados Unidos.
Entre as iniciativas para lidar com as consequências da Grande Depressão, o governo do presidente Franklin Delano Roosevelt criou um programa para contratar profissionais de teatro, em 1935, denominado Federal Theatre Project. Alguns artistas convidados para integrar o órgão conheciam as experiências teatrais russas, o que contribuiu para o desenvolvimento da versão norte-americana do jornal vivo. “Foi feito um acordo com o sindicato dos jornalistas, ou seja, artistas e jornalistas trabalhavam juntos. Havia uma redação para fazer as reportagens, levantar dados, pesquisar e fazer entrevistas. A partir desse material a peça era escrita”, relata o pesquisador. O Federal Theatre Project foi extinto em 1939, após sofrer fortes perseguições dos opositores de Roosevelt.
Perspectiva coletivista
No Brasil, Augusto Boal foi um dos primeiros artistas a pensar em fazer teatro-jornal. Ele havia estudado nos Estados Unidos com veteranos do teatro de esquerda, na década de 1950, e lá descobriu a forma teatral. Boal ingressou no Teatro de Arena em 1956, um período de grandes transformações no Brasil — entre elas, o fortalecimento do movimento operário e das lutas populares. No teatro, Boal preocupou-se com a formação do ator e estimulou uma perspectiva coletivista de trabalho.
O golpe de 1964 causou profundas transformações nas perspectivas do Teatro de Arena, que procurou responder continuamente às novas necessidades do momento. Com o Ato Institucional número 5 (AI-5), em 1968, que radicalizou a repressão ditatorial e a censura, seu trabalho dificultava-se ainda mais.
Naquele momento, constituía-se um núcleo novo no Arena, integrado por jovens artistas que haviam se formado em um curso de teatro lá oferecido. Por sugestão de Augusto Boal, o núcleo criou uma encenação baseada em notícias — encenação que, posteriormente, o diretor sistematizou em nove diferentes técnicas de teatro-jornal. Essas técnicas foram reunidas e apresentadas na peça “Teatro Jornal: Primeira Edição”, de 1970. A partir dessa peça explicativa, surgiram dezenas de grupos de teatro-jornal — apenas dentro da USP houve 20 coletivos . A disseminação era altamente estimulada pelos jovens artistas desse núcleo experimental do Arena.
Com o endurecimento contínuo do Regime Militar, os grupos tentaram prosseguir com sua atuação, mas as circunstâncias de repressão e censura não permitiram. A necessidade de parar com o trabalho e não manter provas da sua realização, para evitar as perseguições do período da ditadura, acabou tendo como consequência o desaparecimento de roteiros e outros registros das peças realizadas, dificultando a coleta de dados do trabalho do pesquisador. O estudo reúne material inédito sobre o assunto. Envolveu entrevistas com integrantes dos coletivos e investigação dos trabalhos realizados, tanto aqui no Brasil quanto nos Estados Unidos. A defesa da dissertação aconteceu no Teatro da USP (Tusp), local importante para a geração dos produtores do teatro-jornal brasileiro.