Crônicas Margarete Hülsendeger

A eterna maldição

A ETERNA MALDIÇÃO

Margarete Hülsendeger

Jamais deves buscar a coisa em si, a qual depende tão somente dos espelhos. A coisa em si, nunca: a coisa em ti.

Mario Quintana

Uma manhã, na hora do cafezinho, uma colega soltou essa “pérola”: “Gurias, na hora H, homem não vê celulite e nem barriguinha. A concentração dele está em ‘outro’ lugar”. No dia todas rimos, mas a verdade é que ninguém acreditou. Ou melhor, poucas mulheres conseguem acreditar nesse tipo de afirmação. Muito poucas!

Quando olhamos para o espelho nunca realmente nos vemos. E o mais terrível: não importa se a mulher tem 20 ou 60 anos, a reação é sempre a mesma, “Meu Deus, olha esse pneu!” ou “Caraca! O que vou fazer com essas celulites?”. Desespero geral.

Pois bem, se alguém, em alguma ilha isolada, tinha dúvidas sobre essa verdade, eis que surge no horizonte uma nova pesquisa para deixar tudo mais claro. E dessa vez não é um estudo americano, inglês, alemão ou japonês, é brasileiro, da ISMA-BR – Internacional Stress Management Association no Brasil. Ao entrevistar 1086 mulheres, a pesquisa constatou que 44% tinham problemas de autoestima. Além disso, os pesquisadores descobriram que a baixa autoestima provocava efeitos nocivos ao organismo como: dores musculares ou de cabeça (89%), ansiedade (83%), angústia (77%), dificuldades nas relações amorosas (59%), depressão (46%); problemas gastrointestinais (26%) e taquicardia (13%). Percentuais para ninguém colocar defeito, ou melhor, o que não faltam são mulheres sofrendo por se acreditarem “defeituosas”.

E, por favor, não pense que comigo é diferente, porque não é. Do mesmo modo, não acredite que tenho alguma receita milagrosa para aumentar a autoestima porque não é, em absoluto, o caso. Na verdade, me encontro entre os 44%, e digo mais: acho que muitas mulheres mentiram, porque, na minha opinião, o número deve ser maior. No entanto, a questão que se impõe é, aparentemente, simples: por quê?

Existem muitas respostas possíveis, mas vou ficar com a que considero mais óbvia: a pressão para ser bela é terrível. Modelos deslumbrantes, magérrimas, desfilando todos os dias diante dos nossos narizes, vendendo um ideal de beleza impossível de atingir. Toda essa loucura sendo alimentada continuamente pela mídia e pelas multinacionais cosméticas, criando um frenesi que beira à histeria. E não importa se esse ideal de beleza é prejudicial à saúde, o que interessa é vendê-lo ao maior número de mulheres e da forma mais rápida e lucrativa possível.

E o pior é que nós embarcamos nessa! Assistimos TV e cinema, lemos revistas e jornais e, literalmente, babamos por todos aqueles corpos “esculturais”, sentindo vergonha dos nossos e deixando-nos levar por mal-estares que só vão nos botar cada vez mais para baixo. Emagrecemos, engordamos, fazemos musculação, pillates, cortamos o cabelo, pintamos as unhas, muitas vezes não porque queremos nos agradar, mas porque queremos agradar os outros. E nesse “outros” não estão apenas os homens, mas também outras mulheres. Não existe nada pior do que o olhar de raios X que uma fêmea pode lançar sobre outra. Um homem jamais olha uma mulher dessa maneira.

E falando em homens, eles também foram pesquisados? Sim! A ISMA-BR realizou a mesma pesquisa ouvindo dois mil homens e adivinhe qual foi o resultado? 73% (contra os nossos 56%) disseram que sua autoestima estava em alta. Segundo os pesquisadores, eles estão mais à vontade com o seu corpo, sendo bem menos críticos e analíticos. Inclusive, há uma crença um pouco machista que homem preocupado com a aparência não é homem. Ou seja, eles estão, em relação às mulheres, na outra ponta do espectro. Por quê? Muito provavelmente porque na nossa sociedade o ônus da conquista ficou para mulher. É ela que precisa agradar, pois só assim irá garantir que o seu território não seja invadido por outra fêmea desejosa do seu macho. Algo bem primitivo, mas que parece nunca perder a força.

E os homens, como reagem a todo o nosso esforço? Rindo ou, pior, não conseguindo compreender o porquê de tanto estresse. A maioria deles não repara na cor da sombra que usamos nos olhos, ou se cortamos o cabelo, ou ainda na famigerada celulite. Eles não olham os detalhes, eles se fixam no todo. Pelo menos é o que diz a pesquisa. O problema é acreditar nela. O problema é conseguir nos ver com os olhos deles. A mulher que consegue merece todo o meu respeito, pois se libertou, enfim, da famigerada maldição do espelho.

 

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