Francine Borges Bordin[*]
Resumo:
Buscamos nesse breve artigo compreender sobre a descrição densa, baseado no antropólogo Clifford Geertz (2008). Buscamos também explicar como se constitui o trabalho de pesquisa antropológico e como se dá sua interpretação. Também debatemos sobre o método etnográfico como sendo a principal metodologia de pesquisa para um antropólogo. Enfim, levantamos algumas considerações teóricas importantes para aqueles que pretendem fazer pesquisa antropológica.
Palavras-chave: descrição densa, antropologia, etnografia, pesquisa.
Abstract:
We seek in this short article to understand about dense description, based on the anthropologist Clifford Geertz (2008). We also tried to explain how it is the
anthropological research work and how it is its interpretation. We also discussed about the ethnographic method as the main research methodology for an anthropologist. Finally, we raise some important theoretical considerations for those who intend to do anthropological research.
Keywords: dense description, anthropology, ethnography, research.
Considerando a descrição densa como um fator importante ao trabalho de pesquisa antropológico, buscamos nesse breve artigo compreender um pouco mais sobre este conceito, baseado no antropólogo Clifford Geertz (2008).
A descrição densa caracteriza-se na forma como um antropólogo deve descrever seus estudos. O antropólogo deve descrever seu objeto de estudo em suas mais diversas particularidades, levando em conta todos os pequenos fatos que cercam sua vida social. Não bem os fatos em si, mas a ação social destes fatos. Não se busca leis gerais, mas sim significados/significações. A ciência do antropólogo deve ser interpretativa em busca de significado, buscando explicar e interpretar expressões sociais que são “enigmáticas na sua superfície” (GEERTZ, 2008, p.4).
Isso demonstra que não podemos generalizar ou interpretar “pela superfície”, devemos buscar os significados de que precisamos dentro de determinada cultura, levando em conta toda as suas características. Quanto mais densa é a descrição, mais meios o antropólogo possui para legitimar suas teorias. Portanto, Outro ponto importante diz respeito às teorias utilizadas na pesquisa. É certo que não se deve fazer estudos de mãos vazias, indo à campo sem nenhuma teoria em mente, mas as teorias só passam a ter valor a partir do desenrolar do trabalho em campo. Pois são a partir das singularidades culturais que se articulam as teorias, validando-as ou não.
Estas teorias provêm de outros estudos antropológicos, o que não impede que o antropólogo abra espaço para diversos diálogos, articulando-se à diversos outros estudos e trazendo à vista novas interpretações e possíveis teorias culturais. O importante é que estas teorias devem aparecer nos trabalhos antropológicos a partir do momento em que o pesquisador está observando seu objeto.
É fato que o método etnográfico é indispensável para o antropólogo. É só a partir da compreensão sobre fazer etnografia que a antropologia se demonstra como forma de conhecimento ou ciência. Voltamos então ao começo do texto. Fazer etnografia envolve estabelecer relações, selecionar os informantes, transcrever textos, estabelecer genealogias, traçar mapas, usar um diário, etc., fazer um grande esforço intelectual e utilizar a “descrição densa”. Geertz (2008) traz o conceito de descrição densa de Gilbert Ryle. Ryle utiliza o exemplo do “piscar”, em que as piscadelas (diferentemente de um “tic”) comunicam algo e de maneira bem precisa e especial: deliberadamente, a alguém em particular, para transmitir uma mensagem, conforme um código social e sem conhecimento dos outros à volta. Ele descreve várias possibilidades envolvendo as piscadelas, mostrando que as complexidades são possíveis e praticamente infinitas. Mesmo que tivéssemos alguma teoria ou conceito sobre piscadela – seja qual for – não entenderíamos a ação social que envolve a piscadela, pois o ato social está envolto em uma série de circunstâncias que lhe dão significado e complexidade e se não houver diálogo teórico adequado, a teoria pode vir a atrapalhar o trabalho do antropólogo na busca da significação de tal ato. Percebe-se então que toda teoria deve surgir em meio à complexidade cultural e social do objeto de estudo.
Para tratar mais especificamente da etnografia enquanto descrição densa:
O que o etnógrafo enfrenta, de fato […] é uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar. E isso é verdade em todos os níveis de atividade do seu trabalho de campo, mesmo o mais rotineiro: entrevistar informantes, observar rituais, deduzir os termos de parentesco, traçar linhas de propriedade, fazer o censo doméstico… escrever seu diário. Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado. (GEERTZ, 2008, p.7)
Com relação à experiência pessoal da investigação etnográfica, esta significa lançar-se em uma aventura em que os êxitos só se vislumbram a léguas de distância. É um esforço que nos leva a interpretar e observar os “nativos” baseados em nossas conversas com eles. “O que procuramos, no sentido mais amplo do termo, que compreende muito mais do que simplesmente falar, é conversar com eles […]” (GEERTZ, 2008, p.10). O antropólogo então, deve ter essa habilidade especial, de se deslocar, abandonar seu lugar de falante para ouvinte. Abrir espaço para o outro.
Ultrapassando a explicação da descrição densa como um elemento importante na pesquisa etnográfica, percebemos que a antropologia se propõe a algumas finalidades. Primeiramente pretende ampliar o universo do discurso humano; e também pode pretender-se à instrução, entretenimento, conselho prático, progresso moral e descobrir a ordem natural da conduta humana. Estas são metas que se ajustam perfeitamente ao conceito semiótico de cultura, em que é entendida como sistemas de interação de significados interpretáveis. A cultura não é uma entidade a que possa ser relacionados acontecimentos sociais e condutas, mas a cultura é um contexto dentro do qual podem descrever-se todos esses fenômenos de maneira inteligível, ou seja, densa.
Compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir sua particularidade. (Quanto mais eu tento seguir o que fazem os marroquinos, mais lógicos e singulares eles me parecem). Isso os torna acessíveis: colocá-los no quadro de suas próprias banalidades dissolve sua opacidade. (GEERTZ, 2008, p.10)
Ou seja, as descrições culturais devem ser feitas a partir dos valores culturais de determinado povo, atendendo a interpretações que fazem de suas experiências pessoais ou de um grupo particular, porque são descrições de interpretações. A análise cultural começa com nossas próprias interpretações do que os informantes nos demonstram e logo às sistematizamos. Isso nos leva à que os estudos antropológicos, são eles mesmos, interpretações e mais: interpretações de segunda e terceira ordem. Por estarem os antropólogos tão envoltos à suas interpretações, estes devem medir a validade ou a irrefutabilidade de suas explicações, utilizando a imaginação científica que nos leva ao contato com a vida de povos ou pessoas estranhas. É esse diálogo teórico e conceitual que permite que as culturas sejam conhecidas por outros de forma que possam ser compreendidas. O importante não é apenas descrever o que ocorre ou não ocorre em determinado local (isso talvez seja esforço dos jornalistas), mas sim traçar a curva do discurso social e corrigi-lo de uma forma susceptível de ser considerada.
O etnógrafo “inscreve” (GEERTZ, 2008, p.14) discursos sociais, ou as falas, ou os significados das falas – os põe por escrito, se afasta de um fato passageiro que existe só naquele momento e passa uma relação desse fato que existe em suas inscrições e pode voltar a ser consultada. Isso quer dizer que ao estudar determinado acontecimento, descrevê-lo em seu diário de campo e fazer as relações teóricas consideradas necessárias, esse estudo – por mais que se passe o tempo – é suscetível de ser consultado, pois faz parte da cultura de determinado local e até de sua história, e por mais que suas teorias possam não ter mais validade, naquele momento elas foram aplicadas e serviram para aquela finalidade. Os estudos antropológicos costumam carregar consigo esse caráter de prazo de validade indeterminado, pois suas descrições contribuem para diversas gerações de antropólogos.
A descrição etnográfica apresenta, portanto, três características: é uma interpretação, é uma tradução e é microcósmica. É interpretativa, porque interpreta o fluxo do discurso social, e, interpretar consiste em resgatar o cerne desse discurso de suas possibilidades e transformá-lo em termos suscetíveis de consulta. É quase uma tradução: o antropólogo interpreta, registra, e reinterpreta de uma forma que outros antropólogos possam compreender. Surge aí existe outra característica: a descrição etnográfica é microscópica. É densa. É importante lembrar que os antropólogos não estudam as culturas ao longe, mas sim de dentro, não estudam as aldeias, mas nas aldeias, talvez seja esse fato que faça com que a descrição etnográfica seja tão densa e microscópica.
Então a teoria. Esta é a maior dificuldade para qualquer antropólogo. O desenvolvimento teórico talvez seja mais difícil na antropologia do que em qualquer outra disciplina, porque se tem a necessidade de permanecer mais perto do campo estudado e não entregar-se à abstração como outras ciências são capazes de fazer, essa é a primeira condição da teoria cultural. E aproximar a teoria do campo de estudo é fundamental para a antropologia – deve-se mantê-la aproximada aos fatos apresentados na descrição densa. É importante para a antropologia o fato de que os estudos antropológicos mantenham um diálogo – ou seja, os estudos se realizam a partir de outros estudos, mas não no sentido de se anularem uns aos outros, mas sim complementarem, adquirirem novas informações e conceitualizações. A cada novo estudo, novas descobertas e mais profundas nas mesmas questões.
A segunda condição teórica é que esta não é preditiva.
É verdade que no estilo clínico da formulação teórica a conceitualização é dirigida para a tarefa de gerar interpretações de assuntos já sob controle, não para projetar resultados de manipulações experimentais ou para deduzir estados futuros de um sistema determinado. (GEERTZ, 2008, p.19)
O antropólogo deve fazer uma distinção relativa entre “inscrição” (descrição densa) e “especificação” (diagnóstico). Deve-se estabelecer o significado que determinadas ações sociais têm para seus atores e enunciar – o mais explicitamente possível – o que esse conhecimento alcançado (significado) mostra sobre a sociedade a que se refere, sobre a vida social como tal. Têm-se aí, uma dupla tarefa: descobrir as estruturas conceituais que informam os atos de nossos sujeitos, o cerne de seu discurso social, e, construir uma análise em cujos termos genéricos destas estruturas permaneçam frente a outros fatores determinantes da conduta humana.
O objetivo é tirar grandes conclusões a partir de fatos pequenos, mas densamente entrelaçados; apoiar amplas afirmativas sobre o papel da cultura na construção da vida coletiva empenhando-as exatamente em especificações complexas.
Assim não é apenas a interpretação que refaz todo o caminho até o nível observacional imediato: o mesmo acontece com a teoria da qual depende conceptualmente tal interpretação. (GEERTZ, 2008, p.20)
Assim sendo, a descrição densa se constitui como o fio que tece o trabalho antropológico, levando-nos tanto à pesquisa de campo quanto à interpretações teóricas e possibilitando todo o trabalho de análise de dados do pesquisador. Concluímos, portanto, que a análise cultural é complexa e sempre incompleta, levando-nos às singularidades e particularidades da vida social, compreendendo aquilo que muitas vezes não somos capazes de compreender em nossa cultura. A antropologia tem esse poder, confrontar outras realidades com as nossas próprias, alargando a compreensão humana sobre as diferenças culturais. Para isso, qualquer antropólogo deve ter em mente, no mínimo, essas ideias aqui explanadas, para debatê-las e até invalidá-las, mas mesmo assim, compreender seu objeto de estudo tendo a descrição densa como guia metodologia de escrita.
Referências:
GEERTZ, Clifford. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. In: A Interpretação das Culturas. 1ed., 13reimpr., Rio de Janeiro: LTC, 2008, p.3-21.
Como citar este artigo:
BORDIN, Francine B. Algumas Considerações sobre a Descrição Densa e o Trabalho Etnográfico e Antropológico. P@rtes: São Paulo, Abril de 2013. (publicado em: xx/04/2013)
[*] Bacharel em Ciências Sociais; Especialista em Educação Infantil; e, Mestranda em Educação. Ambos pela Universidade Federal de Pelotas. Possui experiência na área de sociologia e antropologia, com ênfase em pesquisas relativas à infância e à criança. E-mail: francine.bb1988@hotmail.com