Crianças com aparelhos de amplificação sonora individual ou implantes cocleares podem melhorar a percepção e compreensão dos sons por meio de um dispositivo sem fio via frequência modulada (FM), testado em pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Os experimentos realizados pela fonoaudióloga Michelle Queiroz mostraram que o sistema facilita a compreensão da voz mesmo quando a fonte está distante e há ruídos mais intensos no ambiente. O dispositivo pode ser utilizado em salas de aula para auxiliar no acompanhamento da fala dos professores e, portanto favorecer a aprendizagem.
As pessoas com deficiência auditiva possuem maior dificuldade de inteligibilidade da fala, especialmente em ambientes ruidosos , ou seja, têm dificuldade de separar o som que querem dar atenção do ruído de fundo. “Quanto mais distante estiver a fonte emissora, menor é a intensidade do som, dificultando ainda mais a percepção”, afirma Michelle.
O dispositivo funciona como um microfone sem fio. A fala é captada e enviada por meio de sinais de FM para um receptor conectado no aparelho de amplificação sonora individual ou implante coclear. O receptor por sua vez encaminha o sinal para o aparelho ou implante. “Com o sistema, por exemplo, um professor pode caminhar pela sala de aula e o aluno ouve a sua voz com boa intensidade sonora, como se o professor estivesse sempre ao seu lado”, acrescenta a fonoaudióloga.
A fonoaudióloga realizou um teste de fala no ruído com 30 crianças de 6 a 13 anos, na Clínica de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP. Metade apresentavam audição normal, sete eram usuárias de aparelhos auditivos e oito possuíam implante coclear. “Todas elas foram colocadas no meio de uma sala, com duas caixas de som, uma a sua frente, outra atrás, posicionadas a um metro de distância”, descreve a fonoaudióloga. A caixa da frente reproduzia frases aleatórias, e a de trás emitia ruídos de conversas numa intensidade fixa de 65 decibéis. “As duas eram postas em funcionamento simultaneamente, e se verificava qual a diferença em decibéis entre a voz e o ruído que permitia a compreensão de 50% do material de fala”.
Compreensão Entre as crianças que não tinham problemas de audição, a relação sinal-ruído foi negativa. “Isso quer dizer que elas compreendiam a fala numa intensidade de até 5,9 decibeis menor do que o nível de ruído”, observa Michelle. Nos portadores de implante coclear sem o sistema de FM, o resultado foi o contrário, a fala devia estar entre 3,3 e 5,6 decibeis acima da intensidade do ruído, indicando a necessidade de melhorar a relação sinal-ruído para as pessoas com deficiência auditiva usárias de aparelho de amplificação sonora individual e implante coclear.
“Com o dispositivo de FM acoplado, a relação sinal-ruído melhorou significativamente, as crianças apresentaram resultados próximos ao das crianças normo-ouvintes, sendo que as crianças usuárias de aparelho auditivo apresentaram um desempenho ainda maior”, destaca a fonoaudióloga. “No exterior, o sistema é utilizado inclusive por crianças com audição normal, para melhorar a atenção e favorecer o aprendizado nas escolas”. A pesquisa foi orientada pela professora Maria Cecília Bevilacqua, da FMUSP. As conclusões do trabalho estão em dissertação de mestrado apresentada em novembro de 2012.
Os aparelhos auditivos, em geral, são utilizados em pessoas com deficiência auditiva de grau leve, moderado e severo. “Eles captam os sons, que são convertidos em sinais elétricos e depois em dígitos (sinal digital) para ser processado (amplificado) e conduzido para a orelha do usuário”, descreve a fonoaudióloga. O implante coclear é utilizado em deficiências auditivas de grau severo e profundo, quando não há bons resultados com o uso do aparelho auditivo. “ Um feixe de eletrodos é inserido cirurgicamente na orelha interna (cóclea), e através de um dispositivo externo, processador de fala, o sinal é captado e gera impulsos elétricos que estimulam diretamente as fibras nervosas”.
Michelle aponta que já existem políticas públicas para concessão gratuita de aparelhos auditivos e realização de implantes cocleares pelo Sistema Único de Saúde (SUS), regulada por meio da Portaria de Atenção a Saúde Auditiva. “No entanto, embora o sistema de FM seja usado no exterior desde a década de 1960, apenas agora ele está começando a ser difundido e mais pesquisado no País”, lembra. “Um projeto-piloto do Ministério de Educação (MEC) vem testando o dispositivo em algumas escolas, para avaliar a viabilidade futura de uma nova portaria que contemple também a concessão desta tecnologia”, conclui.
Mais informações: email michelle.queiroz@usp.br, com Michelle Queiroz