Alguma sustentabilidade
Gilda E. Kluppel
O termo sustentabilidade é elegante, soa bem aos ouvidos e tem cada vez mais destaque nos diversos espaços por onde transita. Mas, muitas vezes, o discurso da sustentabilidade, com o perdão do trocadilho, não se sustenta. Parece hipócrita, propagamos palavras bonitas e politicamente corretas, mas não diminuímos o consumo exagerado. Há tempo somos condicionados por essa cultura, necessitamos comprar cada vez mais, consequentemente o aumento do consumo acarreta a devastação dos recursos naturais e o acúmulo de resíduos.
Um exemplo gritante é a locomoção centrada no transporte individual. As cidades estão abarrotadas de veículos, mal sobra espaço para a circulação, com isto o automóvel se tornou uma fonte inesgotável de estresse. Mas, o apelo para o sonhado carro “zero quilometro” fala mais alto. Os anúncios comerciais, incentivando e facilitando a aquisição do desejado modelo novo, parecem vencer os consumidores pela insistência. Afinal, o automóvel sempre representou algo mais que um mero meio de transporte, carrega o fetiche do status e poder.
A questão da mobilidade urbana torna-se o foco de muitas discussões e algumas iniciativas são implantadas. A troca do transporte individual pelo coletivo ou pela bicicleta ganhou força nos últimos anos. Com uma estrutura pública maior para atender essas novas atitudes, ampliando as alternativas de transporte coletivo e de ciclovias, será possível tornar o automóvel um luxo desnecessário; ao invés de uma solução individual que complica ainda mais o trânsito caótico das cidades.
Pequenas atitudes são importantes e também proporcionam uma contribuição significativa, mas não são suficientes. Separamos o lixo para que seja reaproveitável, mas não tentamos diminuir a quantidade de lixo eletrônico que produzimos. Existe algo pior para a natureza do que a necessidade constante de trocar de celular, laptop e toda a parafernália eletrônica? Parece óbvio para a saúde do planeta limitar o consumo desses bens duráveis.
Sequer mencionamos mais a palavra conserto. Não consertamos geladeiras, máquinas de lavar, computadores, celulares, televisores, entre tantos outros. Simplesmente nos desfazemos deles, mesmo quando não apresentam defeitos. Será que necessitamos adquirir máquinas e equipamentos a cada novidade da indústria? Estaremos desatualizados para a Copa do Mundo ao não comprar a televisão top de linha? Por que não optar por bens duráveis, realmente duráveis a longo prazo? Tentando resistir, ainda que um pouco, a era do produto descartável. No tempo dos nossos avós os bens duráveis permaneciam, com consertos e remendos, até não terem mais utilidade. E as pessoas não eram menos felizes por causa disto. Hoje, não se encontram mais aquelas inúmeras lojas de assistência técnica onde para quase tudo tinha uma solução.
Não se trata de saudosismo, cabe lembrar que a passagem do homem pelo planeta, das gerações anteriores para as atuais, deixa um rastro cada vez maior. O ecologista canadense William Rees, através do conceito da Pegada Ecológica, fornece um instrumento para expressar, em hectares, a extensão de território que uma pessoa ou toda uma sociedade utiliza, em média, para manter o seu estilo de vida. Quem faz o teste do tamanho da sua Pegada Ecológica verifica essa realidade mais próxima e pode alterar alguns hábitos nocivos ao meio ambiente.
Sustentabilidade, numa sociedade consumista e individualista, ecoa como uma estratégia de marketing da indústria para amenizar a sua culpa, na tentativa de demonstrar que a preservação ambiental torna-se compatível com o excesso de consumo. Logo, com a sua responsabilidade assumida, falta apenas fazer a nossa parte, resumida em separar o lixo, ir ao supermercado com sacolas retornáveis e não utilizar copos plásticos. E assim nos transformamos em “indivíduos ecologicamente corretos”. Mas, essa é uma sustentabilidade liderada pelo mercado, logo limitada e reducionista.
Para o filósofo e teólogo Leonardo Boff em seu artigo “Desenvolvimento sustentável: crítica ao modelo padrão” esse modelo de desenvolvimento que se quer sustentável, é retórico. Boff destaca que tudo é realizado desde que não se afetem os lucros, nem se enfraqueça a competição.
Logo, sustentabilidade com o aval consumista para que as pessoas possam dormir tranquilas por contribuírem com o planeta, mas não abandonem a sua opção preferencial pelas compras significa “jogar a sujeira para debaixo do tapete”. Enquanto prevalecer o sentimento de insaciabilidade, o ter e o consumir como sinônimos de uma vida bem-sucedida, baseada na “sustentabilidade de mercado”, a figura do consumidor prevalecerá sobre o cidadão.